Recensão de uma entrevista à LAC
Maria Eugénia faz revelações marcantes sobre a vida de Neto
A semana que agora finda foi marcada pela evocação da morte e nascimento do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto. Com essa efeméride como pano de fundo, o programa «Café da manhã», da Luanda Antena Comercial (LAC), convidou Maria Eugénia Neto para uma abordagem da vida de Neto que acabou por derivar para outras questões não menos importantes relacionadas com a trajectória do MPLA. E que revelações!
Falando sobre o modo como Agostinho Neto lidava com as contradições internas do partido e, principalmente, sobre o afastamento de outros políticos, em episódios como os Revolta Activa, Maria Eugénia Neto negou qualquer motivação deliberada de afastar adversários por parte de Neto. E acha até desonesta a forma como certos sectores do próprio MPLA apoiam tal ideia.
«Acho isso uma grande desonestidade da parte deles. Eles afastaram-se porque as coisas eram difíceis. E quando o comboio chegou eles queriam a parte do leão», afirmou a viúva de Agostinho Neto, acentuando que foi um aproveitamento que os membros da Revolta Activa pretendiam fazer já que abandonaram Neto nos momentos difíceis e depois queriam os louros. «Acho que eles se portaram muito mal porque os problemas discutem-se dentro do movimento e eles o deixaram sozinho com toda a luta armada. Quando eles souberam que as coisas estavam próximas fizeram a revolta activa, fez-se a revolta de leste, fez-se isso tudo. Agora descobre- se que Kaunda era da CIA. Há um livro que o Kissinger escreveu que diz exactamente isso. E sabe-se também que o Chipendaera da PIDE e assim se justifica muita coisa».
Ainda relativamente à Revolta Activa, Eugénia Neto refere-se aos seus membros como homens que agiram de maneira injusta e criminosa. Para tanto, ela socorre-se do canal televisivo português «RTP-Memórias», afirmando que o mesmo tem passado, ou passou, muito conteúdo relacionado com esse episódio da história do MPLA.
Para demonstrar que Agostinho Neto, naquela altura, estava mesmo sozinho, Eugénia Neto arrola os acordos que Jonas Savimbi teria alegadamente feito com o general português Bettencourt com o propósito de abater o líder do MPLA. «Ainda noutro dia quando eu estava em Portugal, vi o homem que fez os acordos com Savimbi, o General Bettencourt, dizer que o único objectivo era abater o Neto. Os outros eram vendidos. Agora as coisas estão a vir à tona, e vão vir mais».
Eugénia Neto abordava sem rodeio sobre estas e outras situações que ela considerou desonrosas para aqueles nacionalistas e intelectuais. Mas foi quando falava sobre a geração seguinte que o discurso se tornou mais cáustico. «Depois é que vêm esses nossos. Uma garotada – não tem outro nome – que se meteram armados em líderes e não teve respeito por aquilo que os outros tinham passado na guerrilha. Pode ser que os guerrilheiros não lhes tivessem dado a importância que eles julgaram que mereciam, mas isso não justifica eles venderem-se à União Soviética e a outras forças, os portugueses incluídos.» ■
Fuga de Portugal e o racismo entre os guerrilheiros
Não se podia abordar Neto sem se fazer história. Aliás, falar de Agostinho Neto hoje é falar da história de um homem e de um país quase em simultâneo. Foi isso que Maria Eugénia Neto fez durante a longa entrevista concedida à LAC.
A viúva de Agostinho Neto conta que antes de chegarem a Kinshasa passaram por Marrocos onde foram recebidos por Mário Pinto de Andrade, que na altura era o presidente do MPLA, e por representantes do partido local que apoiava o movimento angolano. Depois de um mês partem para Kinshasa.
Mais perto de Angola, Neto e sua família ficam expostos ao perigo. Foi em Kinshasa que Eugénia Neto ficou grávida de Leda, a última filha, e havia uma fome muito grande. Segundo ela, quase nada havia nada para comer e o pouco que conseguiam era através de umas raparigas cabo-verdianas casadas com angolanos, as quais, infiltrando-se entre os portugueses que tinham supermercados, conseguia algum alimento. «Quando eu ia às compras ficava sempre com medo de que me iam matar. O ambiente era de terror lá em Kinshasa», diz.
Maria Eugénia admitiu ter havido muito racismo entre os guerrilheiros. Ela conta que «o povo chegava a Kinshasa já esbaforido devido aos ataques bárbaros» que a FNLA fazia, matando, indiscriminadamente, brancos e pretos.
«Chegaram a matar perto de 5 mil bailundos que trabalhavam nas roças. No caminho, a FNLA mandava as mulheres matarem os filhos que fossem mestiços», conta Eugénia Neto, para quem havia um racismo em relação aos mestiços que chegava a ser pior em relação aos brancos.
«Foi dessa gente que fugiu que saiu muitos desses dirigentes que na altura o presidente Neto começou a congregar, a politizar e a educar». ■
Morte do primeiro presidente continua a ser um enigma«O PRESIDENTE NETO ESTAVA DOENTE, MAS AS DOENÇAS TAMBÉM PODEM SER PASSADAS E AÍ EU NÃO SEI», DIZ EUGÉNIA NETO
Maria Eugenia não esclareceu exactamente se Neto foi assassinado como alguns advogam. A esposa do primeiro presidente de Angola disse apenas, enigmaticamente, que o marido estava efectivamente doente, deixando a hipótese de assassinato a flutuar. «O presidente Neto estava doente, mas as doenças também podem ser passadas e aí eu não sei», disse.
Eugénia Neto revelou que não resultou de vontade própria de Agostinho Neto a evacuação para a União Soviética. Segundo ela, a URSS não estava interessada em que uma personalidade como Neto ascendesse ao poder e, num período crítico, deixou de apoiar Angola.
«A ideia de fazer o tratamento na união soviética não era de Agostinho Neto. Ele não quis. Eduardo dos Santos, médico, mandou-me sair do quarto para eu não influenciar. E no fim de uma hora ele disse: “ufh, consegui!” E Neto dizia: “Eduardo não me leve para a União Soviética. Pode estar aí muita coisa”».
Questionada sobre se a possibilidade de Agostinho Neto fazer o tratamento em Cuba mudaria alguma coisa, Maria Eugenia diz: «Talvez. Porque um país quando tem um exército armado estrangeiro dentro dele nunca é bom. Sempre pode controlar tudo, mas às vezes as armas falam mais alto. Mas estava-se à espera de uma médica especialista em fígado que nunca chegou».
A viúva do primeiro presidente de Angola lamenta ainda o facto de nem os filhos terem sido avisados da morte do pai. «Não houve ninguém que foi lá avisar os filhos.
E ao longo desses anos eu tenho ficado com este peso. Ele é filho da pátria, ele deixou os seus filhos para educar esses homens que estão no poder. Educou-lhes, deu-lhes bolsas, deu-lhes dinheiro, deu-lhes poder e nós não temos nada. Eu estava lá junto com a minha cunhada que está numa conferência. E eu queria ver o meu marido porque depois o trouxeram para um quarto junto do nosso, mas Eduardo dos Santos não me deixou. E às duas horas da manhã chamam-nos e quando chegamos Agostinho Neto já estava morto». ■
Sobre o 27 de Maio
Agostinho Neto terá dito:
«Até tu, monstro Imortal?!»
De acordo com o relato de Eugénia Neto, Monstro Imortal, mítico comandante das FAPLA morto no decurso dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, tinha sido criado em casa dos pais de Agostinho. «Foi traidor duas, ou três vezes. Neto confiou nele e o mandou para a primeira região. Eles não mereceram isso, foram esses da primeira região que se portaram mal.»
«Neto mandou, não sei quantos grupos. Uns dos que chegou com sucesso que foi o do Monstro e depois o do Ingo. Chegaram só vinte e tal porque [os restantes] se perderam no caminho. Neto fez tudo que pode pela primeira região, agora, eles lá começaram a ficar com poder sem serem controlados pela direcção do movimento e começaram a fazer asneiras», contou Eugénia Neto.
«Eu quando fui a Cabo Verde estava lá o nosso embaixador Kiluanje e eu disse: “Oh, camarada Kiluanje! Como é que vocês arranjam essa brincadeira desse fraccionismo? O que foi que fizeram que não queriam que a direcção soubesse? Porque que vocês mataram o Casimiro? Disse em resposta: ele começou a trocar com o povo galinha por lápis. Então, ele tinha fome e o povo recebia a instrução. Mesmo que não estivesse certo, eles tinham que chamar atenção. Não é matar uma pessoa porque esteve a trocar lápis por galinha. Foi desculpa, eles estavam a sentir-se donos absolutos. Fizeram caça às bruxas e a tal primeira região estava já toda desbaratada. Por isso é que o camarada presidente queria reforçar», continua a relatar Eugénia Neto.
«Os outros que saíam de lá e iam pedir coisas a Brazzaville faziam exigências que o MPLA não podia aceitar. Eles não se portaram nada bem e isso tem que se estudar um dia para eles não se armarem em vítima e grandes heróis.»
«Há aí muitos erros de muita gente porque o presidente Neto não estava a lutar contra os portugueses para pôr outro. Era aceitável ouvir conselhos mas é como ele disse: nós somos nós próprios. Vamos buscar os conselhos onde nós entendermos, vamos fazer o nosso socialismo em relação às condições que temos aqui e o grau de desenvolvimento do nosso povo. Mas depois teve que mudar as coisas quando viu que as coisas não estavam a ser assim e o país precisava de ir pra frente. E aí começou a desgraça.»
«Agostinho Neto não era conhecido como uma pessoa violenta, essas coisas fizeram sem ele saber. Eu disse isso na minha entrevista e ficaram todos chateados comigo. Eu perguntei-lhe:” estão aonde as listas?” E onde é que está o documento que ele mandou que dizia “ninguém liquida ninguém sem a minha assinatura?”» ■
Eugénia Neto dixit
«Eles não estavam interessados em que uma personalidade como Agostinho Neto ascendesse ao poder. E eu acho que eles não se deram conta exactamente da personalidade que era Agostinho Neto, nem do apoio popular que ele tinha aqui. Porque se eles tivessem acho que teriam jogado doutra maneira. A partir de certo momento eles (MPLA) cobraram a ajuda que deram só no fim. O MPLA teve momentos muito difíceis. Parece que só uma força divina sempre o amparou até chegar à meta.»
(Eugénia Neto fez este comentário em resposta à pergunta se também achava, tal como a opinião publica na época, que a União Soviética estaria por trás da morte de Neto. A resposta foi um «não sei» duvidoso.)
«Durante esses anos Neto nunca desfez a frente. Ele sempre conservou o MPLA. Durante todo processo da luta, ele nunca fez partido ao contrário da FRELIMO e do Amílcar que fizeram logo partido. E ele só fez aqui pressionado... Ele que era acusado de presidencialista manteve sempre a frente, ouviu sempre o que todos disseram, tinha todas as etnias no comité central, etc.» (A respeito de um Neto aglutinador.)
«O Presidente Neto nunca deixou pôr aqui bases. Sempre procurou estar no centro. Não apoiar nem uns nem outros. Quem éramos nós para tomar partido pela União Soviética ou pela China? Sempre seguiu a política dos não alinhados e foi isso que ele quis: levar Angola para o não-alinhamento.» (Referindo-se ao comportamento dos adeptos de Nito Alves, a quem chamou de «garotada».)
«Eles fazem isso por malandrice porque os filhos deles são mestiços. Canalhamente fazem isso. Neto nunca discriminou ninguém. Se ele em relação aos negros de todo o mundo, como descrevia na sua poesia, sacrificou-se aqui em Angola por causa dos negros da África do Sul, da Namíbia e do Zimbabué, como é que ele ia discriminar? São acusações dos bandidos.»(Sobre as acusações a respeito de um alegado favorecimento de Agostinho Neto aos mestiços dentro do MPLA.)
«Neto precisava dos intelectuais. Nãos os podia pôr de lado. Sabia que o país não podia ir para frente se não tivesse quadros. Esse é jogo de cintura que ele teve de fazer com uns e com outros, com uma série de etnias…» (Recusando acusações de que Neto se opunha aos intelectuais.) eugénia Neto dixit
«Os homens fazem sempre muitos erros e a desumanidade é que estraga tudo. O poder estraga tudo, as relações, tudo. É complicado para os que perdem.» (Referindo-se à morte de Neto.)
«O partido MPLA tem dado suficiente atenção à figura de Neto?» A pergunta que ficou em branco
Maria Eugénia Neto respondeu a todas as perguntas que lhe foram feitas no «Café da manhã» da LAC sem meias palavras. Menos uma em que não só recusou-se a falar como devolveu a mesma pergunta ao jornalista. A questão era: «O partido MPLA tem dado suficiente atenção à figura de Neto?» Revelando algum embaraço, Maria Eugénia recusou-se a responder, nem mesmo diante da insistência do hábil jornalista. «Vocês jornalistas, militantes e outros querem sempre que eu responda a isso. Respondam vocês!», disse ela. Para não ser mais incomodada, como parecia estar a ser pela insistência da pergunta ela, em meios a sorrisos disse:«É melhor não fazer essas perguntas». ■
Os últimos meses do Presidente Neto
Por Francisco J. da Cruz *
No princípio de 1978 Angola enfrentava grandes desafios nacionais, regionais e internacionais que preocupavam o Presidente Agostinho Neto. Meses antes, o seu regime enfrentara uma tentativa de golpe de estado cujas sequelas ainda se faziam sentir, mesmo depois da realização do I Congresso do Partido em Dezembro de 1977 em que esta organização política adoptou os princípios marxista-leninistas e passou a designar-se de MPLA - Partido do Trabalho. A insurreição da UNITA começava a ganhar terreno no planalto central não obstante as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) beneficiarem do apoio e da experiência de militares cubanos. Por outro lado, a economia nacional estava em crise, não respondia às medidas socialistas adoptadas pelo MPLA e a solução parecia passar nomeadamente pela introdução de empresas privadas e incentivos aos investimentos por parte de companhias multinacionais. Para Neto, era necessário garantir a segurança das fronteiras de Angola para estancar as actividades militares da FNLA no norte e da UNITA no sul, facto que passava por uma aproximação diplomática ao Zaíre e um maior envolvimento no processo de independência da Namíbia cujas negociações tinham entrado numa fase crítica com o Grupo de Contacto constituído por representantes dos cinco países ocidentais, três dos quais membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (EUA, França e Reino Unido), a Alemanha e o Canadá. Na aplicação desta estratégia, o presidente angolano começou a compreender as limitações do apoio soviético aos interesses angolanos e em que medida alguns dos desígnios de Moscovo na região até chegavam a ser diferentes dos de Luanda. No primeiro trimestre as FAPLA tinham registado algum sucesso numa ofensiva contra as forças da UNITA no sudeste de Angola para cortar as suas rotas de apoio logístico a partir da Namíbia. Milhares de angolanos atravessaram o rio Kavango para se refugiar em território namibiano enquanto as autoridades angolanas anunciavam a 28 de Março que Jonas Savimbi tinha sido forçado a abandonar a área numa operação que envolveu um helicóptero sul-africano que veio em seu auxílio.
No dia 1 de Maio, o Almirante Stansfield Turner, director da Agência Central de Inteligência americana (CIA), e o David Aaron, o adjunto do Conselheiro de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, contactaram o Senador Dick Clark para avaliarem a possibilidade da administração Carter providenciar apoio militar à UNITA. Clark, que foi o autor da emenda que efectivamente proibiu a ajuda sigilosa a Savimbi sem aprovação do Congresso, disse a ambos que a UNITA não era elegível para assistência americana. No dia 25 de Maio, o próprio Presidente Jimmy Carter negou ter conhecimento de qualquer plano americano para apoiar UNITA. No dia 13 de Maio, forças militares da Frente de Libertação Nacional do Congo (FNLC), constituído por antigos gendarmes catangueses opostos ao Presidente zairense Mobutu Sese Seko e baseados em território angolano, voltaram a atacar a região do Shaba, tendo tomado a cidade mineira de Kolwezi. Ao contrário da sua primeira invasão em Março de 1977, desta vez os rebeldes estavam bem treinados e organizados, tendo controlado rapidamente mais localidades perante a ineficácia do exército zairense. Porém, Mobutu solicitou o apoio dos seus aliados ocidentais e nos dias 16 e 17 de Maio pára-quedistas belgas e franceses foram lançados em Kolwezi para apoiar as tropas zairenses. No dia 19 de Maio a FNLC era forçada a regressar às suas bases em Angola.
Reconciliação com Mobutu
Desde a primeira invasão dos rebeldes zairenses, surgiram fortes indícios de que unidades militares angolanas teriam participado na chamada guerra do Shaba, em território zairense, ao lado da FNLC, facto refutado energicamente pelas autoridades angolanas. Numa declaração do Conselho da Revolução de 27 de Maio, o Presidente Neto negou veementemente qualquer cumplicidade nos ataques no Shaba. A 10 de Junho, numa comunicação radiofónica, ele não só voltou a desmentir o envolvimento angolano na invasão ao território zairense, mas também estendeu a mão à Mobutu ao afirmar que as boas relações entre Angola e o Zaire eram necessárias para a paz e desenvolvimento nesta parte de África. Na mesma altura, Neto enviou uma mensagem pessoal ao Presidente americano Jimmy Carter, através do Representante de Angola junto das Nações Unidas, Elísio de Figueiredo, na qual expressava o seu desejo em alcançar um ambiente de reconciliação e boa vizinhança com Zaire e manter melhores relações com Washington. Num discurso proferido a 20 de Junho, o Secretário de Estado Cyrus Vance dava indicações de uma certa mudança na postura política americana em relação ao regime de Luanda ao afirmar que Washington pretendia trabalhar ‹‹de forma mais normal›› com o governo de Angola.
Um dia depois chegava a Luanda o Representante Adjunto americano no Conselho de Segurança das Nações Unidas, Embaixador Donald McHenry, para discutir com as autoridades angolanas formas de melhorar as relações entre ambos os países afectadas pela presença cubana em Angola. O número dois e confidente do Embaixador americano nas Nações Unidas, Andrew Young, que desempenhava também as funções de Presidente do Grupo de Contacto para a questão da Namíbia, foi recebido pelo Primeiro-ministro Lopo do Nascimento nesta deslocação de três dias que não tinha sido sequer anunciada. O Presidente Agostinho Neto estaria interessado em obter não só o reconhecimento diplomático de Washington, mas também apoio financeiro americano e maior legitimidade internacional para o seu governo.
O Embaixador McHenry voltou a Luanda de 10 a 12 de Julho para novos contactos em cujas discussões chegaram a participar da parte angolana o próprio Presidente Neto e o Ministro da Defesa, Henrique ‹‹Iko›› Carreira, particularmente na questão das condições para a normalização das relações com o Zaire. Neto teria exigido três concessões da parte do seu homólogo zairense: a expulsão de Holden Roberto, líder da FNLA, do Zaíre e a desactivação da base de Kamina cujo aeroporto estava a ser usado para o abastecimento logístico da UNITA. A parte americana esperava de Angola um apoio mais activo às iniciativas do Grupo de Contacto para a solução da questão namibiana, cuja independência até fazia parte da estratégia angolana. Para Neto, a reconciliação com Mobutu poderia não só contribuir para o fim das operações militares das forças da FNLA no norte de Angola, mas também influenciar o reconhecimento do seu governo pelo ocidente, particularmente os Estados Unidos da América. Paradoxalmente existia, portanto, uma certa convergência de posições e interesses entre Luanda e Washington. Depois da visita de McHenry, os contactos entre as autoridades angolanas e zairenses evoluíram rapidamente, tendo as duas partes realizado uma reunião em Brazzaville, a 17 de Julho, para encontrarem uma base de entendimento e de concórdia. Três dias depois, durante a Cimeira da Organização da Unidade Africana (OUA) em Cartum, capital do Sudão, Neto e Mobutu encontravam-se secretamente para conversações organizadas pelo Presidente da Guiné Conacri, Seko Toure, com o apoio da Bélgica, antiga potência colonial do Zaíre. No dia 30 de Julho, ambos os governos anunciavam o estabelecimento das relações diplomáticas tendo como pilares a repatriação dos refugiados, a abertura do Caminho de Ferro de Benguela e a criação de uma Comissão de Controlo sob os auspícios da OUA para monitorar quaisquer movimentos militares ao longo da fronteira comum.
De 19 a 21 de Agosto o Presidente Neto realizou uma visita histórica a Kinshasa que ajudou a consolidar a confiança entre os dois líderes. Em 15 de Outubro, Mobutu deslocou-se a Luanda, tendo os dois chefes de Estado assinado um pacto de reconciliação para cessar com o apoio aos movimentos rebeldes nos seus respectivos países. Mobutu comprometeu-se a não permitir a realização de operações militares da FNLA a partir do território zairense enquanto Neto prometeu que não toleraria que a FNLC voltasse a invadir a província do Shaba usando Angola.
Mudanças Para os Desafios Nacionais
A 10 de Dezembro de 1978, no final de quatro dias de uma reunião do Comité Central, o Presidente Neto iniciou uma série de mudanças a nível do governo e do partido para aumentar a sua autoridade e poder, melhorar o balanço étnico, racial e ideológico nas várias estruturas de direcção do país e combater indícios de incompetência e corrupção. Agostinho Neto procedeu a uma remodelação do seu governo, tendo exonerado o Primeiro-ministro Lopo do Nascimento, o Primeiro Vice-primeiro- ministro José Eduardo dos Santos – entretanto nomeado posteriormente Ministro do Plano - e o Segundo Vice-primeiro-ministro Carlos Rocha Dilolwa. Neto aboliu estas posições, deixando de ter ‹‹intermediários›› e passando a lidar directamente com os membros do governo. Os ministros e vice ministros da Habitação, Construção e Comércio Interno foram também substituídos. Dentro dos esforços para reactivar uma economia cada vez mais em crise, o presidente angolano anunciou apoio aos empresários privados nas áreas da construção e transportes rodoviários. O afastamento do economista Dilolwa – que também era Ministro do Plano - na altura co-presidente da Comissão Angola-Cuba e considerado pró-soviético, levantou especulações em relação ao rumo político e às opções económicas que o presidente Neto pretendia a levar. Até porque além de deixar o governo, o antigo Segundo Vice-primeiro-ministro foi também excluído do Bureau Político e do Comité Central, ao contrário de Lopo do Nascimento que manteve o seu assento nesta última estrutura de direcção do MPLA-PT. Ambos tinham ascendido ao Bureau Político no primeiro congresso do partido realizado de 4 a 6 de Dezembro de 1977.
Apesar de ser muito próximo do Presidente, pesara sobre Dilolwa o facto de ter firmado, alegadamente sem a aprovação de Neto, um acordo com Cuba para o envio de mais seis mil técnicos para Angola. No caso de Lopo do Nascimento, ainda a 7 de Outubro tivera a responsabilidade de renegociar o Tratado de Amizade e Cooperação Angola-União Soviética. O afastamento de ambos veio reforçar a posição de Neto num sistema presidencial já considerado muito centralizado. O Presidente Agostinho Neto procedeu a mais mudanças dentro da sua estratégia para fazer face aos desafios políticos, económicos e sociais que o país enfrentava. Elevou os comissários provinciais (governadores) a nível ministerial, ao mesmo tempo que quase todos passaram a fazer parte do Comité Central. Henrique ‹‹Iko›› Carreira manteve a posição de Ministro da Defesa, enquanto Paulo Jorge viu o seu Ministério dos Negócios Estrangeiros reforçado pela Cooperação para incluir a assistência económica.
Outros membros do MPLA continuaram a sua ascensão militar e política, nomeadamente o representante nas negociações angolano-zairenses, Pascoal Luvualo, promovido a membro efectivo do Bureau Político com Evaristo Kimba, governador de Cabinda. O Bureau Político foi reorganizado para reflectir maior representatividade política, passando a ser constituído por Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, João Luís Neto ‹‹Xietu››, Lúcio Lara, Henrique ‹‹Iko›› Carreira, António França Ndalu, Pascoal Luvualo, Ambrósio Lukoki, Rodrigues João Lopes ‹‹Ludy››, Pedro Maria Tonha ‹‹Pedale›› e Evaristo Domingos ‹‹Kimba››. Estas medidas políticas foram acompanhadas de uma amnistia parcial que incluiu a saída da cadeia e o regresso do exílio de membros da Revolta Activa e a reintegração na sociedade angolana de certos quadros da FNLA.
Em meados de 1979, o Presidente Neto decidiu dissolver a Direcção de Informação e Segurança (DISA) cuja imagem ficara manchada pelos seus excessos na esteira da intentona de 27 de Maio de 1977, tendo demitido o seu director, Ludy Kissassunda e o seu adjunto, Henrique Santos ‹‹Onambwe››, no quadro de uma reorganização profunda dos serviços de inteligência.
Em Busca de Novas Relações Mantendo Velhos Aliados
No dia 17 de Março de 1979, o Presidente Agostinho Neto chegou a Havana, numa visita que não tinha sido anunciada, quando corriam rumores segundo os quais as relações entre Angola e Cuba estariam em crise. Nas suas intervenções, o Chefe de Estado angolano afirmou que as forças cubanas permaneceriam em Angola até ao fim da agressão sul africana, ao mesmo tempo que defendeu um incremento da cooperação entre ambos os países.
Entretanto o processo de desanuviamento entre Luanda e Washington continuava a dar alguns passos, embora tímidos. Assim é que o Secretário de Estado Assistente para os Assuntos Africanos, Richard M. Moose, declarou a 18 de Abril que embora os Estados Unidos da América não tivessem ainda reconhecido o Governo de Luanda, era possível ‹‹trabalhar construtivamente com os Angolanos em problemas de segurança regional››. Para ele, Angola desempenharia ‹‹um papel crucial›› na busca de uma solução para a independência da Namíbia.
A política externa do Presidente Agostinho Neto tinha como objectivo minimizar o apoio internacional da UNITA e do que ainda restava da FNLA e da FLEC, ao mesmo tempo estabelecer relações diplomáticas com um número cada vez maior de países por razões económicas e de segurança. Dentro desta sua estratégia, em certas ocasiões o Presidente Neto enviou a Washington como seu ‹‹emissário especial›› um amigo de longa data, Arménio Ferreira, médico radicado em Portugal que fora seu colega de escola e na Casa dos Estudantes do Império em Lisboa. Com este mandato, Arménio chegou a manter contactos com altos funcionários americanos envolvidos no ‹‹dossier Angola››, tais como Richard Moose e Donald McHenry e o próprio Conselheiro de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski. Os encontros mais relevantes tiveram lugar nos dias 29 de Julho e 9 e 16 de Agosto em que Arménio esteve reunido no Departamento de Estado e na Casa Branca para discutir a normalização das relações entre Luanda e Washington e a questão da independência da Namíbia. ■
Fim da Era Neto
No dia 10 de Setembro, o Presidente Agostinho Neto faleceu vítima de ‹‹prolongada doença››, em Moscovo, para onde se deslocara em visita oficial. Antes desta fatídica partida para a capital da União Soviética, Neto exarara um decreto que estipulava que ‹‹enquanto durar a minha ausência›› o Ministro do Plano, José Eduardo dos Santos, na altura um jovem de 37 anos, exerceria interinamente as funções de Chefe de Estado. Angola mergulhou numa verdadeira comoção nacional quando foi anunciada a morte de Neto. Até porque nas últimas semanas este visitara várias províncias e fizera intervenções públicas como se de uma derradeira digressão de despedida se tratasse. O Bureau Político do MPLA anunciou que o Comité Central tomaria uma decisão sobre o seu sucessor depois dos 45 dias de óbito.
Porém, no dia 20 de Setembro, ou seja, três dias depois do funeral, José Eduardo dos Santos era escolhido para dirigir os destinos do Partido, do Governo e das Forças Armadas. Nesse dia, o Comité Central anunciou também a promoção de outras figuras que teriamdesempenhado um papel activo nas iniciativas políticas e diplomáticas do falecido Presidente Agostinho Neto nos últimos dois anos da sua vida, incluindo a aproximação com o seu homólogo Mobutu Sese Seko, do Zaíre. Foram nomeadamente os casos de Alexandre Rodrigues ‹‹Kito››, um dos quatro oficiais mais graduados do exército nacional com a patente de Tenente Coronel, promovido a membro do Bureau Político, Paulo Jorge, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Roberto de Almeida, Ministro do Comércio Externo.
Na sua intervenção na cerimónia de tomada de posse como Presidente da República, no dia 21 de Setembro, José Eduardo dos Santos deu algumas indicações do que poderia ser a sua linha de orientação política - assente no que um dia, ainda enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros, chamou de ‹‹pragmatismo responsável›› - ao não agradecer explicitamente a União Soviética e Cuba pelo apoio providenciado ao MPLA e ao abster-se de criticar ou atacar abertamente quer os Estados Unidos da América, quer a UNITA. O sucessor de Neto deixou claro que sendo Angola um país em vias de desenvolvimento, não poderia resolver os seus problemas sem a ajuda da cooperação internacional. Neste contexto, reafirmou a legitimidade de todos os acordos, protocolos e outros instrumentos legais subscritos pelo Governo angolano que até essa altura estavam válidos, ao mesmo tempo que adiantou que Angola continuaria a manter relações diplomáticas com todos os países que respeitassem a sua soberania nacional. ■
* Analista Político diplomata de Carreira
Entrevista esclarecedora
Foi bastante esclarecedora a entrevista de Irene Neto ao Novo Jornal.
O raciocínio escorreito, a frontalidade, o profundo domínio das matérias não surpreenderam porque estes são já uma imagem de marca da médica, politica e escritora.
Interessantes foram as razões que ela revelou para a sua curta passagem pelo Ministério das Relações Exteriores. Num país em que a maior parte dos titulares de cargos públicos pensa que devem arrastar- se nos postos até lhes faltar a última gota de sangue, Irene permaneceu apenas 3 anos à testa do pelouro da Cooperação do Ministério das Relações Exteriores. Na entrevista, Irene Neto deixou quase claro que foi ‹‹empurrada›› porta fora porque alguém se indispunha por causa da sua ‹‹frontalidade, capacidade de argumentação e vontade de mudar››.
Mas são as novas gerações, nomeadamente aquelas que nasceram depois dos anos 80, que deverão estar muito agradecidas a Irene Neto. Na verdade, os jovens que não tiveram nenhum contacto com Agostinho ficam agora a dever à Irene Neto o facto de ficarem a saber que o primeiro Presidente da República Popular de Angola não era homem dado a cultivar unhas, ou seja, a ‹‹abarbatar›› património público para proveito pessoal e dos seus.
Agostinho Neto, segundo a filha, não ‹‹acumulou patrimónios nem privatizou haveres e activos do Estado para seu benefício ou para benefício dos seus filhos.››
A revelação (para os mais novos) é simultaneamente importante e intrigante. Ao aludir a pessoas que privatizam haveres e activos do Estado em proveito próprio, em que é que Irene Neto estaria a pensar? Por ventura estaria a referir-se à Movicel, privatizada, muito recentemente, não se sabe em proveito de quem? Ou Irene - que ao longo da entrevista mostrou que não tem memória curta – tinha a Nova Cimangola em mente?
Seja quais forem as respostas, a entrevista de Irene Neto ao Novo Jornal é um documento a guardar. Para que amanhã ninguém venha dizer que foi por falta de avisos que cometerem excessos... ■
Fonte: Semanário angolense, 334, 19 de Setembro de 2009.
Agostinho Neto, lutador sanguinário e a versão União Soviética
Terça, 08 Abril 2008 15:34
Russia - As relações entre Agostinho Neto, dirigente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e os dirigentes da União Soviética poucas vezes foram pacíficas. Os documentos dos arquivos soviéticos revelam que a desconfiança mútua era uma das principais razões para a conflitualidade entre as partes.
Isso é particularmente evidente nas vésperas do 25 de Abril de 1974, num período de crise que teve início em 1972 e só terminou em 1975, quando Angola adquiriu a independência.
Nos finais de 1972, Agostinho Neto assinou um acordo com Holden Roberto com vista à criação de uma frente unida do MPLA e da FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), onde Neto teria aceite ser o "número dois" da nova organização.
Esta notícia foi mal recebida em Moscovo. Piotr Evsiukov, funcionário do Departamento de Relações Internacionais do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), escreveu a propósito: "Esse passo desorientou completamente os partidários e membros do MPLA, bem como a nós."
Em Janeiro de 1973, Agostinho Neto chega a Moscovo, à frente de uma delegação do MPLA, para tentar convencer a direcção soviética de que esse acordo era "uma nova etapa para o movimento" e devia permitir ao MPLA chegar aos "centros vitalmente importantes do país", porque, até então, o caminho dos combatentes do MPLA era cortado pelas autoridades do Zaire, que apoiavam a FNLA. Neto sublinhou que, embora Holden Roberto chefiasse a nova frente, ele, enquanto vice-presidente, iria dirigir o secretariado, o fornecimento de víveres e armas, os assuntos militares, acrescentando que "o MPLA continuará a existir como organização, embora em união com a FNLA".
O dirigente do MPLA falou também de "comportamento estranho" de algumas pessoas que tentaram utilizar "o tribalismo e o regionalismo", o que revelava um aumento crescente da tensão no interior dessa organização. A posição soviética sobre todos esses problemas está bem patente num relatório elaborado, a 21 de Dezembro de 1973, pelo general Vladimir Kulikov, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da URSS, para o Comité Central do PCUS.
Depois de constatar que, "nos últimos tempos, o movimento de libertação nacional em Angola tem vindo a enfraquecer" e que "o principal partido combatente, o MPLA... atravessa uma séria crise", o general Kulikov aponta as causas dessa situação: "O facto de o presidente do MPLA, Neto, e a sua equipa ignorarem o problema nacional na formação dos órgãos dirigentes, a subvalorização do trabalho político-educativo e os métodos autoritários de direcção conduziram à agudização brusca das contradições tribais e à cisão no partido."
Vladimir Kulikov não tem dúvidas em apontar o dedo crítico a Agostinho Neto: "Em vez de esclarecer as causas da crise, Neto tentou esmagar à força o descontentamento crescente. Neto desconfiou sempre dos quadros preparados na URSS, que lhe poderiam prestar a ajuda indispensável, vendo neles condutores da influência soviética."
"Tendo anunciado, no início do ano corrente", continua o general soviético, "a existência de uma conjura no MPLA, Neto fuzilou os cinco mais activos adversários seus. Chipenda, considerado a segunda pessoa na direcção, foi acusado de estar envolvido na conjura e demitido de todos os cargos. Só a interferência das autoridades zambianas impediu Neto de o liquidar fisicamente."
As repressões descritas não surtiram o efeito esperado. Pelo contrário, fizeram aumentar o descontentamento entre os combatentes do MPLA. "Em Agosto do presente ano, revoltaram-se os combatentes dos principais acampamentos do MPLA no território da Zâmbia, que foram apoiados por parte dos destacamentos que se encontravam em Angola. Os revoltosos estabeleceram contactos com Chipenda e exigiram a convocação de uma conferência regional para eleger uma nova direcção. Neto recusou-se a satisfazer essa exigência e suspendeu os fornecimentos aos revoltosos", continua o general Kulikov. E acrescenta: "Isso levou à suspensão das acções armadas em Angola. Muitos combatentes foram obrigados a regressar à Zâmbia. O número de destacamentos militares do MPLA diminuiu de cinco mil para três mil homens. Os portugueses estabeleceram o controlo de uma série de regiões libertadas e tiveram a possibilidade de enviar parte das suas forças repressivas de Angola para a Guiné-Bissau."
Vladimir Kulikov volta a atirar para Agostinho Neto todas as culpas da situação lastimosa em que se encontra o MPLA: "Por insistência do Comité de Libertação da Organização de Unidade Africana e das autoridades da Zâmbia, foram criadas, em Novembro, comissões de reconciliação de seguidores de Neto e Chipenda. Contudo, elas não conseguiram resultados positivos até agora. Neto protela de todas as formas o trabalho das comissões."
O enfraquecimento do MPLA é acompanhado do reforço das posições da FNLA. "Com o apoio do Presidente Mobutu, formam-se no Zaire destacamentos militares da FNLA, cresce a actividade da Frente na política internacional. Actualmente, Holden encontra-se de visita à República Popular da China e, proximamente, tenciona visitar a Roménia", constata Kulikov, que conclui: "No momento actual, o MPLA praticamente não leva a cabo operações militares nem a partir do território da Zâmbia, nem a partir do território do Zaire."
A fim de resolver a crise, Kulikov propõe as seguintes medidas: "1) Encarregar os embaixadores soviéticos na Zâmbia e na República Popular do Congo de transmitir a Neto e a Chipenda a nossa preocupação face à actual situação no MPLA e chamar a sua atenção para a importância da adopção de medidas urgentes, a fim de superar a crise e recomeçar a luta de libertação. Lembrar-lhes que do estado da luta depende a ajuda que a União Soviética prestará ao MPLA; 2) Se for decidido convidar o Presidente do Zaire, Mobutu, a visitar a União Soviética, discutir com ele o problema das perspectivas da luta conjunta do MPLA e da FNLA em Angola no plano do estudo da necessidade de estabelecermos contactos com a organização da FNLA de Holden Roberto."
A 7 de Janeiro de 1974, R. Ulianovski, vice-chefe da Secção Internacional do Comité Central do PCUS, junta a esse documento outro, que constitui o resumo do primeiro, mas contém uma explicação das lutas tribais no MPLA: "O Movimento Popular de Libertação de Angola atravessa uma séria crise, provocada pela luta pelo poder na direcção e por contradições entre tribos." "O MPLA", continua Ulianovski, "dirige a luta armada de libertação nacional em Angola, que tinha lugar principalmente na Frente Oriental a partir do território da Zâmbia. A tribo umbundo constitui a massa fundamental de combatentes da frente. Porém, na direcção do partido há um único representante dessa tribo: Daniel Chipenda. Activistas do MPLA exigiram a realização de um congresso do partido para eleger uma direcção com representação proporcional das tribos. Agostinho Neto, presidente do MPLA, acusou D. Chipenda e os activistas umbundo de traição e excluiu-os do partido."
Depois de discutida a situação, o Comité Central do PCUS decidiu enviar um telegrama ao embaixador soviético, onde se lhe recomenda encontrar-se com Chipenda e Neto para superar a cisão no MPLA. E para que não fosse de mãos vazias, o CC do PCUS recomenda: "Informe que os pedidos do MPLA sobre a prestação de ajuda militar e material para o ano de 1973 foram satisfeitos. O material para o MPLA foi fornecido para a República Popular do Congo e a Tanzânia. Todavia, as contradições no MPLA dificultam a prestação de ajuda por parte de organizações soviéticas ao partido."
Fonte: darussia.blogspot.com
http://club-k-angola.com/index.php/preto-a-branco/1-agostinho-neto-lutador-sanguino-e-a-versunisovica.html
URSS recebeu bem a nomeação de José Eduardo dos Santos dirigente do MPLA e de Angola
A nomeação de José Eduardo dos Santos para os cargos de secretário-geral do MPLA e de Angola, em 1979, foi bem recebida na capital soviética, não só porque ele tinha estudado na URSS, mas também devido às relações tensas com o seu antecessor nesses cargos: Agostinho Neto.
As divergências entre Agostinho Neto eram antigas, tendo começado logo após o estabelecimento de relações entre eles. Em 1963, Nikita Khrutchov esteve perto de reconhecer Holden Roberto e a FNLA, não fora a pronta intervenção de Álvaro Cunhal, secretário-geral do Partido Comunista Português, que na altura se encontrava em Moscovo.
Em 1972, os dirigentes soviéticos recebem com descontentamento a notícia da aliança feita entre o MPLA e o FNLA, bem como, no ano seguinte, a notícia de que Agostinho Neto ordenou o fuzilamento de cinco dirigentes do MPLA, tendo Joaquim Chipenda escapado à morte devido à intervenção das autoridades zambianas.
As relações entre Agostinho Neto e a URSS não melhoraram também depois da proclamação da independência de Angola em Novembro de 1975.
O general soviético Vladimir Varennikov, que realizou duas missões de serviço em Angola (1982 e 1983), explica nas suas memórias, as razões do isolamento a que Agostinho Neto e o seu movimento chegaram em Outubro-Novembro de 1975: “Porque Neto e os seus correligionários estavam sentados em Luanda e ele não estava em condições de impor a mais elementar ordem na vida e actividade desta enorme capital e, depois, tentar, através dela, influir na província”.
Karen Brutentz recorda outro facto que ilustra os atritos graves entre a direcção soviética e Agostinho Neto. Na véspera do Congresso do MPLA, realizado em Dezembro de 1975, Moscovo enviou a Luanda funcionários comunistas para darem orientação ideológica aos camaradas angolanos, mas estes não lhes prestaram ouvidos.
“Os nossos consultores, que tinham sido enviados para Angola na véspera do congresso constituinte do MPLA, aconselhavam insistentemente a não formar um partido,
mas a apostar no “movimento”, na “frente”, o que permitiria atrair para as suas fileiras outras forças. Porém, Neto não lhes deu ouvidos.
As relações entre o dirigente angolano e o Kremlin deterioraram-se ainda mais durante o chamado “golpe de Nito Alves”, em Maio de 1977, tendo Agostinho Neto considerado que o “levantamento” tinha sido inspirado pela União Soviética.
“Fomos apanhados de surpresa por esses acontecimentos. Nito Alves tinha participado no Congresso do Partido Comunista da União Soviética, o que era um sinal de inteira confiança de Moscovo”, declarou à Lusa um tradutor militar russo que se encontrava em Luanda na altura.
As divergências entre o dirigente angolano e o Kremlin levaram mesmo alguns, nomeadamente a sua esposa, Eugénia Neto, a avançar a versão de que Agostinho Neto não teria falecido de morte natural na mesa de operações em Moscovo, mas alguns dos soviéticos que estiveram envolvidos nesse caso afirmaram à Lusa que foi um erro operar Neto, porque “já não havia nada a fazer”.
http://darussia.blogspot.com/2009/09/urss-recebeu-bem-nomeacao-de-jose.html
URSS quase apoiou FNLA e admitiu apostar em Savimbi
Lisboa - A ideia de que a União Soviética (URSS) sempre esteve de alma e coração com o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), que assumiu o poder após a independência, é falsa. No início dos anos 1960, Moscovo esteve prestes a reconhecer a rival FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), o que só não aconteceu devido à intervenção do líder comunista português, Álvaro Cunhal.
* João Manuel Rocha
Fonte: Publico
Livro revela: "Russos envolvidos na morte de Savimbi"
e "desconfiança mútua" entre Moscovo e Agostinho Neto
Já na época de Mikhail Gorbatchov, responsáveis de Moscovo viam com bons olhos Jonas Savimbi e a sua UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e o último líder soviético encorajou o diálogo que o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, estava disposto a iniciar com os adversários políticos. As novidades constam do livro Angola - O princípio do fim da União Soviética, de José Milhazes, editado pela Nova Vega e ontem lançado em Lisboa. Baseado em fontes russas, documentos, artigos e entrevistas, revela episódios inéditos e mostra que não havia unanimidade em Moscovo sobre a intervenção na ex-colónia portuguesa.
O quase reconhecimento da FNLA como "legítimo representante" angolano chegou a ser ordenado pelo então líder soviético Nikita Krutchov, em 1963. 0 episódio revela "a confusão que reinava em Moscovo em relação à sua política africana". Documentação citada indica que, paralelamente aos contactos com o MPLA, a espionagem soviética procurou estabelecer laços com a UPA (União dos Povos de Angola), antecessora da FNLA, e a UNITA. José Milhazes, ex-correspondente do PÚBLICO em Moscovo, cita as memórias de Piotr Evsiukov, um alto funcionário que, durante 15 anos, dirigiu os contactos com os movimentos de libertação, segundo o qual, sem a intervenção de Cunhal, a URSS teria reconhecido FNLA de Holden Roberto.
O apoio militar que se revelou fundamental para o MPLA em 1975 também não se concretizou sem dúvidas de Moscovo. "Não havia unanimidade face à intervenção das tropas cubanas em Angola e ao envolvimento da URSS", escreveu Milhazes. A partir de testemunhos de responsáveis soviéticos, concluiu que "Cuba decidiu intervir militarmente em Angola com ou sem autorização de Moscovo" e que no terreno havia "sérias divergências" entre o comando das tropas cubanas e os conselheiros soviéticos.
A boa impressão que Savimbi causou, em 1988, ao então ministro de Negócios Estrangeiros de Moscovo, num encontro na ONU, fez com que a URSS tenha estado "próxima de apostar em Jonas Savimbi", revela Milhazes. "Depois do encontro de [Eduard] Chevarnadze com Savimbi, em Nova Iorque, em Moscovo quase surgiram hesitações: em que apostar em Angola?", contou ao autor o então embaixador em Luanda, Vladimir Kazimirov.
No mesmo ano, José Eduardo dos Santos encontrou-se com Gorbatchov e informou-o de que ia conversar sobre a UNITA com o rei Hassan II, de Marrocos, ao qual Savimbi teria admitido afastar-se, se isso contribuísse "para a solução positiva do problema". No diálogo, relatado, no livro, o actual Presidente admitiu a integração de elementos da força inimiga no processo político. "Não como militantes da UNITA, mas como particulares. Alguns farão parte do Governo", disse.
Atritos graves
Outra das revelações do livro é o fuzilamento, em 1973, por ordem de Agostinho Neto, de cinco adversários no MPLA, acusados de uma conjura em que também estaria envolvido Daniel Chipenda, "número dois" da organização. O facto desagradou aos soviéticos, tal como o acordo, assinado em 1972, para uma frente MPLA/FNLA onde Agostinho Neto teria aceite ser "número dois". Os documentos citados revelam uma "desconfiança mútua" entre os dirigentes de Moscovo e o primeiro Presidente angolano e "indecisões na direcção política" sobre quem apoiar que se prolongaram até muito perto da independência.
Os "atritos graves" com Neto levaram já diversos estudiosos a considerar que os soviéticos incentivaram o então ministro do Interior, Nito Alves, a liderar a contestação ao rumo do MPLA, numa acção que culminou com milhares de mortos. Milhazes escreve que Neto não só acreditou nessa tese como "foi de propósito a Moscovo pedir explicações" a Brejnev, então secretário-geral soviético, e exigiu o afastamento de dirigentes da representação militar em Luanda. O autor confirma que "os soviéticos depositavam confiança" em Nito Alves, mas não conseguiu ser conclusivo sobre o seu papel nesse episódio devido à dificuldade de acesso aos arquivos soviéticos e ao silêncio e contradições dos entrevistados.
Já sobre os rumores de que Neto foi assassinado durante uma operação, em 1979, Milhazes diz que são "um disparate". "As autoridades soviéticas não queriam que Agostinho Neto fosse operado em Moscovo, pois sabiam do seu real estado de saúde, mas, por outro lado, não podiam recusar, para não afectar a credibilidade do país", escreveu. O autor é também de opinião que, sem esquecer o Afeganistão, a intervenção em Angola ajudou à queda da URSS. "A estrutura soviética fica, do ponto de vista económico e até militar, fortemente abalada."
Muito depois do fim do comunismo
"Russos envolvidos na morte de Savimbi"
O autor de Angola - O princípio do fim da União Soviética está convencido de que "os serviços secretos russos" estiveram envolvidos na morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi, ocorrida em 2003, já muito depois das mudanças políticas em Moscovo. No livro, depois de recordar tentativas anteriores de aniquilamento nos anos de 1980, através de bombardeamentos aéreos contra a "toca de Savimbi", José Milhazes lembra referências da imprensa russa à colaboração dos serviços secretos na morte do dirigente rebelde. Agora em declarações ao PÙBLICO, foi ainda mais incisivo e disse que essa ideia foi reforçada por informações recolhidas recentemente. "Os ser4viços secretos russos estiveram envolvidos na morte de Savimbi. Já era incómodo para todos. Para russos para americanos, para todos. Toda a gente pensava que sem a liquidação de um deles (Savimbi ou José Eduardo dos Santos), não havia possibilidade de reconciliação".
http://club-k-angola.com/index.php/about-joomla/the-community/3652-urss-quase-apoiou-fnla-e-admitiu-apostar-em-savimbi.html