Terça, 24 de Novembro 2009, 17:04
A gravidez precoce é um facto no país e em Luanda uma tragédia oculta. Nos centros municipais de Saúde e nas maternidades, as adolescentes grávidas que recorrem às consultas são cada vez mais frequentes. De Janeiro a Outubro, a Maternidade Lucrécia Paim registou 133 casos de adolescentes que deram à luz, muitas delas através de cesarianas, porque os seus corpos ainda estão em formação. O Centro Social de Saúde Nossa Senhora das Graças, no Rangel, tem uma área de maternidade e regista por mês regista mais de 20 casos, revelou a madre Norma, uma das responsáveis do centro.
Madre Norma testemunha situações complicadas na vida das adolescentes grávidas. “Muitas delas chegam aqui sem saber se estão grávidas e quando descobrem só pensam em fazer aborto, para que os pais não descubram. Outras adolescentes, dos 14 aos 18 anos, nem sequer sabem da importância do preservativo”, revelou.
“É um caso muito sério, porque são crianças que não vivem a sua infância como deve ser, e chegam aqui com o pensamento negativo de abortar, porque dão conta que são crianças e não têm condições de sustentar o filho”, afirmou a madre.
Mãe adolescente
Encontrámos no Centro da Nossa Senhora das Graças uma menina que deu à luz. Magra e com ar tímido, Maria Domingos tinha a sua bebé ao colo. Aguardava a sua vez para ser assistida. Maria Domingos engravidou aos 16 anos. Com 13 anos, já tinha relações sexuais com o namorado, mas sem preservativo.
Maria Domingos tem hoje 17 anos, frequenta a oitava classe e tem ao colo o fruto da sua ignorância, uma menina linda com um ano e poucos meses. Maria Domingos conta como tem sido difícil cuidar da criança. “Tenho que levantar cedo para ir à escola. Vivo em casa da minha sogra mas ela não ajuda a cuidar da bebé, isso provoca-me muitos problemas”, disse a mãe adolescente.
O coração de Maria fica “partido” quando vê as amigas partir para as festas e ela fica em casa “porque tenho de cuidar da criança. Às vezes penso em desistir e deixar de ser mãe, mas juro que não posso”. Maria Domingos não trabalha, é órfã de mãe, mas tem o apoio do pai: “Ficou decepcionado mas dá-me forças para cuidar da minha filha”, referiu. Com o apoio do pai, Maria Domingos aprende a amar a filha.
Elisabete Bernardo José, de 15 anos, estudante da sétima classe, está grávida de três meses. Elisabete está triste e envergonhada. Usa normalmente roupas para esconder as mudanças que seu corpo apresenta.
Elisabete Bernardo diz que tinha “uma vida sexual prevenida”, usava o preservativo, “mas um dia rebentou e aconteceu o que aconteceu”. Elisabete, mesmo com o apoio dos pais, tem medo de ser mãe. “Ainda sou criança, e não sei o que é cuidar de outra criança. Mas a minha família está a apoiar-me. Vou continuar a estudar e arranjar emprego para sustentar o meu filho”, garantiu.
A ingenuidade ainda faz parte da vida de Mariana Barnabé, de 16 anos. Grávida de quatro meses, está contente, porque vai ser mãe. “Nunca pensei engravidar, mas já que estou, sinto-me feliz”, referiu.
Mariana diz que “agora o meu namorado tem de trabalhar para sustentar o filho dele, porque não fiz sozinha. Vou continuar a estudar”, diz sorridente. Como Mariana, encontrámos muitas adolescentes grávidas que aguardavam consulta no Centro Social de Saúde Nossa Senhora das Graças, no Rangel.
Quase todas as adolescentes dizem que trabalho é tarefa para os homens que as engravidaram e a elas cabe a continuação dos seus estudos. Mas a realidade é diferente e toma dimensões de tragédia.
Realidade assustadora
A adolescência é a etapa ouro do ser humano e na adolescência as meninas começam a desenvolver-se corporalmente e a descobrir a sua sexualidade, diz o director da Maternidade Lucrécia Paim, Abreu Pecamena, “Elas começam a sentir-se adultas e querem descobrir tudo o que os adultos fazem”, revelou. Abreu Pecamena disse que está provado mundialmente, que as adolescentes engravidam sem saber como e quando. O director Maternidade Lucrécia Paim diz que Angola não foge à regra e é cada vez mais precoce o início das relações sexuais e, ao mesmo tempo, a gravidez na adolescência. “Não tenho um estudo específico da percentagem da gravidez precoce na sociedade, mas posso garantir que os casos são assustadores”, salientou. “Temos esta noção porque a maternidade é um hospital de referência e no ano passo foram registados muitos casos”.
Abreu Pecamena diz que a falta de educação sexual nas famílias e nas escolas é uma das causas da gravidez precoce e do alto índice de casos de sida, “porque os adolescentes fazem sexo sem protecção e isso é muito preocupante, para um país em desenvolvimento”.
O número de cesarianas também preocupa a direcção da Maternidade Lucrécia Paim. “A fisiologia de uma adolescente não está preparada para um parto, elas têm a bacia pequena”, esclareceu.
O aborto é frequente na Lucrécia Paim. O director da maternidade frisa que muitas jovens engravidam e não sabem, quando descobrem entram em conflito com a situação e recorrem ao famoso Sitoc, um medicamento perigoso, usado pelas mulheres para provocarem o aborto. “Temos um número elevado de abortos sobretudo nesta fase do ano, devido aos meses que se seguem ao cacimbo”, explicou.
Muitas jovens praticam o aborto nos centros clandestinos e quando as coisas correm mal vêem para a maternidade. “O nosso dever é salvar vidas, por isso recebemos todos os casos. Posteriormente aconselhamos os encarregados de educação, porque muitas vezes são eles que pedem para que se faça o aborto às filhas”, revela.
Abreu Pecamena diz que existe na maternidade uma consulta só para adolescentes, onde são explicados os cuidados a ter durante a gestação. “Temos tidos alguns casos de rejeição do bebé pós-parto, por isso realizamos estas consultas para que a adolescente esteja preparada para a sua nova fase de vida”. Pedro Capingano, psicólogo na Sonair, traça o quadro da tragédia: “muitas adolescentes escondem a gravidez, saem de casa, pensam em abortar, abandonam escola, perdem os amigos, criam o sindroma de isolamento, que também, acarreta outros vícios como o álcool, prostituição, depressão e ansiedade”.
O psicólogo considera que “existe pouca informação na transmissão de valores entre pais e filhos. A informação sobre a sexualidade deve começar na família. Falar da importância do uso do contraceptivo aos filhos é fundamental, porque quando uma criança não é informada pensa que já sabe tudo”, frisou.
O psicólogo considera que a gravidez na adolescência é uma realidade cada vez mais presente. “A adolescente e o seu filho são particularmente vulneráveis aos riscos inerentes à gravidez e maternidade, devido à especificidade das alterações que ocorrem nesta fase etária”.
Educação sexual como disciplina
Pedro Capingano disse que as igrejas têm aconselhado a prestar maior atenção ao problema da gravidez precoce. A educação sexual, como disciplina escolar, disse, vai ajudar muitos jovens a obter maior e melhor informação. “A escola tem um papel fundamental porque deve ensinar o adolescente a conhecer o seu corpo. Os programas de educação sexual transmitidos nas escolas desempenham um papel insubstituível, porque permitem o diálogo e a circulação de informação sobre a sexualidade, sem preconceitos, superando todas os tabus”, disse.
A madre Norma, do Centro Social de Saúde “Nossa Senhora das Graças” lembrou que, no passado, as estratégias de educação sexual incidiam na anatomia e fisiologia do sistema reprodutor, e em ensinar comportamentos típicos da vida familiar. A madre diz que, actualmente, a educação sexual deve abordar os problemas da sexualidade nos adolescentes.
Madre Norma aconselha aos encarregados de educação a conversarem com os adolescentes. “Façam perguntas, falem sobre o uso do contraceptivo. É importante que os jovens falem e sejam ouvidos”, disse a madre, que pediu ao Ministério da Educação para adoptar a disciplina de Educação Sexual, nos próximos anos lectivos.
“Gravidez na adolescência é sempre uma situação que motiva angústias e incertezas. Contudo, a adolescente demonstra a maior parte das vezes orgulho em ter o filho, pretendendo assim levar a gravidez até ao fim. Esta gravidez pode ser um marco de mudanças seus comportamentos e das suas atitudes”, afirma a madre Norma.
Fonte: http://jornaldeangola.sapo.ao/18/0/gravidez_na_adolescencia_uma_tragedia_oculta
Num artigo que fiz " Televonela é o crack na nossa sociedade" (http://cangue.blogspot.com/2008/01/telenovela-eh-o-crack-da-nossa.html) ja apontava essas consequências.
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