Não há nada pior que ter intelectuais que não assumem nem as suas vestes, nem a sua nudez. Nada pior que um país em cuecas. É o que Angola é, em matéria de debate público…
Atolados nas areias movediças da indiferença, através do romance de Marc Dugain, ”A maldição de Edgar”, dos ecrãs da maioria dos nossos intelectuais ou coisa que o valha, o que se projecta “ é uma mulher severa e calorosa quanto uma esfinge de mármore com os visitantes de um museu”. O diálogo não pode ser, pois, senão tumular…
Os nossos intelectuais sobrevivem, aquartelados, numa sociedade vergada a um inquietante défice de debate. Os nossos intelectuais meteram a viola no saco e submeteram a crítica a um coma profundo! Dir-me-ão que não é bem assim, que debates é o que não faltam.
Que as autoridades governamentais até têm promovido, nos últimos tempos, em regime de “prélavado”, diversas conferências em série, para a discussão pública dalgumas questões candentes da nossa vida.
Mas, porque será que os cidadãos não se entusiasmam muito com esse tipo de conferências? Porque essas iniciativas, formatadas para discursos pleonásticos, são saudáveis, sim senhor, mas o peso e a influência, entre os participantes, de “cérebros” tatuados por bloqueios mentais cultivados ao longo de muitos anos de pensamento único, acabam por limitar a libertação da massa crítica de muita gente.
Nesses fóruns, os participantes são “degolados” por regras de jogo geralmente impostas de cima para baixo e por decisões consumadas ainda antes das discussões. O que os cidadãos pretendem dos intelectuais é vê-los a participar, de diferentes formas, em debates a céu aberto, em busca permanente do aprofundamento do contraditório.
O certo, certo é que ao invés disso, passamos a ter intelectuais com medo de expender publicamente as suas próprias ideias!
Parece que, de repente, os nossos intelectuais foram ensinados a não debater, parece que, de repente, os nossos intelectuais foram vacinados pelo silêncio, parece que, de repente, os nossos intelectuais, como escreve João Bernard da Costa, colunista do “Público”, foram instruídos a flutuar a meia haste, com medo de mostrarem os anéis. Como lhe acrescentou o articulista,”não há nada pior” que intelectuais que “não assumem nem as suas vestes,nem a sua nudez”.
Desse ponto de vista, concluiu João Bernard da Costa,” nada pior que um país em cuecas”. É o que Angola é, em matéria de debate público. Este é o retrato fétido que a maior parte dos seus intelectuais, dá do nosso país. Intelectuais cujo comportamento abúlico não lhes permite senão dispor de tempo para se exporem, em hasta pública, como voluntariosos manequins em avançado estado de auto-castração mental…
É certo que poder algum, dificilmente cede a pressões; os poderes não as toleram e detestam ser contrariados mas, do que se fala aqui, é de um direito que assiste aos cidadãos: o de serem informados e o de participarem publicamente na discussão dos seus problemas. O nosso “quadro clínico”, a esse nível, é, francamente, preocupante…
É um retrato pálido, esmagado pela esclerose mental de gente que venera a ausência do contraditório, esquecendo-se que este activo representa uma saudável marca na cultura da diferença, que foi cobardemente engavetada pela maioria dos nossos intelectuais, sempre temerosos da escalpelização das nossas contradições.
Poucos, muito poucos mesmo, são os intelectuais no nosso país que se assumem como verdadeiros intelectuais. É preciso, por isso, dizer “aos outros”, que antes de pertencerem à sua tribo ou raça, devem ser intelectuais e como tal, comportarem- se como fazedores, por excelência, de ideias.
O que se pretende, na sua condição de portadores de um pensamento diferenciado, é ver os nossos intelectuais a transmitirem aos cidadãos comuns as ferramentas indispensáveis à sua plena afirmação social, fazendo, se necessário for em casos extremos, rupturas com o “establishment”. O que acontece, porém, é que muitos dos nossos intelectuais, antes de ousarem pensar em voz alta, primeiro rastejam pelos corredores da capela do partido para saber se e quando o devem fazer…
Instalada a desilusão no seio da opinião pública por causa da farsa encapotada por muitos políticos avessos à cultura e à arte, a esperança está a dar lugar agora a uma frustração ainda maior, perante intelectuais ou coisa parecida que, ostensivamente, julgam que o seu umbigo é o centro do mundo, como se a sociedade não pudesse viver sem eles…
Do que deles se esperava era de uma participação mais interventiva e criativa para desbravar caminho rumo a uma sociedade mais plural, aberta e crítica. Mas, em lugar da frontalidade nas ideias, em lugar da modernidade no pensamento e em lugar da inovação no estilo, os nossos intelectuais preferem aconchegar-se, também eles, na imundice do submundo da intriga, da maledicência e da inveja que, desgraçadamente, emporcalha a nossa vida pública.
O que é que, afinal, se tem passado? A imposição da decisão em detrimento da reflexão, como se ambas fossem irreconciliáveis. E onde estiveram e têm estado os nossos intelectuais, para não reclamarem da sua participação ou para, de diferentes formas, provocarem, eles próprios, fracturas na discussão pública dos grandes problemas que nos afligem? Uma boa parte deles,comprometida até ao pescoço…
Os nossos intelectuais assemelham-se, por vezes, a uma obra de ficção embrulhada num “cardápio” gorduroso e indegesto: Intelectuais fechados na sua caserna. Intelectuais que, como bons daltónicos, não conseguem distinguir as cores.
Intelectuais chorosos, deprimidos e cobardes. Intelectuais que se orgulham de sair à rua, cá dentro, protegidos pela “burka”, enquanto lá fora, grasnam contra o mesmo poder que servem e de que se servem. Intelectuais, enfim, “triunfantes”, a viverem, porém, subjugados à redoma de um sistema clientelar. Valha-nos a existência de uns “poucos outros” intelectuais livres, que graças a Deus, ainda continuam a pensar em voz alta…
Opinião: Jornal Novo, 8 de maio de 2009
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