Profusamente abordada na última edição deste jornal, a letargia da Oposição política em Angola é algo que de facto brada aos céus. Mas é de elementar justi-ça acrescentar que muita dessa inércia também tem a mão do próprio MPla.
Na realidade, na incipiente democracia angolana, o jogo político não tem sido nobre, ou simplesmente normal. Tem sido sistematicamente pervertido e enviesado pelo partido no poder, que não se tem eximido de recorrer a artifícios e manobras, para não apenas reduzir o campo de manobra, como até mesmo asfixiar os adversários políticos.
Veja-se, por exemplo, as frequentes dissensões inter-nas que acometem os partidos opositores, com a Unita incluída. Há que reconhecer que é um esforço que os tem privado de tempo e energia para se dedi-carem a fazer oposição política como deve ser. Aparentemente, tal fenómeno pode ser atribuído sobretudo às debilidades organizativas evidenciadas por esses partidos, mas na verdade também é fomentado de fora para dentro por acção do pró-prio MPla.
É difícil de entender que mi-litantes de partidos de diminu-ta dimensão – como são quase todos eles, com direcções que segundo o anedotário político nacional caberiam inteirinhas num «starlet» – vivam perma-nentemente à bulha uns com os outros, e o ambiente numa or-ganização política como o MPla seja de «eterna pacatez» entre os milhões de adeptos que diz ter, todos como um rebanho vergado a voz de um só pastor. É qualquer coisa de inimaginá-vel mesmo à luz de um elemen-tar cálculo de probabilidades. Daí que faça todo o sentido concluir que as lutas intestinas que têm assolado os partidos da oposição em Angola sejam de-liberadamente induzidas pelo próprio MPla.
O cenário produzido pelas últimas eleições foi qualquer coisa de «kafkiano» e digno de desafiar teorias no âmbito da politologia, não apenas pelo «score» abismal que houve en-tre vencedores e derrotados. Do dia para a noite, por exemplo, praticamente vimos o PadePa desaparecer do firmamento político, uma formação política que, no quadro dos partidos emergentes, era somente a que indiscutivelmente possuía maior capacidade mobilizado-ra, sobretudo nos meios juvenis dos super-populosos subúrbios de Luanda.
Carlos Leitão, o líder inquestionável da organização, passou a confrontar-se com um adversário interno saído do nada, o secretário-geral Silva Cardoso. E no culminar de um processo jurídico mirabolante, Leitão foi expelido do partido, que ficou às rédeas de Silva Cardoso.
Agora, feito o balanço dos estragos provocados pelo «tufão» que passou sobre essa formação de jovens turcos da Precol, vemos que dele pratica-mente nada resta. Carlos leitão foi remetido às boxes, não sendo crível que tão cedo venha a estar refeito da pancada que levou, enquanto Silva Cardoso, que reclamou de forma espa-ventosa a liderança do PadePa, sumiu literalmente do mapa. E com ele, desapareceu também a própria organização, que nou-tros tempos seguramente não teria deixado passar em branco, sem se fazer ouvir, a onda de demolições e outras arbitrarie-dades que o Estado tem promo-vido.
É mais ou menos consabido, nos círculos políticos nacionais, que foram os tentáculos do partido no poder que vergaram a Frente para a Democracia (FpD), uma formação que mesmo não estando vocacionada para seduzir e galvanizar as grandes «massas», tinha porém suficiente bagagem intelectual para despertar as franjas de eleitores politicamente mais esclarecidos da grande urbe luandense, muitos dos quais se têm revelado nitidamente desencantados com os rumos trilhados pelo país sob a batuta do MPla.
Ainda visivelmente aturdida pelo fracasso das legislativas do ano passado (está entre os partidos extintos por não terem conseguido transpor a fasquia de meio ponto percentual dos votos escrutinados), a FpD prepara a sua «rentrée» política sob nova designação, mas já se sabe que não será fácil essa empreitada.
Prosseguindo, porém, há que dizer que é anterior à realização das últimas eleições legislativas a cruzada levada a cabo pelo «regime» para implodir os outros partidos ou, ao menos, levá-los a um completo desgaste e erosão das suas estruturas e principais figuras. Falamos, por exemplo, do opúsculo sofrido pelo PdP-Ana depois da desaparição do seu líder-fundador, Mfulumpinga Landu Victor.
A sua morte mantém-se como um dos grandes enigmas forenses deste país, mas o argumento político como um provável leit-motiv que estará na esteira do caso continua a não ser descartado. Ou, pelo menos, continua a alimentar certos «detectives» do universo político angolano, inconformados com o fac-to das autoridades policiais do país não terem até hoje, passados cinco anos, avançado uma explicação verosímil para a morte de «Stinger», alcunha por que também era conhecido o fun-dador do PdP-Ana. É iniludível que essa formação nunca mais foi a mesma com a saída de cena de «Stinger». Sediangani Mbimbi, o sucessor, não consegue fazer-lhe a vez, além de que se nota igualmen-te um claro «vazio» na actuação da própria oposição no Parlamento, tribuna em que Mfu-lumpinga tinha frequentes intervenções enér-gicas contra o «sistema», sendo deste ponto de vista o político que estava na dianteira da «frente norte», isto é, entre os bacongo.
Aliás, também se tem conjecturado que Mfulumpinga era nos últimos tempos de vida uma espécie de «factor x» para a reanimação das organizações políticas desta matriz étnica (por sinal, a maioria no país), enfraquecidas com a erosão sofrida pela Fnla, que é fruto não apenas das actuais lutas intestinas que a têm sacudido, como também das sucessivas san-grias que se foi abatendo sobre a sua lideran-ça, à medida que os seus principais dirigentes foram saltando do barco na esteira do chama-do «processo de clemência».
Modus operandi ancorado no intelligence e na media
Ao recensearmos os méto-dos de esvaziamento dos adversários políticos, con-cluímos que persiste uma velha prática do «modus operandi» do MPla: o envolvimento das estruturas de inteligência e segurança do Estado para apoiar actividades de natureza político-partidárias. De facto, há indícios de que tal prática não terá sido desmantelada (para usar uma co-nhecida terminologia «aparatchick») com o advento do multipartidarismo no país, tendo, antes pelo contrário, conhecido uma maior sofisticação.
Continua a haver levantamentos de «intelilligence» que servem para apoiar decisões políticas do partido maioritário. Cidadãos, partidos políti-cos, organizações sindicais e da socie-dade civil têm sido sistematicamente vigiados pela máquina securitária do Estado, que está fortemente atrelada ao MPla.
Se isso foi um procedimento tolerável e compreensível em ambiente de guerra civil com a Unita no passado (quando a organização de Savimbi tinha a sua própria secreta, a BRinde), tal já não é minimamente inaceitável em tempos que devem ser de aprofunda-mento da democracia.
Além dos serviços de inteligência, muito do «modus operandi» do maior partido angolano também continua solidamente atrelado aos meios de comunicação social públicos, que servem de caixa de ressonância da sua propaganda, ao mesmo tempo que procuram reduzir ao máximo o espaço de intervenção às organizações políticas da oposição.
Entre vários exemplos, recorde-mos somente as denúncias do jornalista e pivô da TPa Ernesto Bartolomeu e do núcleo do Sindicato dos Jornalistas Angolanos na Rna. Em tempos, no Jornal de Angola chegou a haver uma directiva para as matérias referentes às actividades da Oposição não serem acompanhadas de fotos dos políticos de tais partidos.
Assinale-se, finalmente, a partidarização das instituições do Estado, onde os cargos e carreiras estão via de regra condicionados à filiação no MPla, em conformidade com o princípio sectário dos «jobs for the boys». Isso tem inibido sobremaneira os jovens quadros do país de ingressar nos partidos da oposição. Nenhum líder de topo destes partidos encontra espaço para uma carreira nas instituições do Estado ou nas grandes empresas públicas. As excepções apenas confirmam a regra...
O Ême, «lui même»...
Enfim, as práticas que caracterizam actualmente o MPla contêm em si mesmas as sementes que não só reduzem o espaço de manobra dos partidos opositores, como também constituem um entrave para o avanço da construção democrática no país.
Basta ver que a maior força política tem um projecto de renovação do seu quadro dirigente que nem por isso tem significado maior abertura e democraticidade inter-na. Bem analisado, muitos dos princípios estalinistas que imperavam no passado permanecem como traves mestras das suas actuais estruturas.
Falou-se muito em injecção de sangue novo na sua bancada parlamentar, mas bem analisada a mudança foi apenas cosmética. Ainda há lá incrustado algum conser-vadorismo ao nível de prática e funcionamento. Os jovens que ingressam hoje no partido não o fazem tendo na mira ideais e valores fundados no bem colectivo, mas única e exclusivamente para singrar em termos individuais.
O que se passa é que todos os sectores do partido resignaram-se aos ditames de um núcleo dominante que proclama que se cerrem fileiras em torno da figura do Chefe. No fundo, este é o maior compromisso do MPlados dias de hoje. Lui même...
Fonte: Semanario angolense (Ano VI - Edição n. º 325, 18 a 25 de Julho de 2009)
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