sábado, 27 de fevereiro de 2010

Composição étnica do governo angolano continua desequilibrada: 56% do poder Executivo é Quimbundu





O Tribalismo bem como o racismo são realidades que precisam ser discutidas abertamente em Angola. Para que sejam discutidas é fundamental que se admita que existam. Os nossos meios de comunicação consideram tabú esse assunto. É "sexo" nos tempos dos nossos avôs. No entanto, o semanário angolense deu a cara e abriu o jogo para que esse assunto entre nas rodas de conversas e pauta de redações de meios de comunicação.

Na verdade o assunto já vem chegando meio de "cacheche" como quem não quer nada. Vejamos o hitórico recente:

Em Dezembro de 2009, no congresso do MPLA, o presidente desse partido afirmou, numa clara alusão à práticado racismo, essencialmente: "A palavra “akwakwisa”, que quer dizer “vindos de fora” e que está a ser utilizada nalgumas regiões por certos quadros do Partido por oportunismo e carreirismo para dificultar a acção de dirigentes e quadros naturais de outras regiões indicados pela Direcção do Partido, é inaceitável, porque é uma manifestação de regionalismo e tribalismo."

Numa entrevista concedida meses depois pelo General Numa, Secretário da UNITA ao "Folha Oito" quando indagado de que o MPLA tinha conseguido clocar a etiqueta de tribalista, regionalista, até racista na UNITA ele respondeu:

KN – O MPLA nunca vai dizer bem da UNITA, porque a força principal que está nos calcanhares do MPLA para nos próximos tempos assumir o poder é a UNITA. Por isso, para o MPLA a UNITA é uma força a abater custe o que custar. E nós temos de perceber que o MPLA vai se comportar sempre assim. Mas, note-se que este comportamento não enferma o MPLA na sua totalidade, temos de compreender isso.

Por seu lado, comentando o lado racista do MPLA ele afirmou: "Mais de 50% das FAPLA eram umbundos. Mas chegados aqui, eu não conheço nenhum umbundo que hoje é um grande General neste país, eu não conheço."

O MPLA não deixou por menos. Algumas semanas depois entrou em cena Roberto de Almeida, vice-presidente do MPLA, partido no poder desde 1975 e "orientou aos jovens a lutarem contra preconceitos e atitudes tribais, raciais, regionais e anti-sociais".

Uma coisa é falar e outra é o que é praticado. Vem a pergunta: O que o MPLA está a fazer para diminuir o sentimento de racismo que a cada dia ganha outros contornos? Vejamos uma extensa mas interessante matéria feita pelo Semanário angolense.

Vale lembrar que etnicamente os grupos que compõem Angola são assim distribuidos: Ovimbundu 37%, Kimbundu 25%, Bakongo 13% os outros completam a percentagem, destaca-ndo-se que os mestiços são 2% e brancos 1% (worldlanguage.com) com a população estimada em 15 (ou um pouco mais) milhões de habitantes.



Porquê a supremacia dos Kimbundu?

Não adianta persistir na «lei do mais forte» e descurar a importância do equilíbrio étnico. Formar um Governo com base na velha lógica que tem privilegiado a escolha de personalidades de origem étnica kimbundu, não só em número como também no acesso a pastas e pelouros mais importantes, apenas contribui para acirrar velhos ódios e recalcamentos que ainda existem a nível étnico

O primeiro Governo da III República não parece ter marcado uma ruptura histórica com o passado num quesito muito importante para o estágio em que se encontra a sociedade angolana: o equilíbrio regional e étnico. Observando-se atentamente a sua composição, constata-se que há uma nítida supremacia numérica de ministros de matriz kimbundu. Contas feitas por este jornal, das 32 pessoas que integram o executivo (em que se incluem os Presidente e vice-Presidente da República), há um total de 18 kimbundus, contra apenas sete de origem ovimbundu, dois bakongos, dois tchokwes, dois crioulos (*) e um cabinda ou fiote.

Em termos percentuais, a supremacia kimbundu traduz-se nuns esmagadores 56%, contra 22% dos ovimbundu, 6% para os tchokwes, bakongos e crioulos respectivamente, e apenas 3% para o grupo fiote. No fundo da tabela classificativa, ficam vários grupos étnicos sem representação no governo central, o que também significa, mais perturbadoramente ainda, que não têm palavra nem influência no poder executivo do país.

Mas, indo e vindo, a conclusão mais perversa mesmo é a que remete, afinal, para a inexistência de equilíbrio étnico na nossa estrutura governativa central. É que embora a muito boa gente isso possa parecer um factor despiciendo e acessório, na verdade ele tem uma grande importância. Tanto tem que importará recordar, por exemplo, que no seu manifesto eleitoral apresentado à sociedade durante a campanha para as eleições legislativas de Setembro de 2008, o MPLA fez promessas de que em caso de vitória procuraria estruturar um governo o mais equilibrado possível aos mais distintos níveis.

Ou seja, em termos mais concretos, a principal força política do país prometia formar um Governo que – sem prejuízo de princípios basilares que persigam a eficiência e eficácia – reflectisse também na sua composição os equilíbrios introduzidos na renovação da direcção do partido, nomeadamente mais mulheres, mais jovens e uma representatividade étnica e regional em proporção com o quadro apresentado pelos diferentes grupos etnolinguísticos. Isto é, um elenco governativo o mais inclusivo possível também a nível étnico.

Não significa isto que para ser entendido como equilibrado o executivo devesse ter forçosamente um ministro kamusekele, bosquímano ou khoi-sun. Não radicalizemos. Mas é verdade que o actual Governo está longe do equilíbrio que, de acordo com os postulados da moderna Ciência Política, se recomenda aos Estados recém-saídos de uma prolongada guerra civil como é o caso de Angola, cujo conflito, para mais, teve também uma relativa componente de natureza étnica na sua génese. Terminado o quadro de estruturação dos governos que eram feitos em obediência às cláusulas do Protocolo de Lusaka rubricado entre o Governo e a UNITA, sente-se que por mais algum tempo seria conveniente e prudente não se perder de vista o critério do equilíbrio étnico. Ainda se afigura uma boa forma de atenuar as rivalidades regionais e étnico-tribais. Não foi o Presidente José Eduardo dos Santos que num dos seus pronunciamentos no último Congresso do MPLA fez menção aos «Akwakwisas», deixando assim subentendida a ideia de que as disfunções tribais (**) continuam a ser uma realidade latente no interior do seu partido e na sociedade em geral?

Pois bem, é politicamente perigoso esconder a cabeça na areia e fingir que as diferenças do foro étnico estão totalmente esbatidas na sociedade angolana. Não estão nada! E formar um Governo com base na velha lógica que tem privilegiado a escolha de personalidades de origem étnica kimbundu, não só em número como também no acesso a pastas e pelouros mais importantes, apenas contribui para acirrar os recalcamentos que ainda existem a esse nível.

(*) O termo «crioulo» é aqui usado numa certa acepção antro-pológica para definir alguém cuja condição cultural, étnica e/ou tribal seja de certo modo híbrida. Embora tenham nascido em Luanda, os ministros das Relações Exteriores e da Administração Pública e Segurança Social, Assunção dos Anjos e Pitra Neto, não são propriamente kimbundu. Dizemos «numa certa acepção», porque o conceito é bastante mais lato. Pode referir-se a países em que houve escravatura negra, caso das ilhas caribenhas, como pode dizer respeito a uma língua de contacto entre colonizadores e povos autóctones. Ou ainda ser aplicado a indivíduo que embora descendente de europeus, nasceu em país originário da coloniza-ção europeia. É evidente que Jonas Malheiro Savimbi usava a ex- pressão nesta última acepção. Mas, em conformidade com os seus interesses políticos, orientava-a incisivamente para certo espaço do litoral de Angola, onde a mescla entre a cultura autóctone e a do colonizador português foi mais marcante.

(**) Remete para a palavra «tribalismo», que deriva de «tribo». Obviamente, encerra em si uma carga emotiva em confronto com as mudanças políticas. Como diz Bernardo Bernardi em «Introdução aos Estudos Etno-Antropológicos», de facto, usa-se para indicar uma atitude mental e política de conservação e não de progres- so, de visão parcial e não de visão unitária da comunidade política, de abuso e concussão para proveito pessoal ou de clientela e, em todos os casos, de atraso e barbárie. Mas importa esclarecer que, de um modo geral, para o escopo da presente matéria, os termos «tribo» e «etnia» são usados nas suas acepções mais benignas, embora sempre em contraste com os conceitos de «Estado» e «Nação». Isto é, em que os grupos étnicos se concebem não como unidades estáticas, mas etnias dinâmicas e abertas a toda a relação possível, podendo conduzir a novos tipos de reagrupamentos sociais e culturais. ■
Há muito que não se via uma «décalage» tão acentuada

Se nos atermos ao curso histórico do país, a predominância de ministros kimbundu no Governo chegou a fazer sentido. Olhando para a matriz étnica dos partidos históricos – MPLA, UNITA e FNLA –, compreende-se que nas condições turbulentas em que a Independência foi obtida, a lógica do mais forte acabasse por prevalecer na formação dos governos.

Mas também é sabido que o MPLA foi capaz de ir corrigindo o rumo do tiro. Fazendo jus à sua condição de organização política angolana de carácter mais nacional e mais aglutinadora do mosaico multiétnico do país, foi concedendo maior espaço aos demais grupos etnolinguísticos, não obstante o facto de aos kimbundu ter estado sempre reservada a parte leonina do bolo.

É isto que explica que a dado momento se tenha assistido a um maior e relativo equilíbrio, que transpondo o nível estritamente étnico verificou-se igualmente no plano das raças. Toda a década de noventa representa o corolário deste tipo de pensamento, altura em que o governo do país chegou a ganhar uma imagem próxima de um arco-íris. Integrando ministros de vários grupos étnicos e raças.

É sintomático, aliás, que se tenha vencido uma barreira histórica quando o cargo de primeiro-ministro foi entregue a um ovimbundu, Marcolino Moco. Há que ter a coragem de admitir que esse passo só foi dado exactamente pela necessidade de se fazer uma importante concessão ao maior grupo étnico do país, tacada com a qual se foi procurando, simultaneamente, retirar a Jonas Savimbi o seu principal argumento para sustentar a guerra.

Foi igualmente sobre a lógica étnica – muito mais do que a necessidade de se premiar algum «savoir-faire» - que se estribou a nomeação de Paulo Kassoma no cargo de primeiro-ministro do Governo saído das eleições legislativas de Setembro de 2008.

Todavia, quando se compara o governo formado depois das eleições de 2008 com o executivo recém-instituído, o que se verifica é uma completa retracção em todos os passos já dados no sentido do equilíbrio. Há muito que não se via uma «décalage» tão acentuada na composição étnica do Governo. Enquanto o número de ministros kimbundu subiu de 14 para 18, o de origem ovimbundu decresceu abruptamente de 10 para somente sete membros.

A diferença entre os dois grupos, que era apenas de quatro membros, passou a ser de onze. Em termos hierárquicos, também se tornou mais residual a importância e influência dos ovimbundu. O ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, é o que mais alto está – quarta posição da orgânica governativa, onde há claramente uma ordem de precedência.

A supremacia kimbundu é ainda mais avassaladora quando se olha para os secretários de Estado e vice-ministros, que não cabem no escopo desta matéria. Resta dizer que decresceu igualmente o número de ministros mestiços, ao passo que não há presentemente um só branco.

Corrigir o rumo de tiro

Seria cretinice esperar que os governos não se formem sob uma ou várias lógicas de dominância, que podem reflectir não apenas interesses étnicos como outros de natureza classista, parental e económico-financeira. Assim acontece nos domínios da «realpolitik».

Todavia, para o caso em análise, o que se pede é um pouco mais de flexibilidade, de modo a satisfazer-se o todo e não a parte.

Esta é, seguramente, uma preocupação para ser colocada ao presidente da República, por iniciativa de quem se formou o presente elenco governamental. Só ele saberá, cabal e taxativamente, explicar os critérios que presidiram a escolha individual dos membros do Governo, resultando na predominância de um só grupo étnico.

É claro que a confiança política e a competência técnica não foram descuradas. Mas também é visível o critério da etnicidade como fio condutor de todo o processo de escolha que resultou no actual elenco governativo. E este é o busílis da coisa, porquanto a competência pela competência pode ser encontrada na generalidade dos grupos etnolinguísticos do país.

Está-se a falar, igualmente, da necessidade destas coisas serem feitas com alguma razoabilidade e tino, pois é perfeitamente possível compatibilizar competência com proveniência étnica.

Não é difícil, por exemplo, acreditar que a opção por Manuel Nunes Júnior tenha sido ditada por critérios de competência técnica, mas seguramente que não se dirá o mesmo da escolha de Pedro Mutinde para ministro da Hotelaria e Turismo. Há no Cunene gente que faria melhor o papel.

Por tudo isso é que incumbe ao presidente da República repor o comboio nos carris. Trata-se de um quesito importante em matéria de política governativa,
principalmente nas condições sociopolíticas do nosso país.

Não vale a pena pensar-se que se está a agitar falsos problemas. Afinal, um dos receios que muitos manifestavam em relação a Jonas Savimbi era de que com ele no poder o governo do país fosse transformado num feudo dos ovimbundu. Uma «Jambolândia», como então se dizia.

Mesmo com Savimbi fora de cena, até hoje este receio persiste em relação ao partido que ele criou. Ora: os fundamentos desse temor é que deveriam, por maioria de razão, levar o actual regime a dar o exemplo.

O Semanário Angolense não fecha esta matéria sem dizer que há plena consciência de que as virgens ofendidas do costume irão certamente saltar das cadeiras, como se exercícios destes fossem profanos.

Só quem tenha uma visão idílica do Mundo descura os perigos que geralmente espreitam os países cujos governos assentem em estruturas etnicamente desajustadas. Angola ainda não é um Estado-Nação devidamente consolidado. Não tem a estrutura sócio-antropológica que têm, por exemplo, nações como Cabo-Verde e Portugal.

Todos vimos como depois de anos a fio de aparente calma, a União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas ruiu como um castelo de cartas. O Estado unitário que se apregoava aos quatro ventos estava, afinal, fundado em bases falsas e inconsistentes. As repúblicas que o constituíam fragmentaram-se tendo como linhas de cisão as profundas diferenças culturais e étnicas existentes entre umas e outras.

Atente-se também para o que se passou na antiga Jugoslávia (Kosovos, Bósnias e quejando) e veja-se por que está a ser difícil a adesão da Turquia à União Europeia, um Estado que praticamente separa as civilizações do Oriente e do Ocidente.

Enfim, não é fechando os olhos aos problemas decorrentes das relações inter-étnicas que eles subitamente deixarão de existir.

O SA conta voltar ao tema na próxima edição, dissecando-o com a opinão de distintas personalidades do universo político e da sociedade civil do país.■

Crédito:
Semanário angolense: EDIÇÃO 356 · ANO VII, SÁBADO • 27 De FevereirO De 2010

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