segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Olhe para frente e esqueça as tristezas do passado (II)



Hoje escrevo-vos diretamente da cidade maravilhosa. O Rio de Janeiro está sediando o II Fórum Internacional de Angolanistas, com o lema: “Política, Direito, Economia e Democracia na Reconstrução de Angola”.

O Fórum reúne angolanos e pessoas de outras nacionalidades interessados em “divulgar a produção de idéias que visam a reconstrução, o progresso e o desenvolvimento sustentável de Angola, bem como o intercâmbio acadêmico-científico entre estudantes, cientistas, pesquisadores, acadêmicos e atores da sociedade civil e governamental para debater questões do interesse desse rico e potencialmente influente país, localizado na África Austral”. Assim se lê no folder do evento. É um verdadeiro “onjango”.

Eu estou cá para divulgar o meu trabalho intitulado: “Desenvolvimento de revestimento contra o fenômeno de carburização e erosão metálica (metal dusting) para a indústria petrolífera.”. Mais informações o leitor pode acessar: http://www.angolanistas.org/.


Cá, estou conhecendo vários leitores do club-k.net. A maior discussão é saber o que vou escrever nesta segunda parte. Uma leitora pediu-me para enviar recado a “Eu mesmo da Silva” que escreveu “aqui (em Angola, as coisas) mudaram muito, uns para pior e outras para melhor”. O que queremos é que tudo mude para melhor, mas para todos.

Para contar-vos tudo, preciso fazer um artigo à parte. Primeiro porque teria que falar da viagem de 676 km que percorri em 8 horas e fornecer-vos mais detalhes como certa vez fez um colega, que muito cito, que viajou de Toronto até Calgary. Em segundo lugar, estou numa “Lan house”. Eles cobram muito caro, US$ 1,00 por duas horas de uso.

Quero agradecer as palavras de João Kiala, Maria, J.P.Lopes da cunha, Pedro/Belgica, Ondaka Yasunga, Felisberto Damba, ao Filho de agricultores no Uige, João Muhongo Paulina Frazão e outros comentadores. Caro Bufonegro, o presidente Lula tem um programa semanal radiofônico chamado “Café com o presidente”. Lá ele expõe todas as preocupações de brasileiros e, de vez enquanto, é sabatinado pela imprensa. As perguntas não são combinadas. Se Lula, que foi eleito democraticamente, faz isso, imagine então como eu deixaria de responder aos leitores? Prezado “Chateado” não fique chateado por isso.

Prezada Ya Towala, sobre Viana que eu fiz referência no artigo anterior, todas as pessoas que me recomendam algum lugar bom para se viver, afirmam que Viana, tirando a unidade prisional (estou a saber agora que Graça está livre), é a cidade com melhor qualidade de vida. Entretanto, outras afirmam que é o local onde a pessoa acorda cedo para ir ao trabalho, 4 horas, e chega tarde ao serviço, 9 horas. Falando mesmo sério, eu não gosto dos agitos de cidades grandes. Eu quero viver no interior: Uige, Cabinda, Luena, Benguela, Lubango, Namibe, Huambo, Malanje, Ondjiva, sei lá.

Eu, durante boa parte da minha vida, fui, fervorosamente, do MPLA. Fui bem doutrinado na teoria do marxicismo-leninismo. Fiz parte dos primeiros “pioneiros” que pegaram em armas. Depois veio a OPA (organização dos pioneiros angolanos) que ficava marchando. Eu cheguei a criar uma “travagem” aos sul-africanos que se espalhou por todo país. – marcar passo! –enfrente marcha! Uma travagem aos sul-africanos, arens ?

Quando o Sporting de Portugal fez uma excursão a Angola, ganhou do 1o de Agosto em Luanda, ganhou da seleção da província de Benguela e empatou com a seleção provincial do Huambo (1x1), lembram? Eu acompanhava os relatos no escritório montando estratégias políticas. Nós andávamos naqueles IFAs de 4 rodas.

Eu conhecia aqueles hinos de cor e salteado: “quero, quero, quero ser soldado, veste a farda, veste a farda...”; “Um de dezembro é o dia do pioneiro angolano; nesse dia morreu o pioneiro, o pioneiro herói do MPLA”; “Africa oye, oye, oye, Africa oye, oye , oye. Eu orgulho-me de ser africano, nossos antepassados resistiram aqui, filho legitimo do mundo ..”; “eu vou morrer em Angola, com armas, com armas de guerra nas mãos, granada, granada será meu caixão, enterro, enterro será na patrulha”. “Nós somos do MPLA pioneiros, nós somos pioneiros angolanos.”

Eu obrigava os meninos, a saber, de cor os lemas de cada ano. Por exemplo, 1978 foi o ano da agricultura (foi ano de muita fome); Nas Empas (lojas do povo) não tinha nada. 1979 foi ano da formação de quadros; veio depois ano de disciplina e controlo e assim por diante.

Em seguida fui promovido à JMPLA. Aqui já cantávamos “com o povo heróico e generoso, no combate pela independência, nossa voz por Angola ecoa, e faz recuar a tirania; decididos, unidos marchamos, alto facho, levado aceso, MPLA, vitória é certa, pelo povo, todos ao ataque...”.

Fiz também parte da BPV (brigada popular de vigilância), com uma AK-47 calibre 7.62 x 39mm. Ainda bem que não fiz nenhum disparo.

Nesse momento resolvi estudar. Tinha boa habilidade em artes plásticas. É muita pena que a escola não soube estimular o meu lado artístico. Os meus desenhos foram publicados, agora não lembro bem da instituição, mas acho que era INALD. Isso era privilégio dos melhores desenhos do país. Fui chefe da Associação dos Estudantes do Ensino Médio. Naquela época nós pregávamos que a exploração do homem pelo homem acabaria em Angola. Pura utopia. Estamos na lata até hoje, enquanto os outros já possuem poços de petróleo.

Alguma coisa começou a me chamar atenção. Quando éramos rusgados, pela manhã, nos levavam ao CRM (Centro de Recrutamento e Mobilização). O que acontecia? A partir das 14 horas, entrava o Delegado de alguma coisa levava o seu filho. Depois vinha o outro delegado e levava o outro. No final da noite só nós que não éramos filhos de delegados que permanecíamos lá. De gente grande que teve filho na tropa, que me vem à memória, foi o de Kundi Paihama, mesmo assim para escola de Oficiais, no Lubango, se não me engano. Fazer guerra somente com filhos dos outros é muito fácil. Eu resolvi ser professor. Já vos contei isso.

Os que mandavam em Angola eram: Neto, Carlos Rocha Dilolwa, Maria Mambo Café, Ruth Neto, Lúcio Lara, Lopo do Nascimento, Pacavira, Ambrósio Lukoki e outros. Na morte de Neto, nós controlávamos os pioneiros que brincassem. Por 45 dias, era proibido jogar bola e brincar. A rádio Nacional só passava música solene com a inserção de algumas mensagens: “glória eterna ao fundador da nação e do MPLA-PT”. Muita gente boa que diz ser do MPLA não passou por isso, talvez nunca nem ouviu falar disso.

E a história hoje se repete. Só tem acesso à educação uma minoria. É essa minoria que continuará mandando. No entanto, se hoje, Angola for invadida por uma força estrangeira, espero que isso não aconteça, eu serei o primeiro a sair do Brasil para ir à frente do combate. Agora, os irmãos têm e precisam saber conversar e não um combater o outro. Parece que nisso ainda precisamos aprender muito.

Quando eu falo do MPLA, em primeiro lugar o faço por conhecimento de causa. Em segundo lugar porque é o MPLA que está com a faca e o queijo. Administrou o país em época de guerra e em época de paz. Foi mais eficiente na primeira parte. Agora só vemos intrigas, um querer abocanhar a maior parte do bolo, enfim. Daqui a pouco um vai engolir o outro. Ninguém mais confia em ninguém. Isso é o fim do MPLA que tanto dei suor.

Isso não traz mágoa nenhuma. Mas ajudou-me a tomar um outro caminho. Eu mudei de idéias e hoje sou feliz. Diz o velho pensamento: “triste não é aquele que muda de idéias, mas aquele que não idéias para mudar”. Espero que ninguém no futuro venha se lamentar.

Agora devemos olhar para frente. O que queremos é transformar os números em melhoria da qualidade de vida, prezada “Eu mesmo da Silva”. Angola deu passos que devemos louvar: a estabilização macroeconômica e o próprio crescimento econômico. Eu sempre bato na mesma tecla. Invistamos no capital humano. Isso é que fará diferença. Nenhum partido obterá êxito se não investir no ser humano. Precisamos de pesquisadores angolanos; precisamos de quadros capazes; Isso não cai do céu. Ontem batemos na tecla de discrepânciassalariais entre nacionais e estrangeiros. Hoje já se está noticiando que o governo vai rever rever isso. Quem sabe que venham nos ouvir também?

Se, por ventura, existem pressões externas para que o governo controle os gastos públicos, é simples. Vamos construir escolas em regime de mutirão. Eu participaria de um mutirão doando tijolo, um saco de cimento, fazendo adobes, na alvenaria e onde fosse necessário para levantar as paredes de uma escola que beneficie meu filho. As igrejas fazem isso.

Sobre artigos que cobram alguma postura da UNITA, eu já li vários. Por exemplo: Jorge Eurico escreveu recentemente “Velhas novidades de uma UNITA à deriva”; Pedro Veloso, UNITA, qual é a sua posição? José Maria Huambo escreveu, “UNITA: Uma Oposição «Fantoche»!”; “BSantos escreveu, “Unita vs oposição”; São artigos extremamente equilibrados. E não só eles que escreveram sobre a UNITA. Tinoconeco arrasou com o seu artigo “ Kwachas, como ganhar confiança em vocês? Isso para não falar de Nelo de Carvalho.

Eu quero mudanças. Como criticar partidos que são opções de poder? Se eu apresentar críticas ao governo e aos partidos da oposição, então o que mais querer da vida? Por isso que nunca fiz artigos sobre a FNLA, PLD, Pajoca, PSD, PRD, FDA, PNDA, PADEPA, PRS, PDP-ANA, AD-Coligação, da UNITA, e outros partidos. A esperança de mudanças está nesses partidos. Se esses partidos, neste momento político estão calados, pode ser estratégia deles. Eles estão na boca do leão. Não sou eu que vou explicar isso. Seria o caso dos colegas que estão em Angola, na Holanda e outros lugares investigarem essa situação. Eu não sou super-homem. Eu não sou omnisciente nem omnipotente.

Estamos aqui fazendo uma tempestade de ideias. A solução de todos os problemas nossos passam pela contribuição de cada um. O que seria se todos fizéssemos medicina ou engenharia?

Espero que dentro de dois ou três anos eu tenha a satisfação de um fazer um artigo mais ou menos assim: “Presidente Samakuva invista em educação ou desista da presidência da República” ou “ Carlos Leitão (ou o outro) não cometa mais o erro” ou “Alexandre André agora é a sua vez, mande ver” ou “Ngola Kabangu ou Lucas Ngonda agora o povo no poder”.

Caro Ticonenco, não sou filiado a nenhum partido político. Mesmo que eu quisesse, nenhum me aguentaria por dois meses. Prefiro seguir minha carreira independente.

Gosto de comparar a política ao futebol. Precisamos ter equipes fortes e competitivas. Gosto de assistir lindas partidas. Há rivalidades, mas enquanto a partida durar. Depois disso, somos todos irmãos, com os mesmos direitos de oportunidades.

No Brasil, o Vasco e Flamengo são equipes rivais. Mas, se o técnico historicamente ligado ao Vasco for convidado a dirigir a seleção nacional, convoca também jogadores Flamenguistas e de outras equipes. Nenhum vascaíno deixa de comemorar um gol feito por um jogador flamenguista. Como explicar isso?

Esse espírito nos falta. Nós gostamos muito rotular pessoas e associá-las a este ou aquele partido. Bastou o Ticonenco afirmar que viveu no Huambo, um leitor comentou: “brother, o doutor então é da UNITA”. O indivíduo vale mais se for deste ou daquele partido; se nasceu nesta ou naquela província. Se é ou não doutor; se é ou não mulher; se é ou não da diáspora; se o seu teste de HIV deu ou não positivo. Por sinal gostei da crónica de Elizabeth Fernandes, uma verdadeira aula de cidadania.

Nessa confusão toda, eu me identifico com um jogador da seleção. Sou homem do mundo, livre até de escolher assunto a abordar. Imagino que salada seria se uma nutricionista resolvesse falar do Princípio de Relatividade de Einstein? Eu prefiro falar daquilo que domino, nem que seja um pouco.

Talvez algum dia me aproxime de um deles assim que tivermos PMPLA, PUNITA, PFNLA, PFDA etc. ou então troquem de nomes. Mas, me libertei do complexo segundo o qual a vida só faz sentido se estiver vinculada a um partido político, ou para manter aparências. Assim deixei de fazer parte de estatísticas de pessoas que vêm a esse mundo só para cumprir um ciclo de vida. Nascer, crescer, casar, ter filhos, muitos filhos e morrer. Alguém sabe a expectativa de vida de um angolano?

Não escrevo para pedir emprego ou procurar fama. Estou mostrando que eu mudei e minha vida mudou. Se eu consegui, qualquer um pode conseguir. Se o indivíduo aceita ou não, todos temos livre arbítrio. O importante é que depois ninguém se arrependa, enquanto poderia ter lutado por um mundo melhor. Eu seria muito egoísta se deixasse isso só para mim. Nunca pedi para que alguém passasse a usar bebidas ou drogas.

Ah, tem mais. Se o governante não quer ser criticado só lhe resta dois caminhos: trabalhar e mostrar resultados ou vai plantar batatas. Vou ao Aeroporto do Galeão visitar o jovem angolano detido lá há 14 dias. Acabou o meu tempo. Fui claro, caro Ticonenco?

*Feliciano Cangue

Fonte: Club-k.net (Ver também comentários dos leitores)



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