1. Com a realização das eleições previstas para este ano, materializar-se-á uma das traves-mestras da nova Constituição aprovada em 2010, na sequência das legislativas de 2008 que deram esmagadora vitória ao MPLA. Com tal resultado, o MPLA ganhou capacidade para a fazer aprovar, contra a vontade expressa das Oposições e da imensa maioria da Sociedade Civil.
2. A originalidade da nova Constituição foi tal que até o próprio Presidente da República a apelidou de «atípica», porquanto não se enquadra nos parâmetros típicos de qualquer outro modelo constitucional conhecido e consagrado. A «atipicidade» da presente Constituição angolana diz, sobretudo, respeito à Organização do Poder de Estado e, mais concretamente, ao modo de eleição do Presidente da República e Chefe do Executivo.
3. No n.º 1 do art. 105.º, a actual Constituição da República define três órgãos de soberania, nomeadamente, o Presidente da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais. No n.º 3 do mesmo artigo, assegura ainda que os órgãos de soberania devem respeitar a separação e a interdependência de funções estabelecidas na Constituição.
4. Segundo o art. 109.º da Constituição, é eleito Presidente da República o cabeça de lista, pelo círculo nacional, do partido político ou coligação de partidos mais votado no quadro das eleições gerais, realizadas ao abrigo do art. 143.º e seguintes da Constituição. São, pois, estes artigos que estabelecem o sistema eleitoral, os círculos eleitorais, as condições que impedem alguém de ser eleito deputado, bem como o modo de se efectuarem as candidaturas.
5. Desde logo, fica claro que, para se ser Presidente da República, ou Vice-Presidente da República tem que se ser eleito deputado. O n.º 1 do art. 149.º define, porém, o regime de incompatibilidades do mandato de deputado com o exercício de Presidente e de Vice-Presidente da República, entre outros.
6. É, pois, suposto que o legislador constituinte pretendia, assim, distinguir a condição de deputado da dos titulares de órgãos executivos, como forma de limitação do poder político – um conceito doutrinal que remonta aos tempos de Aristóteles – em obediência ao princípio da separação de poderes. Tal princípio é depois aprofundado por John Locke, quando dispõe que as leis, para serem imparcialmente aplicadas, não podem ser os mesmos homens que as fazem, a aplicá-las.
7. Mas, o constitucionalismo moderno consagra igualmente a interdependência dos diferentes poderes, através dos diversos mecanismos de controlo que se estabelecem – os chamados «checks and balances», ou seja, o sistema de «freios e contrapesos».
8. Quando se aprovou a actual Constituição, elevaram-se vozes internas e externas, de juristas e outros fazedores de opinião, ou enaltecendo-lhe os méritos, ou chamando a atenção para os seus erros e, sobretudo, para eventuais consequências. Uma das questões muitas vezes levantada foi a de que, com a nova Constituição, seria difícil o surgimento de candidaturas presidenciais realmente independentes.
9. Nos tempos que correm, e com vista às eleições que se avizinham, está já a verificarse, e mais uma vez, o fenómeno da proliferação dos partidos políticos – muitos deles estiveram adormecidos durante todos estes anos. Fala-se, também, na «colonização » de partidos políticos sonâmbulos por figuras políticas de realce, como forma de viabilização de propósitos presidenciais.
10. As candidaturas presidenciais independentes são uma conquista e um aprimoramento das democracias. Na maioria dos casos, elas surgem por impulso da própria sociedade civil que aposta em determinadas figuras políticas sem compromisso partidário, ou então, que deixaram de ter espaço e devida vez nos partidos políticos amordaçados pelo garrote e inflexibilidade da máquina…
11. Nas democracias mais consolidadas, vão se repetindo esses exemplos que constituem, afinal, uma espécie de um «respiradouro democrático» para a sociedade e, também, para quem se viu, de certo modo, impedido de se exprimir livremente. Através das candidaturas independentes, levantam-se, geralmente, questões muito interessantes que nem sempre são do interesse dos partidos políticos formais.
Fonte: SA. Sábado, 28 de Janeiro de 2012.
12. Que fique claro: eu sou adepto desse jogo democrático, um jogo que dá vida e empresta outra dinâmica à política. Ele torna a política mais saborosa e imprevisível.
13. Penso, porém, que «colonizar» partidos, sem que haja uma boa identidade entre as partes – uma identidade que se constrói durante o percurso – pode ser uma má solução para ambos: para o «colonizador» e para o «colonizado ».
14. Os partidos políticos que não padeceram de «sonambulismo » durante o defeso não devem, pois, ter qualquer receio de incorporar figuras externas nas suas listas – mesmo até como cabeças-de-lista. Será bom que aproveitem ao máximo esse enorme capital humano que o país possui e que está sem o devido uso. É bom para a democracia. Os partidos que hibernaram e querem agora reaparecer a todo custo, em especial, por efeito de um recrutamento apressado, não estão a fazer nada de bom para a democracia. Antes pelo contrário.
15. Tudo isso, no fundo, é também uma consequência mais ou menos imediata da nova Constituição atípica, como lhe chamou o Presidente Eduardo dos Santos.
16. A esse propósito, o conceituado jurista e académico português, Jorge Miranda, disse, na devida altura: «Do ponto de vista jurídico, a nova Constituição constitui um retrocesso democrático ». «Não é uma reforma pacífica na sociedade angolana e levanta dúvidas». E acrescentou: «Passar-se do sufrágio directo para o indirecto é um recuo democrático». Contudo, «no plano político e prático, vamos ver». E já estamos, realmente, a ver. Quanto mais não seja, pelo modo como as coisas se vão passando… ■
Fonte: SA: Sábado, 28 de Janeiro de 2012, p. 16
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