Referimo-nos especificamente à conferência de imprensa dada pelo Deputado Bornito de Sousa na passada 4.ª feira, dia 9 de Setembro, que visava esclarecer as declarações de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, o Eng.º José Eduardo dos Santos, e que em nossa modesta opinião, ao invés de as esclarecer, complicou-as.
Certamente que não o fez por falta de esclarecimento próprio, mas por manifesto interesse em complicar um tema que, não sendo simples, aquele senhor Deputado não pretende ver devidamente esclarecido. Na verdade, depois de simplificado o assunto e informados os angolanos devidamente sobre esta nova forma de eleição do Presidente da República e as suas implicações na forma como os Órgãos de Soberania se relacionam, provavelmente, não a aceitaríamos.
Se não vejamos:
Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, o Eng.º José Eduardo dos Santos, afirmou “durante a visita do seu homólogo sul-africano, Jacob Zuma,” que “o MPLA defende a eleição do Presidente da República por sufrágio universal directo e que a eleição, podia, depois ser formalizada no Parlamento,” à semelhança do que sucede na República da África do Sul.
Ora, já vimos anteriormente que o acima proposto em nada se assemelha ao sistema de eleição presidencial da África do Sul onde é o Parlamento que elege o Presidente da República depois das eleições legislativas.
A ratificação da eleição do Presidente da República é uma figura algo atípica e implica que o sufrágio seja indirecto e não directo como estatui a Lei Constitucional da República de Angola (Artigos 57.º, n.º 1, e 159.º, alínea d)).
Ora, o Senhor Deputado veio afirmar que existe uma perfeita sintonia entre o MPLA e o seu Presidente no que concerne à revisão constitucional (uma vez que é nosso entendimento que se trata de uma revisão constitucional e não do exercício de poder constituinte originário), nomeadamente no que concerne à forma de eleição do Presidente da República, afirmando que o MPLA tem um grupo de trabalho encarregue de elaborar uma “proposta adoptando o sistema presidencialista com processo de eleição directa do Presidente da República, admitindo a possibilidade de evolução no quadro dos debates e consensos constitucionais”.
Não vemos em que medida é que estas declarações são esclarecedoras, pois para além de não adiantarem muito mais ao anteriormente dito, não clarificam as declarações de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República. Com efeito, o nosso Presidente da República remeteu para o modelo de eleições Sul-Africano, que é um sistema de governo parlamentarista, onde o sufrágio é indirecto, e o Senhor Deputado vem agora falar em Sistema Presidencialista, com sufrágio directo. Ora, salvo melhor entendimento, não conseguimos obter grande esclarecimento destas declarações.
Afinal, pretende-se adoptar um modelo que é presidencialista, mas vamos buscar um modelo parlamentarista, e pretende-se adoptar um sufrágio directo como estatui a nossa Lei Constitucional, mas vamos adoptar um modelo de eleição do Presidente da República onde o sufrágio é indirecto.
Seria mais honesto da parte do Senhor Deputado se nos tivesse dito que iríamos adoptar um modelo de sistema de governo e uma forma de eleição do Presidente da República diametralmente oposta ao sistema de governo sul africano. Agora afirmar que é com base nesse modelo que estamos a reformular o nosso sistema de governo, para além de não ser nada esclarecedor, do ponto de vista da sociedade civil, demonstra claramente a intenção de criar a dúvida e a confusão quanto a esta matéria, já de si difícil de entender.
Mais adiante, disse o Senhor Deputado, na dita conferência de imprensa, que o modelo de eleição do Presidente da República agora proposto “não é novo, nem exclusivo da África do Sul”.
Sucede que, a forma de eleição do Presidente da República agora proposta não tem nada a ver com a forma de eleição do Presidente da República na África do Sul. E para os mais cépticos, aconselhamos vivamente a leitura da Constituição da República da África do Sul disponível no Internet no Portal do Governo daquele país.
Após a mencionada leitura resultará claro que o proposto pelo MPLA propõe é um sistema sui generis, que não tem semelhança com o sistema de governo Sul Africano ou com a forma de eleição do Presidente da República daquele país, a não ser o facto de não existirem eleições presidenciais autónomas.
Que é, a nosso ver, o que esta proposta do MPLA pretende, i.e. eliminar as eleições presidenciais tal como elas estão constitucionalmente configuradas actualmente, misturando-as/confundindo-as com as eleições legislativas.
Mais se diga, que o modelo de eleição do Presidente da República agora proposto pelo Senhor Deputado determina que o mesmo é eleito directamente nas eleições parlamentares como cabeça-de-lista, o que nada tem a ver com o modelo sul-africano, onde o Presidente da República é eleito pelo Parlamento, de entre os seus pares eleitos.
Pelo que, ao não existir uma ratificação ou formalização, como decidiu chamá-la, da eleição do Presidente da República pela Assembleia Nacional, as semelhanças entre o modelo sul-africano e o agora proposto são inexistentes.
O modelo proposto pelo MPLA é sui generis. Portanto, quando o Senhor Deputado afirma que o modelo “não é novo, nem exclusivo da África do Sul” e “muitas vezes assistem-se a críticas quando se diz que se está a seguir modelos europeus em vez de africanos. Agora que se está a sugerir um modelo africano, surgem reacções contra”, fala mentira, engana os menos cultos, engana os eleitores. E fá-lo com um objectivo muito próprio, o modelo proposto é uma criação muito própria, elaborada à medida e para satisfazer os interesses daqueles que querem adiar as eleições presidenciais e conferir poderes quase que absolutos ao Presidente da República.
Por outro lado, comparar o modelo de eleição do Presidente da República à forma de eleição do Presidente dos órgãos deliberativos ou executivos das autarquias locais, não só é um grande desprestígio para as eleições presidenciais, como não equaciona com cautela adequada a alteração da forma de relacionamento dos diferentes órgãos de soberania, misturando eleições legislativas, com eleições presidenciais, ou melhor, eliminando por completo as eleições presidenciais.
No que concerne às candidaturas independentes e à justificação dada pelo Ilustre Deputado, é falso o argumento utilizado, pois todos sabemos que nunca existirá um independente que vá ser o futuro Presidente da República, pois nenhum partido vai colocar um independente como cabeça-de-lista, muito menos o irá fazer o MPLA, com tantas facções e interesses internos. O que, de resto, o senhor Deputado tão bem conhece e sabe.
Quando à eleição retroactiva de José Eduardo dos Santos (que consistiria em “utilizar a legitimidade das eleições de 2008 para, por via parlamentar e de forma retroactiva, eleger por sufrágio indirecto o Presidente da República”) comentada pelo Ilustre Deputado, a mesma é um absurdo e um erro jurídico grosseiro, constituindo uma verdadeira Fraude à Constituição, utilizando a expressão de Jorge Miranda, ou melhor, acrescentamos, que seria uma Gigantesca Fraude à Constituição.
No que concerne ao apelo ao debate sereno proposto pelo Ilustre Deputado, os angolanos deveriam apelar ao debate honesto, que não viesse encapotar uma forma de eleição do Presidente da República que altere a forma de relacionamento dos diversos Órgãos de Soberania, que implique a eliminação da figura do Primeiro-Ministro e dos Vice-Ministros, e que faça com que o Presidente da República e o Executivo sejam uma só força política. Circunstância que não contribui para o pluralismo político, nem para a democracia.
É, ainda, necessário explicar ao povo angolano que se está a elaborar uma Constituição à imagem de S. Exa., o Senhor Presidente da República José Eduardo dos Santos, cujo poder de facto que detém no país resulta de circunstâncias históricas e da sua vincada personalidade que unificou todos os angolanos e que equilibra as diversas facções do MPLA, para com isso atribuir excesso de poder ao seu sucessor, não de forma factual como sucede actualmente, mas de forma constitucional.
Concluímos esta nossa divagação em jeito de comentário à notícia publicada no Jornal de Angola, a 10 de Setembro, sendo certo que poderíamos continuar ciclicamente a comentar esta suposta clarificação que, em boa verdade, serve para confundir o povo.
Não resistimos, no entanto, a comentar a seguinte afirmação do Ilustre Deputado Bornito de Sousa e que consta da edição do Novo Jornal de 11 de Setembro de 2009 que diz: “Trata-se de um modelo no qual se elege no âmbito da eleição parlamentar o Chefe de Governo, tal como acontece nas democracias parlamentares da Grã-Bretanha, Portugal, Alemanha, etc.”
Afirmar que Portugal é uma democracia parlamentar como se o regime fosse parlamentarista como o Britânico, é tão válido como afirmar que Portugal é uma monarquia constitucional e que D. Duarte Pio de Bragança é o Rei de Portugal.
Que o Senhor Deputado tenha a árdua missão de convencer o povo angolano da bondade da solução proposta pelo MPLA todos entendemos, mas tem de o fazer com honestidade intelectual, não misturando os assuntos, dizendo e desdizendo, aproveitando a falta de cultura do povo para fazer valer mais uma vez os interesses daqueles que governam.
É preciso ter cautela que o povo não é tão tonto como o Senhor Deputado o quer fazer parecer e pouco a pouco vai, com a graça de deus, abrindo os olhos e tornar-se mais esclarecido. E não se esqueça, senhor Deputado, que é esse povo que agora confunde e baralha, que vai votar. E será que no MPLA?
Amigos de Angola
Fonte: http://www.angola24horas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1208&catid=1208
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