segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Olhe para frente e esqueça as tristezas do passado (I)


Brasil - Na semana passada, o compatriota José Kosciureski Ticonenco convidou-me para um debate concreto sobre o tema “Angola, olhe para frente e esqueça as tristezas do passado”. Eu, que não sou doutor, digo isso pela milésima vez, aqui me apresento para o embate.

Só a pessoa que faz sujeira é que foge do trumuno. Demorei responder porque estive participando de um concurso. Acho que, de uma forma, a demora foi legal, como diz o velho ditado: “O melhor de uma festa é esperar por ela”.

Ticonenco deu uma grande idéia. São idéias como essas que beneficiam a nossa sociedade e ainda fazem do autor se tornar conhecido e diferenciado. Acredito que muitos estiveram na expectativa da resposta. Depois que o desafio foi lançado aumentou muito o número de acessos ao portal “club-k.net”, na verdade não só por isso. Nunca vi tanto congestionamento. “Problem in database Connection” ou “session initialisation failed” eram mensagens que apareciam a todo o momento. Mas isso está a incentivar a outros portais a publicar também artigos de opinião, coisa que não deveriam ter deixado de fazer.

Ticonenco mostrou que é uma pessoa organizada. O organizado é o que enxerga as vantagens de entender e o respeitar o sistema e dentro dele exercitar a sua criatividade. Ele foi muito criativo. Isso mostra que nós angolanos, individualmente, temos boas idéias, mas quando o assunto é coletividade, ai a confusão é muito grande.

É por isso que estamos a propor quebra de paradigmas. É isso que Walter Pinto, Oswaldo Rodrigues, eu, BSantos, Nvunda Tone, e outros companheiros estamos a propor a mudança de pensamento, de atitude, a abandonarmos a tradição. Isso não quer dizer que entre nós não tenhamos divergências em determinados assuntos. Um pode ser criacionista outro evolucionista; outro capitalista outro socialista, enfim. Mas algo temos em comum. Precisamos de uma “organização”.

Gostei muito do último artigo de BSantos, principalmente quando escreveu: “Cada cabeça que pensa é um soldado, mil cabeças que pensam formam um exército. Cada voz que se levanta é um tiro, o grito de mil vozes é uma salva de canhão. Com muito orgulho sinto-me parte do "movimento pela mudança de mentalidade". Devemos estimular a criatividade desses soldados angolanos e não a esperteza. O esperto dá o tiro no próprio pé ou no pé do companheiro. BSantos propõe uma sinergia independentemente do partido a que o indivíduo é adepto. A nação angolana é muito maior e está acima de todos os partidos políticos. Os partidos surgiram e desaparecerão, mas a nação não. Fico feliz pelo aumento de artigos de opinião no club-k.net. Quando chegaremos à marca de mil articulistas?

Concluindo o pensamento acima. O esperto acha que pode enganar a todos, por isso anda com seguranças, envolvido em mensalões, com a corrupção, ou simplesmente fura bicha. A esperteza beneficia a uns e a “organização” beneficia a todos. A partir da semana, Ticonenco tem história para contar para o resto de sua vida.

Sobre o trumuno, repito, eu gostei da idéia. Se eu fosse presidente de uma grande Corporação, Ticonenco seria o candidato à minha sucessão. Não é difícil descobrir um líder nato. Só não vê quem não quer. Eu teria certeza de ter encontrado alguém que ousaria e não administraria na mesmice.

Aliás, não precisa ser presidente de uma grande corporação. Assim que deixar de colaborar com o club-k, e isso um dia vai ter que acontecer, porque eu não sou insubstituível, terei a certeza de que um maior que o Cangüe pegará a batuta para animar o nosso clube. Saberá reger a música do momento. Terei a maior alegria de opinar seus artigos.

Depois de certa idade, os indivíduos tornam-se conservadores e incomodam-se com mudanças. Eu já estou entrando nessa fase. Quando chego em casa e encontro o sofá noutra posição, já me incomoda. Quero ver o meu sofá sempre na mesma posição para assistir ao programa do “Jô Soares”. E se alguns leitores vierem a pedir para eu ficar, apesar eu ter passado pela mesma escola de Fidel Castro, em termos de discursos, eu farei o mesmo que fez Joaquim Chissano, Mandela, Sam Nujoma e outros grandes estadistas, sair de cena enquanto ainda a minha popularidade estiver alta. Assim, serei lembrando, para sempre, como alguém que deu sua contribuição para a construção de uma sociedade mais justa e fez parta do “movimento pela mudança da mentalidade”.

Quero agradecer aos elogios recebidos pelo Ticonenco, mas em nenhum dos meus artigos eu solicitei para não fossem aprofundados. Ainda recentemente recomendei exatamente o contrário.

Em relação ao tema proposto, longe de mim ficar com ódio ou tristezas do passado. Quando olho o presente e faço minhas projeções, vejo uma nuvem cinza se aproximando a passos largos, que deve verter toneladas e toneladas de granizo, sobre os nossos telhados de vidro. Quando boto a minha colher nesta sopa o faço para alertar. Esse alerta está sendo feito por pessoas que estão no alto de um edifício e vêm a viatura em alta velocidade a se aproximar a um precipício. Se não mudar o sentido, se não for dado outro rumo, algo terrível poderá acontecer. E isso vai explodir na mão do Ticonenco.

Muitos países passaram por situações piores, mas souberam dar a volta por cima. Escolheram caminhos certos. Eu, sinceramente, até agora não entendi bem o que querem fazer de Angola. A economia vai bem, mas o povo só como migalhas, quando come. Na hora das promoções, os bons são sempre passados para trás. Em vez de investirmos em Educação, por exemplo, investimos em silenciar a imprensa privada.

Caro Ticonenco, o nosso problema é a paralisia burocrática, o desrespeito ao interesse coletivo. Tornamos-nos muito individualistas, materialistas e mais consumistas. Quem sou eu? De donde vim? Para onde vou? Quanto ganho com isso? É assim que funcionam agora as quatro questões existenciais. Outro dia estive conversando com o jovem angolano, eu sabia quem ele era, mas o estava tratando com um simples angolano. – Você sabe com quem está falando? – Não sei e nem quero saber e tenho raiva de quem sabe. Assim respondi. O impressionante é ainda encontramos angolanos sorrindo nesse ambiente.

Sem mais delongas passo a responder às perguntas dos leitores. Para tal, tive que reler a todos os meus artigos. Começo fazendo elogios.

O primeiro elogio vai para o governo da província do Huambo. No meu artigo intitulado “Quando você acha que está por cima, tome cuidado” eu convidei o leitor a visitar a página do oficial do governo do planalto central (
http://www.governodohuambo.com/pag_47.htm) que estava carregada de propagandas do MPLA, com direito até à ficha de filiação, lembram? Pois é, meus amigos, hoje passei por lá e ela está uma maravilha. Está uma verdadeira página de governo. Estão de parabéns a todos que cuidam dela. Convido-vos, outra vez, para outra visita e elogiar também o bom trabalho feito. Isso é prova de que ninguém está aqui só para criticar.

Aliás, eu não vivo só de fazer críticas. Em meus artigos já fiz vários elogios como, por exemplo, a formação de bibliotecários em Angola, a FESA e mais recentemente do governo provincial do Benguela.

Por que escreves com sotaque brasileiro? Eu esqueci o “sotaque angolano”. Por ventura as telenovelas brasileiras usam sotaque angolano? Mas em breve essa situação será superada com a entrada em vigor da ortografia unificada em todos os países de expressão portuguesa. O português do futuro irá suprimir o “c” e o “p” . A grafia correta será: direto, ação, ótimo e não mais directo, acção nem óptimo. Não se usará mais acento circunflexo. A grafia certa será “leem, veem, enjoo” etc. o “h” será retirado de palavras como húmido, que será úmido. O acento cairá e escrever-se-á assembleia, jiboia etc. Como viram, eu já estou na dianteira de muitos, ou seja, na “pole-position”.

“Eu nunca li teus artigos porque você tem cara de pateta alegre. A tua foto parece ser mais um prisioneiro dos talibans vestido em europeu”. Caro leitor, admiro a sua sinceridade. Angolano é muito sincero. Imagina se eu dissesse que não “não saio daqui” e você tivesse que me aturar por 25 ou mais anos!.

Por que não volta? Vontade não falta. Há muito tempo que saí de Angola. A minha estrutura de vida está montada cá. Se eu sair aqui com as minhas bungingangas, não terei onde colocá-las. Cheguei a fazer o óbvio. Enviar currículos. Eu já enviei para várias empresas, principalmente, as petrolíferas. Já me cadastrei até no “to Angola” e muitos outros lugares.

Em muitas empresas enganei-me porque coloquei no meu currículo todos os cursos que fiz. Não me chamaram. Numa das poucas que me chamou, cometi um erro primário. Eles perguntaram-me mais ou menos o seguinte: “quais os cargos que pretende alcançar se vier trabalhar conosco”? Eu, para mostrar que sou ambicioso, escrevi: “ser diretor do centro de pesquisa”. Depois disso não me ligaram mais. Um amigo que trabalha nos recursos humanos, disse-me que eu cometi o maior erro de todos os tempos. O pessoal que trabalha nos recursos humanos, que tem o poder de contratar-me, com muitos anos na mesma função, nem sonha chegar a esse cargo. Ele já fica com raiva do candidato. Como um candidato que nem ingressou na empresa e sonha com o cargo? Muitas vezes nem o chefe dele sonha com esse cargo. A resposta certa para esses casos, segundo Max Gehringer, seria: “quero dar um passo de cada vez e aproveitar as oportunidades que a empresa for me dando.

Depois eliminei o mestrado e outros cursos do meu currículo, se bem que agora com o advento da internet eles acabam descobrindo. Mas há pouco tempo ainda passava. A lógica era seguinte: Se vou me candidatar para uma vaga que não exige mestrado por que colocá-lo?

Oba! Começaram a chamar-me para as entrevistas. Eu até entendo que eles querem proteger-me. Numa delas, fiz bem os testes. A moça chamou-me e disse-me que eu tinha ido bem. Deu-me os parabéns e confidenciou-me que eu ganharia muito dinheiro. E ficou falando, falando e falando. Como eu não entendia o código, ela perdeu a paciência e disse-me que havia “custos operacionais” para o cargo a que eu estava concorrendo. - Quanto? Hum mil e novecentos dólares!

Descobri que eu deveria enviar meu currículo para Instituições de ensino superior, pelo menos elas precisam de profissionais com pós-graduação. Enviei currículo à Universidade Agostinho Neto, à Universidade Católica, Piaget e Centro Universitário de Benguela. Coloquei endereços de Angola e do Brasil. Nenhuma me respondeu e nem tem obrigação de responder. Tudo depende de vagas. Numa instituição de ensino da área de petróleos, certa vez, disseram-me que teria que me deslocar ate lá para participar do concurso.

Eu não fiquei triste com tudo isso. Isso é para mostrar ao Kabazuka como funcionam as coisas. Falar em voltar em Angola é fácil, nas a sua efetivação não é tão fácil assim principalmente para nós que somos do povão que estávamos bom tempo fora. Eu até imagino o choque que deve ter levado o Kabuzuka ao ver o meu currículo. – Feliciano? não, não, não, rasgue logo esse currículo. No entanto, no Brasil, a cada dia que passa eu recebo convites de várias instituições. Tenho algumas de minha preferência: as Universidades Federais (Universidade do Estado). Lá, eu terei condições de fazer pesquisas.

A minha contribuição para Angola é efetiva a partir de cá. Isso me faz lembrar Uma maneira de matar a rã, é colocá-la em água fria e aquecê-la aos poucos. Conforme a água vai aquecendo ela vai se acostumando até ser trucidada pela água quente. No entanto, se outra rã for jogada na água quente, imediatamente ela dá um pulo para fora.

Quando voltas? Não sei. Viver em Viana isso é que não quero.

Como tu falas de Luanda, se não vives cá? A rede globo de televisão faz muitas reportagens.. Ontem passou uma reportagem de Regina Casé sobre os Candongueiros e kinguilas. Quem acompanha o portal club-k.net, está muito bem informado. Além disso, baixei, de graça, da internet (
http://baixaki.ig.com.br/site/dwnld26308.htm) o “Google Earth”, bem mais prático que o maps.google. Na parte superior aparece “se o download não iniciar automaticamente, clique aqui” e instalei. Usando os cliques no mouse, lado esquerdo, eu consigo o Zoom que me permite ver até um tijolo estendido na rua. Assim, todos os dias eu visito Cabinda, lá posso ver o “porto” local, Luanda, Benguela, Namibe, Tómbua, Sumbe, Huambo, Ondjiva e outras cidades de Angola e do mundo.

A súmula do meu pensamento, como já disse alguém, não se resume num simples sim ou não. Na segunda parte responderei perguntas como estas: O senhor já escreveu inúmeras vezes sobre MPLA, JES e seu governo. Sobre a miséria e educação no nosso país, mas, por incrível que pareça nunca se atreveu a escrever sobre a UNITA e Samakuva. Será que o senhor não o faz com certa intenção pouco clara por detrás disso? O senhor Cangüe é um engenheiro com tudo quanto é diploma e algo mais. Não é assim, compatriota? O senhor seria capaz de escrever um artigo crítico sobre as posturas da UNITA e do passivo Samakuva de 2003 (nono congresso) até os dias de hoje?

* Feliciano Cangue

Fonte: Club-k.net

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