No decurso da sua estada no Ghana, barack Oba-ma fez uma observação que terá sacudido as peias das velhas hierarquias africanas, sobretudo as que se situam a sul do deserto do Sara. Foi quan-do, entre muitos dos seus reparos, afirmou nomeadamente que o futuro de África deveria assentar mais na construção de instituições fortes do que em indivíduos poderosos. É indiscutível que o presidente americano está coberto de razão e, por esta altura, há por certo muitos líderes africanos a entreolharem-se, completamente embaraçados. E nisso se incluem os angolanos porque a carapuça também lhes serve.
Com a mesma linguagem franca e directa com que conquistou os eleitores americanos, no fundo o que Barack Obama quis dizer é que os países africanos estão no estádio em que estão porque os indivíduos têm mais poder do que as instituições. A pretexto de uma cultura idiossincrásica que releva a figura do Chefe, na verdade os líderes políticos africanos têm tirado o máximo proveito disso. Desvirtuando as constituições, atribuem-se a si próprios poderes que nem os tribunais e os parla-mentos, por exemplo, possuem.
A fragilização das instituições em detrimento dos indivíduos constitui-se assim numa inversão de lógica que tem conduzido às situações nefastas que todos conhe-cemos. Os países africanos vivem com as eleições permanentemente «penduradas», pois o ciclo eleitoral é aleatório e obedece a interesses individuais das elites políticas. Isto traz os cidadãos em inquietude constante. Não é o que acontece em paragens com democracias consolidadas. Aí as instituições são fortes e, deste ponto de vista, os cidadãos podem dormir tranqui-los com o dia seguinte, sem preocupações existenciais com quem for eleito, pois este tem de operar em estrita conformidade com os marcos institucionais. A estabilidade é garantida de antemão pelas instituições que são transversais às lideranças políticas.
Na realidade, os resultados em África têm sido ainda mais ca-tastróficos, quando as nações do continente entram em perigosos contra-ciclos mal acontece o de-saparecimento físico dos líderes. É isso que apesar da aparente-mente divertida e inofensiva má-xima «debruyez-vous», pregada por Mobutu Sesse Seko, o antigo Zaire esteve à beira de um total esfarelamento. Assente na figura de Hophouet-Boigny, a Costa do Marfim entrou numa espiral de conflito que a levou a perder o epíteto de «Suíça de África» logo que o velho chefe de estado desapareceu. Até ao momento, no Gabão, a morte de Omar Bongo continua a ser uma indecifrável incógnita para o seu futuro.
Todos os recados contidos no reparo de Barack Obama são também válidos para o nosso país. Angola não é inocente. Basta ver o que está a suceder com o ante-projecto constitucional do MPLA, claramente uma proposta que visa dar pro-visão aos interesses de um restrito núcleo de indivíduos, em detrimento das instituições do país, tribunais, parlamentos, governo, etc., etc. É essa mesma lógica que determina a febril onda de comissões ad hoc em que se mergulhou, de sorte que é possível conjecturar-se que nem mesmo a Presidência da República saberá quantas exis-tem e quantas já foram extintas. Não há como deixar de concluir que o Presidente da República criou ao seu redor uma equipa que se sobrepõe às instituições existentes.
De resto, quem é que dita o adiamento das eleições neste país? Não são as instituições – Assembleia Nacional ou Comissão Nacional de Eleições. É a vontade de um indivíduo a sobrepor-se a tudo o resto. Não é por acaso que o país está ansioso por saber se José Eduardo dos Santos concorrerá ou não, e se não quem será o seu sucessor. É porque os indivíduos é que são determinantes na equação do país, quando o acento tónico devia ser colocado nas instituições.
Ora, quando se diz em Angola que José Eduardo é o garante da estabilidade, também se está, implicitamente, a admitir a validade do reverso. Ou seja, que sem ele o caos instalar-se-ia irreversivel-mente no país. Não é verdade e tudo isso só confirma, em suma, o acerto do exercício que o Semanário Angolense vem efectuando há umas edições, alertando que o facto de o poder em Angola estar quase totalmente concentrado nas mãos do titular da Presidência da República, encerra mais perversidades que virtudes. Por essa razão igualmente, e na esteira do «sermão» feito aos africanos por Barack Obama, este jornal dedica um dossier ao assunto, trazendo ao de cima alguns dos aspectos que estão em íntima correlação com ele. ■
Algumas interrogações
Quem é que dita o adiamento das eleições? Não são as instituições – Assembleia Nacional ou CNE. É a vontade de um individuo que é determinante.
Comissões ad hoc que se sobrepõem às instituições existentes (Provavelmente nem a própria Presidência da República hoje saberá quantas existem, quantas já foram extintas, etc).
O PR criou em seu redor uma equipa que se sobrepõe às instituições existentes.
Por que é que o país está ansioso por saber se JES concorre ou não e se não quem será o seu sucessor? Porque os indivíduos é que são determinantes
Fonte. Semanario angolense (25 de Julho de 2009)
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