Imagine a seguinte situação. Você e seus colegas saíram para pescar. Pegaram uma canoa e remaram até algumas milhas mar adentro. Passaram a noite pescando. Para a vossa sorte conseguiram uma boa "pescada". Daqueles peixes bem grandes!. Isso seria motivo de muita alegria, certo? Afinal de contas teriam garantido o sustento da família e ainda o excedente poderia ser vendido e com o dinheiro investir, quem sabe, na educação dos filhos ou reformar a casa, aquele sofá ou comprar um computador, naturalmente com acesso à internet.
Mas, se no momento do regresso, todos alegres e, num determinado momento, vocês notassem o mar revolto e percebessem que a canoa iniciasse a fazer alguns mergulhos e a água começasse a invadir o seu interior aumentando cada vez mais o peso, o que um pescador experiente faria nessa situação?
Ele, com certeza, não daria tempo ao tempo para ver o que acontece. Não teria dúvidas: jogaria fora os peixes enquanto os outros retiram a água. É questão de sobrevivência. Nesse momento não cabe mais o sentimentalismo histórico. Não adianta mais saber se levaram a noite inteira para pescar ou não; ou se a família precisa daquele sustento ou não. O pior que pode acontecer é perder a carga e perder a vida. A família, nesse caso, ficará desamparada da mesma maneira. O prejuízo seria maior. Jogar fora o peixe é uma decisão dificil. Muitas vezes é difícil tomar uma decisão como essa.
Um caso clássico ocorre com águias. Dizem que a águia nasce com um bico e unhas maravilhosas. Mas, com o passar de tempo, o seu bico se alonga e se curva apontando para o peito. As unhas se tornam compridas e flexíveis. Assim não consegue agarrar nenhuma presa. Nessa situação a águia só tem duas soluções: ou morrer ou entrar a via dolorosa, “cortar na própria carne”, como gosta de afirmar o presidente Lula. As águias valentes, corajosas se refugiam até determinado lugar para começar o processo de auto-motilação. Cada águia começa a bater o bico contra rochas até conseguir arrancá-lo. Faz a mesma coisa com as unhas. É uma decisão difícil. Não adianta mais pensar proteger as unhas nem o bico, companheiros de longa data.
Num ano desses, o helicóptero que levava o filho de um dos maiores proprietários de uma rede de supermercados despenhou-se no mar, cerca de 4 quilômetros da costa. Os ocupantes, que usavam peças mais valiosas do mundo, tiveram que nadar. A primeira coisa que fizeram, foi se desfazer de jóias. Depois os calçados, jaquetas, camisas e bonés. Sobreviveram aqueles que chegaram com uma peça de roupa no corpo.
No Brasil, para sobreviverem, muitas instituições tiveram que tomar decisões semelhantes. Um caso que me vem à mente neste momento é a de uma universidade. O Ministério da Educação, com freqüência avalia o desempenho das universidades. Instituições e os alunos são avaliados. Cursos que, por três vezes, não alcançarem a pontuação mínima são fechados. O seus alunos são transferidos para outras instituições de ensino.
Na primeira avaliação, a Universidade teve uma nota vergonhosa. Isso preocupou a direção da Instituição. Procuraram encontar as causas. Segundo eles, o problema não poderia estar na Escola, porque esta oferecia excelentes instalações físicas, um excelente ambiente de trabalho, pagava em dia, possuia boa localização e de fácil acesso, enfim. Eles também concluíram que o problema não poderia ser do corpo docente. Na grande maioria eram professores fundadores, com 30 ou até 40 anos de experiência. Foram eles que projetaram o nome da escola.
Então a corda arrebentou para o lado mais fraco. Concluíram que o problema estava com os alunos que criticavam muito, pediam mudanças sem necessidade. Eles achavam que se mudava com prudência. As mudanças tinham que ocorrer devagar, sem sobressaltos. Os alunos reclamavam dos professores que usavam métodos combatidos pela moderna pedagogia. Eles se consideravam o centro do saber. O aluno tinha que responder como dado em sala de aula, não tinha que questionar o professor e ai de quem tentasse, a reprovação estava garantida. Os alunos se queixavam também do coorporativismo. Não adiante recorrer às instâncias superiores caso um aluno se sinta injustiçado por uma decisão do profesor ou correção de prova. A posição do professor era sempre mantida. Aquilo era uma panelinha.
Na segunda avaliação do MEC, o resultado foi ainda pior. A direção da Escola contratou uma empresa de consultoria. Depois de muito estudo, essa empresa recomendou a demissão de professores que não sabiam usar computador, não possuíam pelo menos mestrado e aqueles que não publicavam nada. Normalmente, são professores que não demonstram nenhum interesse em aperfeiçoamento pessoal.
Quando a universidade fez o levantamento dos professores nessa situação, para a sua surpresa, a sorte, a sorte não a realidade mesmo, recaiu sobre os companheiros de longa data. E agora, que decisão tomar? A instituição só tinha duas saídas: ou manter esses companheiros, que agora são verdadeiras pedras no sapato, e a universidade vai a nocaute e afundam todos ou dá uma virada dispensando-os e a instituição sobrevive.
A direção, sabiamente, optou pelo caminho doloroso. Doloroso porque chegar ao companheiro de 35 anos, que ficou acomodado e desligado, e dizer-lhe: olha, agradecemos sua contribuição, mas agora não dá mais para você permanecer em nossa instituição, não é fácil. Os demitidos acharam que foram traídos pela instituição, choraram, espernearam, mas saíram. Eles não deram conta de que, de um ou de outro jeito iriam afundar mesmo.
No ano seguinte, a Universidade contratou professores novos, da era de informática, com boa titulação, com publicações nos melhores periódicos do mundo. Professores que cultivaram amizade com os alunos. Verdadeiros líderes, com capacidade de auto-motivação. Dessa forma eles conseguiram motivação de seus liderados. Professores que buscam a cada dia excelência em tudo fazem. Tratam a todos por igual. Eles criaram grupos de discussões "online". O aluno tem alguma dúvida? De onde estiver, liga o computador acessa o grupo de discussão apresenta a dúvida, normalmente algum colega ou mesmo o professor tira a dúvida na mesma hora. Os resultados não demoraram. Na terceira avaliação do MEC, a escola deu a volta por cima.
A universidade estendeu essas mudanças a todos servidores. Ela entendeu que a eficiência de uma instituição não depende da quantidade, nem do sentimentalismo histórico, mas da qualidade de servidores. Jogaram o fardo fora. A vida dos alunos ficou mais fácil e não mais difícil. Documentos que, na secretaria, antes levavam uma semana para serem obtidos, passaram para um ou dois minutos. A vida ficou mais fácil para todos. Lia-se num dos parágrafos do ditorial para comemorar o resultado da avaliação do MEC foi: "Não adianta levar a vida carregando fardos". A última informação que recebi dava conta que alguns profesores foram readmitidos porque não curzaram os braços. Voltaram para os bancos das escolas para fazer mestrados, MBA (Master of business Administration) e doutorados. Um desses professores demitidos foi meu colega.
Assinado por Feliciano J.R. Cangüe
Pode ser lido na REVISTAKUIA.COM
0 comentários:
Postar um comentário