Diz-se que o presidente José Eduardo dos Santos vai abandonar a presidência dentro de dois anos, por altura das próximas eleições, se forem realizadas nessa altura.
A ser verdade, há 24 meses pela frente de combate contra alguns dos problemas reconhecidos e tornados desafios pelo próprio presidente.
Parece-nos pacífico que os ambiciosos programas económicos e sociais – como a construção de casas e o aumento da produção agrícola – se estendam por mais tempo. Os problemas maiores colocam-se quando falamos de dificuldades criadas por má gestão, por deficiente controlo ou por ausência de responsabilização. Muitos dos vícios da governação nada têm a ver com a guerra ou com problemas estruturais do país. Estão relacionados com o desempenho humano. Falamos da corrupção, dos grupos minoritários que dominam a economia nacional, da pouca atenção aos quadros nacionais e da falta de ética dos políticos. Nos últimos três meses, o presidente lançou um repto nacional para o combate a esses graves males do nosso sistema político.
Qualquer cidadão sensato e intelectualmente honesto tem de reconhecer que JES prestou bons e maus serviços à nação e que algumas das suas acções ficarão na história do país. No entanto, todo o ser humano tende a lembrar-se e a reter apenas os factos mais recentes. Como muitos outros, nós também temos hoje imensa dificuldade em nos lembrarmos das coisas boas que, certamente, terão acontecido em 1980 ou nos anos seguintes. Parece-nos mais concreto lembrar momentos como a paz de 2002, a participação de JES na reunião do G8 ou a realização do CAN.
A manter-se no poder, JES tende a ser visto pelas obras dos seus últimos anos o que, a ser assim, faz com que entremos num período interessante da história de Angola e na de um indivíduo que dirigiu o país por mais de 30 anos e está agora apostado em deixar um legado. A sociedade divide-se quanto às razões que levam o presidente JES a continuar no poder. Seja quais forem, quando mais tempo ficar mais a avaliação do seu legado se irá circunscrever aos últimos anos. Dito de outro modo: quanto mais tempo permanecer no poder mais distantes ficarão os trunfos do passado. O presidente decidiu ficar mais tempo. Em princípio 2 anos. Mudou-se a constituição para isso; fez-se um congresso para ratificar as suas estratégias e agora saiu um governo ajustado a essas estratégias. No que toca a condições institucionais, tudo foi feito para estar conforme com a vontade do presidente. JES teve um respaldo partidário de tal ordem que hoje já há gente séria e renomada disposta a jurar pela honra das mães que o presidencialismo-parlamentar já estava previsto no manifesto de 1956! Ao presidente nada faltou. Tem agora a sua constituição, um voto secreto de 97% do seu partido, e tem o seu governo.
Nos anos que tem pela frente o presidente vai ter de enfrentar os desafios que ele próprio apresentou à sociedade, nomeadamente o combate à corrupção, a moralização da sociedade, a dignificação da classe política e o combate contra a injustiça social.
Houve tempos em que o governo, o MPLA ou ambos eram vítimas de críticas públicas por parte do próprio presidente. Nos dias de hoje o governo ‹‹não›› existe. O governo, vice-presidente incluído, é um mero gabinete auxiliar do presidente. Os ministros respondem politica e funcionalmente ao presidente e só a ele. São meros auxiliares. Assim, acabam-se os meios-termos. A responsabilidade politica - tanto da condução do governo como do desempenho de cada ministro - é inteiramente do presidente José Eduardo dos Santos. Não há mais ministros ou governo para criticar publicamente. Com isso, acabaram-se também os bodes expiatórios. Só não haverá moralização se o presidente permitir que assim seja.
A nova situação implica, obviamente, um desgaste directo da imagem do chefe de Estado, que sempre mandou em tudo, é verdade, mas sempre houve também um conjunto de amortecedores antes da sua responsabilização directa. Neste governo, com esta constituição e com todos os poderes, só há uma direcção para onde apontar o dedo - e isso para o sucesso e para o insucesso. Não podemos pôr de parte a possibilidade de o presidente ser bem sucedido e termos a viragem que todos queremos. Tem poderes formais para isso.
A primeira prova de fogo a que o presidente se submeteu foi a apresentação da nova estrutura e da nova equipa governamental. Infelizmente, não se pode dizer que o presidente tenha tido boa nota. O sentimento geral voltou a ser o da montanha que pariu um rato. A estrutura continua a ser pesada e onerosa. Não é tão reduzida como ele próprio sugeriu. A manutenção de algumas pessoas indicia condicionalismos graves de cariz político, étnico ou outros, reforçando a velha ideia existente de que é com os cargos governamentais que se fazem as compensações da negociação e da fidelidade política. Na verdade, todos sabiam que não havia condições para muito diferente. Então que não se prometesse nenhuma redução e continuaríamos todos calados e bons amigos.
O mesmo acontece com a corrupção. Olhando para quem são os grupos económicos poderosos, para a sua influência e para o poder na sombra que eles efectivamente têm e representam, temos de concluir que neste momento não há condições para, seja quem for, empreender a tal de tolerância zero. Repetimos: seja de quem for. O mar de interesses que se cruzam é tão grande e de tal forma delicado, incluindo de ordem familiar e de grupo, que, isso sim, poria em causa a estabilidade. Também dificilmente se conseguirão mudar um conjunto de comportamentos instalados, como uma actividade de serviço público, a credibilização do saber técnico e a aposta nos quadros nacionais. A mentalidade pró-cooperantes e o deslumbramento geral com o que vem de fora não vão mudar. Pelo menos tão cedo. Não acreditamos que o presidente ainda tenha jovialidade, paciência e objectivamente condições conjunturais para empreender uma revolução profunda nesses três eixos. É disso mesmo que se precisa, uma profunda revolução.
Daqui a dois anos vamos fazer contas e veremos se foi ganha ou não a tolerância zero, a luta contra a corrupção passiva e activa, o privilégio a minorias e a lógica grupista que se instalou na nossa economia.
Agora nesta recta final, se for mesmo recta final, começa uma luta contra o tempo e contra a história. Qual é o legado que JES nos vai deixar? Em 2012, se for nessa altura, a paz e outras coisas do passado não representarão já muito na apreciação dos votantes ou dos maiores de idade. Quem naquela altura fizer 18 anos tinha 10 em 2002. Qual é o legado que JES vai deixar? Já não existe a desculpa de que não sabia de nada. Ou de ministros que, supostamente, não cumpriam à risca as orientações do líder. O governo é o presidente. Ele põe e dispõe como entender. O desempenho e eficácia do governo será aquela que o presidente entender ou for capaz de dar. Não há, sequer, a ideia de que o MPLA possa criar entraves. JES tem os poderes que quis e as cartas brancas todas e mais algumas.
Portanto, senhor presidente, boa sorte. Se Deus quiser, cá estaremos nós para ver o resultado daqui a dois anos, se não for mais.■
SA - Edição 353 · Ano VII, 2010
0 comentários:
Postar um comentário