Por João Melo
Lamentavelmente, a quase totalidade dos órgãos de comunicação não fez o deles.Eu explico-me. Até onde eu li, o único jornal diário do país (estatal) [Jornal de Angola, acréscimo nosso] não fez uma menção sequer ao documento da UNITA.
Pessoalmente, já estou cansado de dizê-lo: além de anti-democrático, isso é um erro. Em contrapartida, a maioria dos jornais privados deu idêntica demonstração de que lhes falta uma postura rigorosamente democrática e profissional, embora de sinal contrário.
Com efeito, tais meios pegaram no press release do partido de Isaías Samakuva e chaparam-no nas suas páginas como se, à primeira vista, de um trabalho seu se tratasse; não destacaram, como deviam, que aquele era um documento da UNITA e, menos ainda, procuraram o partido visado para comentá-lo, propiciando assim o recomendado contraditório.
Qualquer um que tenha umas luzes sobre comunicação de marketing (incluindo, portanto, o marketing político) sabe que as redacções têm um funcionamento burocrático e tendencialmente preguiçoso, pelo que a propensão para o “jornalismo administrativo” é quase geral, em especial nos dias de hoje, em que os jornais têm a forte concorrência dos meios electrónicos (rádio, televisão e Internet).
Eu explico o que é o “jornalismo administrativo”: é aquele que se limita a reproduzir o material promocional (comunicados, press releases, etc.) recebido das fontes, sem buscar o contraditório e sem cruzá-lo com outras fontes. Não é à toa, por isso, que, presentemente, as re-lações públicas são cada vez mais eficientes (e mais baratas) do que a publicidade tradicional.
A Constituição é um assunto muito sério, a que a imprensa, necessariamente, de-ve prestar a máxima atenção e cobertura. Mas, como jornalista profissional há 35 anos (de momento emprestado à política) e também como professor de marketing e comunicação, não resisto a acrescentar que os meios de comunicação, se realmente estiverem interessados em tratar desse tema da forma o mais completa e objectiva possível, precisam, desde logo, de destacar os seus melhores jornalis-tas políticos para o acompanharem.
Além disso, estes últimos têm de estudar a sério o assunto, ouvindo, sempre que necessário, os especialistas, para não servirem muitas vezes de meros altifalantes de afirmações ignorantes ou deliberadamente mistificadoras.
Se os jornais se quiserem posicionar sobre o debate constitucional em curso, devem fazê-lo em editorial ou em artigos de opinião devidamente assinados (com o nome próprio).
Mas pegar em declarações dos actores directamente interessados nesse debate (os partidos) e transformá-las, por vezes, em manchetes, sem o cuidado elementar de colocá-las entre aspas ou, pior, ainda, transcrever na íntegra documentos produzidos por esses actores, sem ouvir outras fontes, não abona a favor da competência profissional (para já não mencionar a integridade) dos meios e jornalistas que assim procederem.
Uma nota final acerca de uma manchete de primeira página publicada na última edição do semanário que gentilmente abriga esta coluna:”MPLA vota Constituição sozinho”. É mentira. O que se passou é que a Comissão Técnica, no cumprimento de um mandato da Comissão Constitucional, aprovou no dia 30 de Setembro os três anteprojectos que deverão ser submetidos a debate público, dos quais o último (resultante da fusão entre as propostas do MPLA e da Nova Democracia) defende a eleição do presidente da República no quadro das listas partidárias, em eleição directa conjunta para o parlamento e a presidência.
Os referidos anteprojectos foram aprovados por todos os membros da Comissão Técnica, excepto o último, que não contou com os votos dos técnicos indicados pela UNITA, que faltaram à reunião (mas os do PRS, por exemplo, aprovaram-no). Os meios que quiserem saber a verdade poderão requerer à Comissão Técnica as actas referentes ao assunto.
É imperioso esclarecer o público que ainda não se trata da Constituição. São três anteprojectos, reflectindo três grandes matrizes, as quais vão agora a discussão popular. A pergunta, portanto, é: quem não está interessado em discutir, mas, sim, pretende insistir em velhas estratégias de bloqueio, que já fizeram os angolanos perder tanto tempo?
Fonte:http://www.angola24horas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1377:a-unita-a-constituicao-e-a-imprensa&catid=14:opiniao&Itemid=24