Tinha a receber uma encomenda, enviada por um amigo. Este deu-me conta do facto, ao mesmo tempo que me indicou quem a portaria, para ma fazer chegar.
Puxei do telemóvel e liguei para a portadora. Depois de me instruir em como chegar ao edifício onde trabalhava, a senhora detalhou que, assim que eu lá estivesse, pedisse “para falar com a doutora Marieth”.
A referência ao grau académico não me surpreendeu, porque não se tratava da primeira vez que me era impingida. Não é de hoje que muitos quadros se batem para que, ainda que sejam apenas licenciados, se lhes chame “doutor” ou “doutora”, como se não tivessem nome ou apelido.
Alguns fazem-no na busca do reconhecimento público, por se terem formado, e, assim, conseguir diferenciação. Outros esperam, por via do título, ser respeitados ou até temidos.
No fundo, procuram valorização.A mim, particularmente, já chamaram doutor, talvez por pessoas que se tenham visto forçadas a tratar alguém dessa maneira e estejam agora de sobreaviso, para que não se repita a cena. Declinei!
O respeito e a consideração que merecem o próximo não devem ser consequência directa de um diploma. Por outro lado, sou também avesso à ideia, porque a licenciatura ou o doutoramento são partes de um processo natural.
A escola ensina que “o homem nasce, cresce, reproduz e morre”. A formação, embora omissa, é também parte integrante deste ciclo, que nem todos conseguem completar.
Alguns não chegam sequer a nascer; outros não crescem; outros ainda não reproduzem.Logo, só a morte é certa. Assim, é possível que alguém chegue à idade adulta sem formação superior ou até média, devido a uma qualquer adversidade.
O normal mesmo é as pessoas se formarem, sem terem, depois, a tentação de fazer alarde do canudo que portam.Entre nós, a vaidade pelo doutoramento não se limita ao convite para que chamemos “doutor”.
Estende-se a jornais e revistas, onde licenciados, metidos dentro de togas ou sotainas, buscam espaços para se mostrarem à sociedade, qual cientistas a anunciar descobertas em benefício da humanidade.
É, também, ouvir, dentro de instituições, colegas que cruzam nos corredores e se saúdam,sendo “doutor” o inevitável vocativo.
Uma licenciatura ou um doutoramento dá direito a comemoração, o que não merece dúvidas. É um investimento em anos de estudo, tempo, dinheiro e não se sabe o que mais.A própria sociedade retira benefícios. Ainda assim, não deixa de ser uma realização pessoal, cuja comemoração deve engajar familiares, amigos e poucos mais.
Portanto, a sociedade não precisa de ser sobrecarregada com o conhecimento de que nasceu mais um doutor, que ainda por cima insiste em que assim seja chamado.É normal que se chame doutor a quem tenha alcançado o grau. Ao médico, toda a gente trata assim. Chega-se até mais longe.
O Dicionário Universal, por exemplo, chama doutor à “forma de tratamento social que se dá a qualquer indivíduo bacharel ou licenciado”. Acho correcto, desde que ninguém seja obrigado a isso, como acontece por cá.
Aliás, o mesmo dicionário dá também a doutor “homem com presunções de sábio”. São, se calhar, os tais!O problema, entre nós, é que se assiste a uma corrida desenfreada às universidades.
Talvez Angola ainda viva os efeitos da explosão escolar, que eclodiu há uns 15 anos. Só que no mau sentido. Muita gente está mais preocupada em ter o diploma à tiracolo e o propagandear para onde quer que vá, sem se perguntar sequer se tem mesmo a “bagagem” que o documento que o arrasta faz crer.
A expulsão de falsos licenciados de algumas instituições é prova disso.
Fonte: JA / Angola24horas.com
Não faz muito tempo que escrevi:
"Não assuma o título de Doutor em vão"
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