A minha posição é muito definida: não há necessidade que tenha formação superior. Já não diria o mesmo em relação à população. Esta sim. A verdade, verdadeira, é que pouca gente consegue explicar com a necessária clareza o que se esconde nessa discussão.
Poucos parágrafos são suficientes para colocar o que há de principal, nesse pensamento. Quem exige formação superior a um ministro, provavelmente, adere à idéia de que a sua falta representa a falta de cultura e, portanto, assume a tese de que o diploma superior é sinal de inteligência. Os antropólogos já demonstraram que não há grupo humano sem cultura.
Em qualquer país, o acesso ao ensino superior é uma maneira encontrada para a ascensão social de uma pessoa. Na prática, o objetivo da universidade é preparar pessoas da elite para enquadrá-las no sistema social vigente. Assim, o ensino superior constitui-se em privilégio de uma classe social. Assintoticamente, a universidade na sua concepção elitista é excludente; é fechada. O erro dela é o seu elitismo, mantido num sistema injusto de seleção e se cristaliza na alienação dos seus conteúdos de ensino.
Se analisarmos o ensino superior angolano, dentro do contexto do seu surgimento, perceberemos que o mesmo foi instalado com o intuito de atender aos interesses de uma pequena minoria privilegiada, sem abrir à grande maioria a oportunidade de acesso a ela. Os senhores já notaram a dificuldade que nossos (alguns) doutores têm em emitir alguma opinião? Tudo dito na terceira pessoa; atribuem a idéia principal a outro pensador ou mencionar entidades amorfas: a diretoria poderá se manifestar em breve ou vossas preocupações foram anotadas e serão levadas para a direção superior etc. . (pior que isso é quando o palestrante pede para que as perguntas sejam feitas de uma só vez para que, de igual modo, sejam respondidas de uma só vez, evitando assim a réplica)
Assim, como cobrar curso universitário de um simples cidadão preparado para a vida desde a fase intra-uterina? A atual universidade não prepara o homem para a vida. A universidade tem falhado. Ela não leva o conhecimento útil à sociedade. Falta de centros de pesquisas, professores que não publicam trabalhos, nem que seja para dar uma opinião no “club-k.net”. Cobrar diploma é um pretexto para a discriminação social.
Além disso, a universidade não faz pesquisa. Se a universidade não faz pesquisa, como pode gerar e promover conhecimentos que possam servir à população deixando que o conhecimento resultante da mesma ultrapasse os muros da universidade? Sem a pesquisa, o próprio ensino é enfraquecido, uma vez que ela serve para alimentar a sua agilização. Há poucos dias soube de uma manifestação de estudantes cansados de serem apenas “cópias”. Eles queriam ser originais. E estão cheios de razão.
A universidade está em crise. Do ponto de vista prático são visíveis: restrições orçamentárias e financeiras; perda real do poder aquisitivo dos salários; mestres que não querem ensinar (quando sabem) e discípulos que não fazem esforço para aprender; tendência de cada professor em achar que sua área de especialidade é fundamental para a formação do aluno; sobrecarregar o aluno com créditos do próprio curso é a severa restrição, pois isso limita o aluno a cursar disciplinas fora do curso de origem; falta de bibliotecas etc. Há dias vi magníficas personalidades pregarem a autonomia administrativa, a autonomia financeira, didática, técnico-científica e política.
Por outro lado, uma coisa que o professor moderno, o doutor, deveria tomar consciência é da dupla necessidade imposta pela evolução tecnológica. Não deve transmitir o conhecimento com autoridade.
Recentemente, eu apresentei propostas sobre o que penso a esse respeito (angonoticias.com). Falei da universidade para todos, universidade aberta, universidades livres, criação e fortalecimento da extensão universitária e cursos de curta duração entre outras, para corrigir distorções como essas.
Para exigirmos que Ministros tenham diploma universitário é necessário a garantia de uma instituição tanto acadêmica quanto administrativamente melhor; da produção acadêmica de qualidade, apoiando institucionalmente projetos de ensino, de pesquisa e de extensão; respeito às opiniões, valores, idéias e posições políticas da comunidade; garantia permanente de espaço democrático nas avaliações críticas, nas discussões e na tomada de decisões; respeito ao corpo docente, técnico-administrativo e discente, valorizando os talentos, atuando sem perseguições e preconceitos de qualquer natureza e apoio às atividades estudantis; independência frente a partidos e organizações políticas.
No cenário atual exigir curso superior a alguém, a essa altura do campeonato, isso mais parece partir de segmentos que cansaram de esperar. Se bem que eu concordo que a função de Ministro ou outras não deveriam ser vitalícias.
Em resumo, reitero mais uma vez que, para exigirmos Ministros com formação superior precisamos de universidade que funciona a serviço de toda a sociedade, apresentando-se como instrumento privilegiado de modernização e de progresso intelectual, esfera da formação de sujeitos críticos e criativos dispostos a assumir o risco, revestindo-se dos atributos de agente impulsionador do desenvolvimento científico e da geração de tecnologia.
Última consideração. Eu gostaria de frisar que não estou, de modo algum, defendendo que Ministros não precisam ter curso superior. Não. O diploma deve ser estimulado. É confortável assistir a um Ministro com competência e a adequação discursiva nas mais variadas situações. O importante é que o Ministro com ou sem curso superior não deve ficar de mãos cruzadas. O diploma superior, hoje, tem validade de cinco anos. Provavelmente muitos que estão a discutir esse assunto já têm seus diplomas caducados. A rapidez com que se forma o conhecimento científico e técnico é assustador. O profissional do século XXI precisa de uma educação continuada. Caso contrário, aí sim concordo, anualmente, o Ministro ou outro profissional que não manifeste interesse nos estudar deveria ser submetido àqueles testes psicotécnicos utilizados pelas empresas petrolíferas.
«O poder e o saber»
Feliciano J. R. Cangüe
em 31 de Agosto de 2006
Fonte: Club-k.net
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