Luanda 22 de Maio de 2009.
O "El dourado Angolano"
Por Mário Cumandala
Acordei esta manhã pronto para escrever sobre a angolanização, isto em resposta a certos comentários, frutos das minhas primeira reflexões já no ar. Será que devia mesmo? O que a Angolanização já fez por mim?
Enquanto ponderava sobre este material, logo lembrei-me de que afinal de contas, não foi a pascacice da minha ex-empresa, que me recrutou dos Estados Unidos, para Londres, mais sim a força da angolanização que eu e os demais compatriotas, muitos deles também já fora da firma, fomos parar na expatriação em Londres. As petrolíferas que eu conheço, por livre vontade, jamais mandariam angolano na expatriação – esta e a verdade inegável.
Obviamente, este conceito da angolanização, muito embora ainda tão raro como a lenda da ave fênix, é já sem dúvidas, a razão porque eu estou de volta a minha pátria.
Então se é assim, deixem-me provar para comigo mesmo, só para hoje, que eu sou mesmo angolano da gema, com ou sem esta – angolanização em vigor.
Foi então que desprevenido, pensei em fazer história, nessa linda manhã. Minha decisão foi nacionalisticamente influenciada. Decidi sem circunlóquios, usar hoje, tudo que é “made in Angola”; isso mesmo, angolanizar a o meu dia. Let’s roll, let’s bouce people’, ou seja, vamos embora minha gente a uma aventura de ricochete.
Lembrei-me logo que o movimento rotineiro, que todas as manhãs a natureza obriga-nos a obedecer. Efectua-se por cima de uma pia, não feita em Angola. Por isso, não me surpreendi ao entrar na casa de banho, e deparar-me com uma pia branca, lavabus branco, espelho não feito cá, em suma, nada nacional.
Peguei no colgate, e a escova de dentes, verifiquei com tristeza que não fugiam da regra. Porém, grande foi o alívio quando entrei no chuveiro e gritei bem alto - água da minha terra, autêntica agora a miragem do “el Dorado” em minha alma humilhada por tantos elementos estranhos a meu redor.
Angolanização do sector petrolífero só será sucesso se os instrumentos jurídicos para implementar e monitorarem forem efectivos. Com esta máxima, vejamos: durante os meus dias de estudante em Londres, eu tive muitos amigos Nigerianos, oriundos do Delta, região rica em ouro negro, entre os povos Ogonis. Eles sempre diziam que a exploração do petróleo em sua região, tem trazido conseqüências nefastas.
E como para converter um agnóstico, eles faziam-me sempre lembrar do seu herói o Chefe Ken Saro-Wiwa, escritor nigeriano e activista que lutou em levar justiça social e ecológica para o povo Ogoni da região do Delta do Niger. Ele foi executado em 1995, com um único crime: ter desafiado a Petrolífera Shell por poluir o ar, terra e água da região do povo Ogoni. Ele, claro, foi bem sucedido em levar esta causa, a atenção da comunidade internacional.
Será que existem mesmo consequências socio-económicas para os habitantes de um “El Dorado” como a Nigéria ou Angola?
Como economista, tenho sim que concordar, que o petróleo, produz efeitos perversos e negativos nas economias dos países produtores. Cria grandes distorções, dificulta a integração e a coordenação dos diferentes ramos da máquina econômica.
No nosso caso, está provado que não fosse o crude, não estaríamos a curtir conferências nacionais em Talatona de todas as índoles. Isto porque estamos admitindo que o petróleo, provocou a falência dos sectores não petrolíferos. Nos países onde há uma consciência clara da situação - acredito ser este o nosso caso - com um pouco de vontade política afirmada, o petróleo garantiria ainda um rápido e apreciável desenvolvimento social, económico e cultural.
Para não prevaricar as minhas constatações, producto destes quase 3 anos pelo El Dorado angolano, posso rumorejar o seguinte: contrariamente à situação de alguns países como a Noruega, onde o petróleo permitiu a adopção de políticas sociais mais justas, e mais equilibradas, aqui em Angola, ainda estamos longe. Isto não quer dizer que aqui não há melhoria na qualidade de vida. Mas o mal, se assim o podemos alcunhar, não vem do petróleo, mas sim dos homens, estes angolanos e estrangeiros com poder de decisão.
E é a estes homens e mulheres, a quem dedico esta crônica e imploro-lhes: vocês podem e devem mesmo mudar. Regenerem-se, abram-se aos outros, para formar com eles, uma sociedade democrática, justa e fraterna. Mas agora, eu espero, juntos, ‘we can’. Não deixem o sonho Angolano desmoronar-se. É conhecendo a quantidade de reservas do ouro negro que Angola possui que digo que a angolanização tem que triunfar.
Seria, no entanto, muita pretensão minha pensar que a angolanização é igual a uma vara mágica. Mesmo que abraçando o zoomorfismo - fé esta que resultasse em milhares de lobisomens - pré-dispostos a mudar, seria necessário um mapa credível para a vitalização do sector.
Os elementos deste mapa teriam que fundamentalmente incluir: as leis que regulam o sector, as lei do investimento externo, e a criação de uma companhia petrolífera nacional. Até aqui, tudo bem, não há aqui surpresas, pois que o MinPet e Sonangol, têm mostrado que são capazes de emular o que é bom.
Existe um elemento nisto tudo, que quando mal gerido, levar-nos-á a uma situação de dependência eterna. A indústria petrolífera, presente em nosso país desde as décadas de 50, criou ou não Angolanos capazes? Será que já nas décadas de 90, quando grandes avanços tecnológicos ocorreram na indústria, os engenheiros angolanos foram tão marginalizados e não tiveram acesso a essas tecnologias de ponta? Julgando pelo facto de que, os investidores externos, estão sempre a mandar os angolanos fora, significa que temos internamente, pouco aí no Sumbe, para oferecer. E que dizer das infra-estruturas inadequadas que em nosso país abundam?
Vamos aqui ilustrar o papel que elas jogam, e nada a favor das multinacionais. Imaginemos que a comuna de Kalenga, Huambo, descubra, num belo dia, que tem petróleo “onshore”. Entre os possíveis cenários posso destacar: uma dessas multinacionais, depois de ganhar o concurso, traria duas sondas a Kalenga, apoiadas cada por 100 pessoas técnicas, total 200 pessoas. Essas pessoas, certamente, requereriam acomodação, áreas de lazer, centro médico, centro comercial, cinema, discoteca para uma Kizomba, escolas para seus filhos, transporte local, um PUB, etc.
Eu sou da Kalenga, e estes serviços lá não existem. Por causa desta carência, a multinacional, presente na Kalenga, deve sim contribuir em levantar a economia local, através de um programa de melhoramento do que já existe, ou construir coisas novas, e não só para eles mais em benefício da localidade.
Falemos então da mão de obra especializada e nacional.
Para Angola produzir acima de 4 mil b/d, requererá uma força de trabalhadores nacionais de, aproximadamente, 20 mil pessoas, incluindo drillers, geólogos, engenheiros de reservatórios e produção, analista comerciais, etc. O “know how” será necessário, desde o pessoal senior até ao pessoal da manutenção. Serviços de apoio ao sector talvez rondem também na casa das 20 mil pessoas.
Hoje, já não é novidade o facto de que há carência em certas áreas deste sector. Na média, leva 5 a 10 anos para treinar um engenheiro de perfuração de poços, por isso não é segredo que o treinamento terá que vir por enquanto fora de Angola – mas até quando?
E a remuneração? –‘Show me the money’-
Notemos, um expatriado supervisor de perfuração aqui em Angola, pode ganhar de 2 a 3 mil dólares por dia dependendo do local. Um Sênior nesta especialidade comanda um salário anual de 200 a 300 mil dólares.
Comparemos com os salários dos Angolanos, 3 mil dólares ao mês, isto é igual ao salário diário do expatriado. Esta grande disparidade em remuneração, acreditem, vai criar conflictos dentro das companhias estrangeiras e na própria Sonangol. Isto é injustiça social - aconteceu comigo - e não precisa continuar assim.
E a solução?
Em certos países do Golfo Pérsico, os salários dos trabalhadores do departamento onde um expatriado e baseado, após a sua chegada, o salário mínimo dos nacionais no team, fica fixado em 4 mil dólares por mês. Em seguida, podem subir para 50% do salário do expatriado, assumindo que o trabalho do nacional é igual ao do expatriado. Os salários são ainda revisados anualmente e comparados com os dos profissionais similares na região.
No entanto, nota-se o contraste em Angola. Existe uma padronização generalizada nas petrolíferas, quanto aos nacionais, muito embora eles também façam seu melhor e às vezes mais. O triste é que os expatriados, no fim tomam crédito do trabalho feito e o nacional fica no mesmo nível 5 anos, com avaliações negativas dadas por eles.
Além disso, para fins que só eles conhecem, por exemplo, no sector petrolífero em Angola, o direito à privacidade é violado diária e constantemente. Não só os trabalhadores são sistematicamente vigiados por colegas, como são permanentemente controlados pelos meios cibernéticos que registam cuidadosamente os telefonemas que fazem ou recebem, os sites que visitam, os e-mails que recebem ou expedem.
Assim, as chances do nacional ver seu magro salário a subir dependem do seu relacionamento com o chefe, sexo, e até cor da pele, e não da angolanização – grande esquema não é mesmo? Mas, para eles, os classificados filhos da firma, tudo que têm que fazer e criar títulos para eles e seus escolhidos para então justificar salários gordos e permanência no país. Isto é descriminação, para não dizer exploração da classe trabalhadora nacional. Não existe aqui nenhuma inferência ou elemento racial, mais sim a necessidade de mudança no sector.
No departamento onde eu trabalhava, eu sou o terceiro vindo de Londres a demitir-me. Neste departamento éramos dez angolanos e dez expatriados. Os expatriados eram todos “Team Leaders” e nos os Mwuangolés, somente recebendo ordens. Até prova disso, e que, já assisti reuniões a debruçarem-se sobre a situação de habitação dos trabalhadores nacionais, onde eu era o único angolano e não era permitido opinar. Você decide, se isto é angolanização.
Voltando para as macas das remunerações.
Existem vantagens estratégicas no sistema de remuneração acima mencionado, dentre elas, se aplicados aqui em Angola, podíamos citar:
1 - Atração garantida dos melhores graduados da Universidade Agostinho Neto, Universidade Católica de Angola, etc.
2 - Formandos vindos da diáspora, ingressariam na indústria petrolífera, sem medo de verem suas carreiras reduzidas a uns poucos dólares.
3 - Providenciaria incentivos tangíveis, para os nacionais serem treinados, e assumirem as responsabilidades reais dos expatriados com contractos limitados não acima dos três anos.
4 - A transferência da riqueza proveniente da indústria, seja em termos do poder aquisitivo ou tributação aos trabalhadores do sector, far-se-ia sentir-se na economia no geral.
Portando meus caros ex-colegas, parem de pensar que vocês já são a classe média de Angola, infelizmente vocês ainda não o enquadram esta elite, a vida ainda continua um calvário para vocês – eu incluído.
Pecaria se não trouxesse à tona uma pequena elite já existente no sector: os Presidentes do Conselhos de Administacão na Indústria transformadora/extrativa de Angola. Paras os melhores quadros nacionais continuarem a assumir os destinos das multinacionais por cá sediadas, já elas que assim gostam de os fazer passar por cartões de apresentação, ou angolanização a sua medida, fica aqui uma proposta um tanto radical.
Defendo sim para eles, salários de USD$ 1 milhão por ano. Os meus compatriotas angolanos merecem. Eles não fazem menos para estas firmas do que seus equivalentes lá fora. Se estes postos fossem assumidos por um expatriado garanto-vos que não seriam USD$ 200 mil que os nossos ganham anualmente, que estes receberiam. Por isso, devem sim ser remunerados como os CEOs que estão lá em Houston, London, Paris, Roma e com todos os pacotes e opções.
Ao concluir minhas reflexões, encorajo a todos vocês jovens, a pensarem crude, e mais crude. Afinal o que seria das nossas vidas, hoje se não fosse a indústria petrolífera? Nem já esta crônica eu acabaria em uma hora.
Então, ao descer a escada do meu prédio, nesta manhã, respirando uma brisa suave deste ar, quase puro do Projecto Nova Vida, onde vivo, entrei lentamente no meu carro, e logo enquadrei-me no engarrafamento, rumo à cidade. Já no meu carro, de fabrico americano ostentando um fato de marca StafforD Executive, “made in” Manchester, UK, com um sapato de marca Stacey Adams, também americano, e uma gravata de Luciano Versi, Italiano, senti vergonha de minha condição.
Em seguida, como de costume aqui na ‘banda’ no engarrafamento da manhã, tornei-me sim em mais um número – é que assim tenho vivido desde que cheguei a este tal Eldorado que não é Eldorado. Acreditei e esperei pela angolanização para que já posto em meu país conquistasse um nome e espaço.
Mas pelos vistos, por enquanto, tenho que aceitar que, sou apenas um número. Será que Gamal Abdel Nasser tinha mesmo razão quando assegurou aos Egípcios que ‘havia poder nos numeros’? E preciso saber esperar, para poder alcançar. Viva a angolanização.
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