Na sua primeira participação neste ano de 2011 o Dr. Kumandala traz-nos importantes reflexões que nos permitem entender os problemas vividos em nosso país (Angola), bem como Zimbabwe e Haiti.
É interessante descobrir a génese da “desgraça de todos os angolanos”. A forma truculenta como isso se deu levou ao nosso Economista e também teólogo Mário Cumandala a concluir que “Deus não é branco". Logo, sugere, é fundamental que "se enfeite as casas com quadro da última ceia com um Jesus Negro e ver livros com a imagem de um diabo de olhos azuis e cabelos louros".
Mário Cumandala deixa a fórmula que considera segura para a criação de riquezas duradouras aos angolanos: “O direito a um título de propriedade para todos”.
NOSSA TERRA, NOSSA FORTUNA?
Por Mário Cumandala (Economista)
Um dos primeiros princípios económicos que aprendi na universidade em Londres, é que em economia, Recursos ou Fatores de Produção são os elementos básicos utilizados na produção de bens e serviços. Esta é uma das colunas vertebarais que definiu a Escola Clássica dos Economistas dos séculos XVIII e XIX.
Assim para melhor esclarecer o tema acima, apelo para a primeira escola científica da Economia, conhecida por Fisiocratas. Esta, elegeu a Terra como o único recurso responsável pela geração de riquezas. Adam Smith um dos meus idolos inspirou-se nesses estudos e buscou aperfeiçoá-los.
Depois de muitas buscas, eis o resultado final:
* Terra – indica não só as terras cultiváveis e urbanas, mas também os recursos naturais.
* Trabalho – refere-se às faculdades físicas e intelectuais dos seres humanos que intervêm no processo produtivo.
* Capital – compreende as edificações, as fábricas, a maquinaria e os equipamentos.
Importa rematar que em Angola, nos primórdios da colonização, o comércio com as colónias, após a expansão marítima, permitiu uma acumulação de capital numa proporção nunca até atingida. Isto foi graças à imposição de termos desiguais ao nível do comércio.
Não se pode deixar de referir o comércio de escravos em nossa terra, e a intensa exploração do seu trabalho nas grandes plantações de produtos agrícolas únicos, as actividades mineiras e industriais. As colónias asseguravam um mercado de escoamento às manufacturas em crescimento e, pelo monopólio do mercado, uma acumulação potencial. A acumulação de metais preciosos já naquela época, era uma fonte de riqueza, que só se tornou em acumulação de capital mediante um investimento adequado. O tesouro capturado afluiu aos países da Europa Ocidental e transformou-se aí em capital. Contrário a uma das grandes premissas da cadeira de Economia Internacional; depois da Segunda Guerra mundial, que defende que o dólar americanos reconstruíram a Europa, na verdade foi sim as matérias primas da África que construíram e reconstruíram o mundo ocidental de hoje.
Gosto de pensar que metade do palácio de 1000 janelas da Rainha Elizabeth II pertence a África.
Postula-se e com conhecimento histórico, que um ponto nevrálgico da política seguida durante a ocupação colonial de Angola, foi sem duvidas a venda ou distribuição da terra entre os colonos que chegavam. As concessões fundiárias eram feitas em lotes pequenos a um preço nominal. Tornou-se claro para os Portugueses em Angola, que desejavam reproduzir nas colónias as relações capitalistas de produção, a pedra fundamental dos seus esforços que devia ser a restrição da propriedade da terra a uma minoria de grandes latifundiários.
Aqui começou a desgraças de todos os Angolanos. Enquanto as leis injustas herdades desta fase funesta de nossa história não forem repelidas, será quase que impossível considerar a terra como riqueza.
Senão vejamos, o imperialismo ocidental, após 1870, fez da África um palco das disputas internacionais. Nos países já independentes, como Egipto e Tunísia, a soberania desaparecia ante a intervenção das finanças estrangeiras, mudando-se a estrutura socio-econômica em benefício dos interesses estrangeiros. Os países e companhias dominadoras, investiram grandes somas na "explorarão dos recursos naturais africanos, nos sectores da engenharia, indústria e agricultura. O nativo, dominado por uma pequena minoria branca, trabalhou nessa empresa, mas teve pouquíssima participação nas riquezas criadas.
Uma realidade não muito longe da nossa começou a deslumbrar-se na vizinha África do Sul. E que a terra é hoje neste pais uma das mais definidoras das questões políticas e desenvolvimentistas. Mas talvez a mais intratável. Isto porque a persistente concentração fundiária baseada na segregação racial só será resolvida por uma reestruturação total do programa de reforma agrária ou por uma transformação radical nas relações de propriedade pelo próprio povo.
Os rumos do país dependem, em larga escala, da imediata e urgente resposta do governo às necessidades e demandas de 19 milhões de pobres e sem terra. Nos últimos anos, há indícios perturbadores das intenções do governo a esse respeito: o estreitamento do programa de redistribuição de terras, para reverter a estrutura distorcida herdada do apartheid; a promoção de uma elite comercial rural negra, em detrimento da grande população de trabalhadores sem terra; a atitude laissez-faire face às crescentes reivindicações da sociedade civil para resolver a crise agrária no país.
Alguma semelhança com a nossa realidade? E o Zimbabwe, será que a situação deles lá é diferente da nossa? Que diferenças existem em muitos casos entre os colonos e os governos que ainda não se aperceberam da herança do sistema legal envenenado que herdaram dos colonizadores?
A reforma agrária é essencial no continente todo, não apenas em termos de uma reparação histórica aos séculos de dominação colonial, mas também para o processo de construção democrática das nações Africanas.
Nisto tudo, a historia de Angola e sua realidade em 2011, não e imune a um passado em que as forças colonial foram ocupando amplas propriedades pela força, pelo uso de privilégios jurídicos ou pela simples pilhagem. Minha família no Huambo, foi vítima disso. O sistema colonial português foi uma poderosa alavanca da concentração de terras que deram origem ao capital que ainda hoje não reflecte equidade ou justiça social.
Por isso, já é de comum acordo que a história de África e Angola em particular, nos passados 500 anos, tem sido sobre a luta pela terra. Esta luta, ainda continua até hoje. O exemplo disso, é o Zimbabwe, África do Sul e o Haiti que estão pagando por terem mostrado ou descoberto o valor de se apropriar das terras.
Falar da terra, é falar de algo que ainda em nossos dias, levanta ánimos. Porque para um observador atento,Terra ou Land é mais do que a soma de todos os seus beneficios económicos. Tem um grande significado emocional e cultural. Nos, Africanos no geral, reconhecemos a terra como sagrada e depositaria da nossa história. E uma fonte de alegria e dor, metade dela é venerada. Assim, a terra, pode ser sinónima da sociedade humana. Até porque para provar isso, nos estamos sempre dispostos a ir para guerra, e morrer por ela em sua defesa se for necessário.
Revoluções desde os séculos XVII, estão marcadas por razões nada mais do que a luta pela terra. Vejamos o Haiti. Já em 1801 o Imperador Napoleão Bonaparte da França informava o governo Britânico sobre sobre sua estrateja no Haiti. “Minha decisão de destruir a autoridade dos Negros no Haiti não é simplesmente baseada nas considerações comerciais e monetárias, mas sim na necessidade de bloquear para sempre a marcha dos negros em todo mundo”.
Qual foi o crime do governo de Jean-Jacques Dessalines, que levou o Imperador Napoleão a declarar guerra a todos os negros do mundo? A resposta é simples. Durante aquele tempo, o Haiti gerava um quarto dos lucros globais da França. O exército dos escravos livres, havia nesta altura histórica, derrotoado o exército Espanhol, Britânico e Francês. Aqui vemos a aliança de valores, derrotados no Haiti.
E esta aliança entre a França, a Grã-Bretanhã, a Holanda, Portugueses e os Americanos, ainda perdura até hoje. Ela é muito mais propenssa para destruir a marcha dos negros. Assim como no Haiti em 1791, quando o pais instituiu uma revolução que ameacava os interesses desta raça nórdica superior, como eles gostam de pensar, hoje numa irmandade racial eles fazem o mesmo.
Um ponto louvável que se encontra no artigo 44, da constituição da Independência do Haiti em 1805, e que declarava que todo negro que escapasse para a costa deste país, seria imediatamente declarado livre, e cidadão da nova república. Portando esta provisão, na constituição do Haiti prejudicava sem duvidas a viabilidade económica dos estados senhores dos escravos na região, que eram os Estados Unidos, França, Holanda, Portugal, Inglaterra e Espanha.
Como consequência desta insolência, o Haiti, foi isolado, ostracizado. O acesso ao comércio e finanças, foi bloqueido. A França, país da Fraternidade, Liberdade e Igualdade *hipocrisia diabólica*, negou-se a reconhecer o novo governo. Os Estados Unidos da América seguiram os mesmos passos.
Também lembra-nos a história, que nesta época, a Inglaterra estava a a negociar a obtenção dos títulos de propriedade do Haiti com a França, para mim, um absurdo total. Em solidariedade, a Inglaterra também deixou de reconhecer a nova nação.
Por volta de 1825, a economia Haitiana estava a viver uma crise económica sem precedentes. A sua classe política estava bem isolada. Com esta crise, os lideres Hatianos fizeram o óbvio: Convidaram os representantes do governo Francês para o Haiti. Em questão, pedir que a França reconhecesse o governo Hatiano. Por sua vez a França de ontem, que não é diferente com a de hoje, argumentou: a França reconheceria o Haiti como nação soberana, mas esta teria que pagar compensação e reparações em troca.
Que dilema. Mais o governo com a cauda na parede concordou. O que se seguiu, e algo que destruiu aquela e as presentes gerações deste país irmão. A França mandou um team de actualistas, contabilista e auditores para o Haiti. Missão, colocar valor a todo património físico do Haiti, os 500.000 cidadãos que foram escravos e agora livres, animais, e todos outros serviços comerciais e terras. Este team, após um trabalho minucioso, checou a avaliação final do património. Valor total: 150 milhões de ouro Francês, moeda do tempo. Este era o preço a pagar se o Haiti quisesse reconhecimento.
Só para dizer que a última prestação desta dívida foi paga 120 anos depois. Setenta por cento (70%) de todos ingressos do Haiti no século 19 foram para pagar a França que em 1947 com alegria recebeu o ultimo pagamento. Valor equivalente ao dólar americano hoje em 2011: USD 22 mil milhðes.
Para além do mais, já em 2004 o não refugiado na África do Sul ex-Presidente Jean-Bertand Aristide, inspirado pelo jubileu theologico, tentou o impossível. Fez a demanda ao governo Francês para restituir estes USD 22 bilhões. Desfecho final, soldados Franceses, com ajuda militar dos Estados Unidos e Canadá, derrubaram o governa de Aristide. Espero que vossa memória não vos falhe, porque isto e história de nossos dia.
Aqui esta o paralerismo na introdução deste artigo, com o Zimbabwe. Assim como o Haiti em 1804 o Zimbawe hoje governado por aqueles que também foram oprimidos pelos brancos, reclamou pelo direito a terra. Ao tentar evitar que o ocidente controlasse seus recursos e desta forma inspirando outras nações Africanas a seguirem a mesma senda o cruz que este país chamou sobre si foi e continua muito pesada.
Em 2008 estes mesmo grupo ocidental, como foi no Haiti e hoje passam pelo nome de International Community, através das Nações Unidas, tentaram o mesma aventura. Liderados pelos Estados Unidos da América e a Grã-Bretanha, foram para o Conselho de Segurança e sanções severas foram impostas ao Zimbabwe. Denominadas “Zimbabwe Democracy and Economic Recovery Act”. Ironia Napoleônica ou democracia só é democracia quando esta favorece os interesses do Ocidente?
Em 2009, como se não bastasse, os EUA, Reino Unido (UK), Austrália e Canadá juntos, decidiram que os diamantes do Zimbabwe, não deviam ser vendidos no mercado internacional. Será que isto foi motivado pela facto de que as mais recentes descobertas dos diamantes no Zimbabwe, constituem 25% das reservas mundiais e podem gerar cerca de USD 500 milhoes por mês para os cofres do estado? O que seria muito bom para acabar com a dependencia economica deste pais? Voce decide.
Graças a Deus, sem paralelos a 1804 quando o ocidente triunfou contra a o povo do Haiti, desta vez o Zimbabwe não estava só. A União Africana, liderados pela Africa do Sul a a Líbia com apoio da China e Rússia votaram contra este bloqueio. A seguir, os 72 membros do Projecto Kimberley votaram contra o bloqueio, sendo Angola um dos países que tomou liderança.
Se esta resolução das Nações Unidas tivesse passado, o Zimbabwe veria seu direito negado de vender seus diamantes no mercado internacional. Consequentemente, incapaz de financiar programas de saúde, saneamento básico, educação, etc.
Emoções a parte, isto é diabólico. Por isso já é tempo para os Africanos começcarem a enfeitar suas casas com quadros da ultima ceia com um Jesus Negro e ver livros com a imagem de um diabo de olhos azuis e cabelos louros. Deus não pode ser branco. Desde os dias de Moisés com suas leis baseadas no Código de Hamurabi até ao jubileu do novo testamento, existe sim uma raça que não esta de acordado com esta legislação, esta raça e a dos exploradores europeus.
Felizmente, hoje a Tanzânia já esta promovendo uma campanha de prover a grande maioria dos proprietários das terras neste pais vizinho, com título de propriedade. Que exemplo a ser seguido. Não vejo porque em Angola este tópico é ainda tabu. Será que a mentalidade dos exploradores portugueses ainda continua suas sequelas vivas na visão dos homens ou deputados e ministros capazes de promover reformas agrárias? Não sei, mais alguém sabe.
E assim minha geração em Angola e em África, bem podia ver as as terras cultiváveis e urbanas, os recursos naturais, às faculdades físicas e intelectuais a serem igual a rigueza. Ainda mais, todos seres humanos que intervêm no processo produtivo, teriam como visão a longo prazo, edificações, fábricas, maquinarias e os equipamentos como patrimonios geradores de riquezas para eles e seus filhos. Isto é um dever inalianavel, sagrado e que devia estar consagrado nos sistemas legais de paises que tem visão e amor.
Se queremos um ponto central na luta democrática-nacional, para transformar as formações coloniais de classes, que combinam desenvolvimento capitalista com opressão social, então uma reforma agrária deve ser a ultima fronteira. O governo tem que melhorar suas iniciativas legislativas neste aspecto.
Finalmente, permitam-me argumentar que somente com uma reforma agrária seria em Angola e em todo continente, poderemos ver modificadas as relações sociais e económicas nas áreas rurais e até certo pontos urbanas.
Este é um desafio real do nosso governo e um paradigma do continente. A marcha dos Angolanos e Africanos no seculo XXI , não pode ser ditada pelo ocidente. O direito a um título de propriedade para todos, em Angola e no continente são a única fórmula segura para crianção de riquezas duradouras.
Luanda, 05 de Fevereiro de 2011
3 comentários:
Este Economista nao so teve tempo de tocar meu coracao mais tocou minha mente. O OCIDENTE nao tem interesse na saude economica do nosso mundo subdesenvolvido. Gostaria de ver os artigos do Dr. Kumandala compilados num so trabalho. Sou estudante e gostaria fazer referencia dele nos meus essays. Fico a espero de mais um artigo e tambem conseguir meu titulo de prorpiedade quando regressar para ai na banda.
O my God. Nunca li algo igual. Foi uma leitura de abrir os olhos. Angola afinal tem mesmo quadros. Admiro seu trabalho meu brother, assim nao esta longe o dia em que seras parte de um grupo de dirigentes tecnocratas deste pais. Desafio ministros e deputados a produzirem uma analize melhor do que essa em relacao a terra como criadora de riqueza. Angola e o que e hoje gracas a riqueza que esta terra e o offshore produziu...diamantes, ouro negro engordaram estes ladroes todos. Entao deianos os titulos de propriedades aos poucos terrenos que nos temos e com elas podemos hipotecar e conseguir emprestimos. Tambem acabem com estes juros milionarios...30% nao da para pedir emprestimo. Nao e tarde demais evitar onda de revoltas do norte de Africa. Falei
Gostei desse artigo e dos materiais neste blog. Assim e que se escreve. Se e Angola, Haiti ou Zinbabwe, os facot falam por si. Mas que pena esses artigos nao saem no ANGONOTICIAS ou no Pais. Mesmo assim eu vou mandar o site para todos Angolanos aqui na Russia. Forca Dr Cangue e Dr. Kumandala. Este e o melhor site que ja visitei...tem tudo que eu preciso. Obrigado.
Postar um comentário