Deputado do MPLA e jornalista
Tenho afirmado muitas vezes, em diferentes ocasiões, que a cultura autoritária é ainda muita forte em Angola, por razões históricas e objectivas. O caldo autoritário nacional provém de três raízes: a cultura autocrática “tradicional” (ou seja, rural), o colonial-fascismo e o modelo marxista-leninista adoptado nos primeiros 16 anos de independência.
Esse problema não tem partidos: atravessa horizontalmente toda a sociedade; a rigor, começa no interior dos lares.
A construção da democracia angolana tem de ser entendida, pois, como um processo. Afinal, e parafraseando o mais do que manjado aforismo, Roma e Pavia não se fizeram num dia. Uma corrida de obstáculos – eis a imagem que me ocorre para representar esse processo. Precise-se: uma corrida de fundo.
A seguir, procurarei abordar, de maneira aleatória e resumida, seis obstáculos que, na minha opinião, é preciso superar para a edificação de uma genuína e responsável cultura democrática em Angola.
O primeiro é a tendência para a pessoalização. Isso tem dois aspectos: por um lado, toda e qualquer crítica é considerada pelos visados (ou pelos seus próximos) como um ataque pessoal; por outro lado, muitas críticas possuem, realmente, uma motivação pessoal, que roça muitas vezes o preconceito boçal (em regra, quando os seus autores são incapazes de formular argumentos a favor das suas teses).
O segundo é a teoria da conspiração. Há ainda muita gente que vive no clima pré-anos 90 do século passado e vê “inimigos” em todo o lado. Destacam-se, entre nós, certos consultores de comunicação mandados vir do estrangeiro e que, nos seus relatórios semanais, levantam hipóteses estapafúrdias acerca de “conspirações” que só existem na sua cabeça.
O facciosismo é o terceiro obstáculo. De facto, ainda é excessivamente frequente ajuizar e valorizar as opiniões conforme a “cor”, em especial partidária, mas não só (também de grupo, por exemplo), dos seus autores. A opinião dos “nossos” é considerada sempre válida, enquanto a dos “outros” é desqualificada ab limine.
Uma variante do facciosismo é o corporativismo. Esse é o quarto obstáculo a ultrapassar para a construção de uma verdadeira cultura democrática entre nós. Os jornalistas de carteirinha que me desculpem, mas essa classe – que tem um papel crucial na edificação da democracia em qualquer sociedade – é uma das mais afectadas pelo espírito corporativista.
O quinto obstáculo é a dependência dos cidadãos, individualmente ou organizados, das macro-estruturas sociais (Estado, partidos, etc.). Isso merece um estudo sociológico aprofundado, que, como é óbvio, não cabe aqui. Mencionarei apenas, entre as várias causas dessa dependência, a estrutura salarial predominante quer no Estado quer em muitas empresas (salário de base reduzido, compensado com subsídios e regalias), assim como a relação clientelar entre a maioria das empresas e o Estado.
Esses dois factores – sem esquecer, claro, as cumplicidades e jogos de interesses, que, como em qualquer outra sociedade, também existem entre nós – limitam a autonomia e a capacidade crítica dos cidadãos, incluindo a desse importante segmento da sociedade civil, que são os empresários. Por isso, a reacção de alguns deles às recentes medidas económicas do governo pode ser vista como um sinal de que, contrariando os mais cépticos, a construção da democracia em Angola está a avançar.
Enfim, o sexto obstáculo que não posso deixar de referir é o recurso ao anonimato para proferir e defender opiniões. Na maioria dos casos, isso serve apenas para acobertar ataques soezes e mesquinhos, intrigas, insultos, calúnias e difamações, ou seja, verdadeiras agressões que, em nome da democracia, a pervertem completamente ou mesmo impossibilitam". (...)
Fonte: Angola24horas
Angola deve construir a democracia o mais rápido possível. Não devemos "processar" a tudo. Angolanização é um processo... Agora a demoracia também é um processo. Lendo artigos de opinião de muitas pessoas é interessante ver a mudança de visão. Na época da formação da lista para deputados e eleições muitos viam "inimigos" em tudo que não fosse da situação. Para todos efeitos vale a aquela máxima: "triste não é mudar de idéias, mas é não ter iédias para mudar".
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