Por Filipe Zau *
Gerald J. Bender, no seu livro Angola sob Domínio Português – Mito e Realidade, afirma que, tanto o reino do Benin, como o reino do Congo, eram, em muitos aspectos, semelhantes ao pequeno reino de Portugal, cuja população rondava um milhão de habitantes. Em outros aspectos, tais como, o grau de centralização, controlo político, manufactura de vestuário e artefactos, talvez pudessem ultrapassar o reino de Portugal medievo. Por estas razões, as primeiras iniciativas diplomáticas de Portugal, junto destes dois reinos africanos, se caracterizaram pelo respeito mútuo e não, inicialmente, pelo espírito de conquista. Contudo, o reino africano mais apreciado pela coroa portuguesa era o do Congo.
No decurso da primeira viagem de Diogo Cão à foz do rio Congo, quatro dos seus homens ficaram, em Mbanza Kongo, na corte do manicongo Nzinga-a-Nkuvu, filho de Enku-a-Mutinu, segundo Eduardo dos Santos, o quinto monarca do Congo. Este sugeriu ao navegador português que, por sua vez, levasse para Lisboa quatro congueses. Um gesto que foi politicamente aproveitado por D. João II, que decidiu receber os africanos com a mais requintada hospitalidade real, “incluindo o melhor alimento, vestuário, alojamento, educação e, naturalmente, religião”, como forma de impressionar o manicongo. Complementarmente, os quatro portugueses, que, durante dois anos, ficaram em Mbanza Congo, acabaram por receber tratamento recíproco. “Assim Portugal e Congo puderam observar-se mutuamente no próprio seio dos respectivos reinos. Visivelmente impressionados pelos relatos dos seus emissários durante os primeiros dez anos de contacto, os dois reis trocaram embaixadores e presentes”.
O fracasso diplomático junto do reino do Benin
Em Os Negros em Portugal – Uma Presença Silenciosa de Luís Ramos Tinhorão, colhemos a informação de que, nesta mesma época, João Afonso de Aveiro levou da costa da Mina uma embaixada do rei do Benin, “senhor de huma bem dilatada província, copiosíssima de gente, a qual tem seu sítio entre terras que visinham com o castelo da Mina e o grande reino do Congo”. Porém, apesar das “várias mercês que lhe fez [o rei de Portugal ao embaixador africano], despachando-o juntamente com bons presentes para o “seo Rey”, este senhor do Benin, não se deixou impressionar. “D. João II mandou, em 1487, à região da Gâmbia e Senegal uma missão ao senhor dos jolofos, Bemey ou Beomi, e que lá chegou exactamente na época em que este era deposto por um irmão. Acolhido pelos portugueses na hora do infortúnio político, o rei Beomi foi levado a Portugal com 25 outros ‘homens todos da melhor nobreza da sua terra’, sendo recebido com muitas honras por D. João II, que, espertamente, idealizou, devolvê-lo ao Poder em troca de aliança, que permitisse a construção de uma fortaleza na boca do rio Çanaga ou Senegal. E a ideia, aliás, só não se concretizou porque, durante a viagem de volta, o capitão-mor da armada, Pedro Vaz da Cunha, suspeitando de próxima traição por parte de Beomi, o matou a punhaladas, fazendo fracassar a missão”. Foi na sequência deste revés, no reino do Benin, que D. João II procurou evitar, que o mesmo viesse a acontecer no reino do Congo.
Decidiu então que os nobres congueses, já cristianizados, que se encontravam em Portugal, regressassem a África acompanhados de uma grande embaixada. Logo, segundo o testemunho de Garcia de Resende, na Crónica de D. João II e Miscelânea, o soberano português tratou de mandar “(…) preparar uma armada, composta por três navios, que largou do Tejo, a 19 de Dezembro de 1490. Nela seguiam missionários, artífices e instrumentos religiosos, como: retábulos, paramentos, sinos, pedras de ara, cálices, missais, esculturas, etc.” Depois da chegada da armada ao porto de Mpinda, a 29 de Março de 1491, se dava início à cooperação efectiva entre o reino do Congo e reino de Portugal, com a consagração do baptismo do manicongo Nzinga-a-Nkuvu, a 3 de Maio de 1491, com o nome de João e de sua esposa Mani Mombada, a 4 de Junho desse mesmo ano, com o nome de Leonor, dia em que também foi benzida a primeira pedra para a construção da igreja em Mbanza Congo, dedicada a Santa Cruz. Depois do baptismo, o manicongo partiu para Nsundi para combater revoltosos.
Este tipo de proselitismo religioso permaneceu com D. Manuel, rei de Portugal, que sucedera a D. João II e, também, com D. Afonso (Mbemba-a-Nzinga), rei do Congo, que sucedera ao manicongo D. João. Em 1508, D. Afonso enviou a Portugal uma embaixada, da qual faziam parte, seu irmão D. Manuel e seu primo D. Pedro, este com o propósito de trazer para Mbanza Congo o modelo de organização do reino português.
Data de 1512, uma das primeiras cartas do manicongo Mbemba-a-Nzinga (D. Afonso I do Congo) esta dirigida ao Papa, informando-o da sua conversão ao cristianismo e o seu combate contra as idolatrias. Eis o seu teor:
“Santíssimo em Cristo Pai. Beatíssimo Senhor, senhor nosso Júlio segundo, pela divina Providência Sumo Pontífice. Vosso devotíssimo filho D. Afonso pela graça de Deus rei de Manicongo, e senhor dos Ambundos, Guiné, manda beijar vossos beatíssimos pés com muita devoção. Bem cremos, Beatíssimo Pai, que tem vossa Santidade entendido como ele-Rei D. João de Portugal, segundo no nome, no começo, e logo após ele o católico Rei D. Manuel seu sucessor, com muita despesa, trabalhos, e indústria mandaram a estas terras pessoas religiosas, com a doutrina dos quais (sendo nós enganados pelo demónio, adorando ídolos) nos apartamos divinalmente de tamanho erro, e tamanho cativeiro, e de como reduzidos à Fé de nosso Senhor, e salvador Jesus Cristo tomando a água do santo baptismo, limpando-nos com ela da lepra, de que éramos cheios, apartando-nos dos errores gentílicos, que até então usáramos, lançando de nós todas as abusões diabólicas de Satanás, e seus enganos, de todo nosso coração, e vontade recebemos milagrosamente a Fé de nosso Senhor Jesus Cristo. Pela qual depois de sermos doutrinados e ensinados nela, sabendo nós que era costume dos Reis Cristãos mandarem obediência a vossa beatitude, como a verdadeiro Vigário de Jesus Cristo, e pastor de suas ovelhas, querendo nós como é razão nesta parte imitar em tão divino, e sagrado costume (na companhia e número dos quais o todo poderoso e misericordioso Senhor Deus, por sua clemência nos quis ajuntar, e unir para seguirmos a sua santa companhia, e católicos costumes) mandamos a vossa santidade nossos embaixadores, para lhe de nossa parte darem a acostumada, e devida obediência, como os outros Reis Cristãos fazem. Dos quais embaixadores, um é o meu muito amado e prezado filho D. Henrique, o qual el-Rei D. Manuel de Portugal, meu muito amado irmão em seus reinos mandou enviar, e instruir na sagrada escritura, e costumes da Fé católica, o outro é D. Pedro de Sousa, meu muito amando primo, aos quais, além de vós por eles ser dada nossa obediência, dissemos algumas coisas que de nossa parte diram a vossa beatitude, as quais lhe pedimos muito humildemente que ouça, e receba deles, e lhes dê tanta fé como se por nós mesmo fossem ditos diante de vossa beatitude, a qual Deus por sua misericórdia queira conservar em seu santo serviço.
Dada em a nossa cidade de Manicongo, no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1512.” [Damião de Góis, Crónica de D. Manuel, Part. III, Cap.39, Univ. Coimbra, Coimbra]. Contudo, julgamos não ser credível, que a Guiné alguma vez tenha estado sob jurisdição do reino do Congo.
De acordo com a Breve Cronologia da História de Angola – 1489-1706, de Adriano Parreira, D. Henrique, filho do ntotela Afonso I, Mbemba-a-Nzinga, nasceu na província de Nsundi e, em Lisboa, passou a estar ligado à Congregação de São João Envangelista do Espírito Santo e, desde 1515, a residir no mosteiro de Santo Eloi. Partiu, posteriormente, para Roma, tendo, no dia 3 de Maio de 1518, recebido do Papa Leão X o título de bispo Uticense. Posteriormente, sempre acompanhado do seu parente Pedro de Sousa, voltou a Lisboa. Regressou ao reino do Kongo e, em 1521, voltou a Portugal e também a Roma, em 1523. Em 1526 detinha o título de senhor de Mpangu vindo a falecer antes de Março de 1639.
* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais
Fonte: http://jornaldeangola.sapo.ao/17/0/o_inicio_da_evangelizacao_do_reino_do_congo
09 de Novembro, 2010
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