23 de fevereiro de 2011
EFE
Por Claudio Leal
As rebeliões populares no Oriente Médio estimularam a articulação de um movimento, em Angola, para derrubar o presidente José Eduardo dos Santos, há 32 anos no poder. Sucessor de Agostinho Neto, um dos ícones da luta pela Independência, Santos assumiu em 1979 a presidência do País e do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Em 1992, passou por um tumultuado pleito, o qual reacendeu a guerra civil. Com a nova Constituição, a próxima eleição presidencial está prevista para 2012.
O manifesto "A Nova Revolução do Povo Angolano" se espalha nas redes sociais, repercute em jornais online dos países de língua portuguesa e foi amplificado por uma nota da Agência France-Presse. "Em toda Angola, vamos marchar com cartazes exigindo a saída do Ze Du, seus ministros e companheiros corruptos", anunciam. O ato central está marcado para o Largo da Independência, em Luanda, no dia 7 de março.
A combustão pode vingar, mas existe no povo angolano um sentimento de cansaço, depois de uma longa e devastadora guerra civil, encerrada somente em 2002. Terra Magazine procurou ouvir os líderes do movimento e trocou e-mails com "Agostinho Jonas Roberto dos Santos", que se apresenta como principal organizador dos protestos. Ele usa um pseudônimo que agrega os nomes de personagens da história contemporânea de Angola: Agostinho Neto, Jonas Savimbi, Holden Roberto e o próprio José Eduardo dos Santos. Preferiu não se identificar e afirma que não há outros manifestantes por trás do nome. "Eles vão matar alguns de nós, mas no fim não vão conseguir matar-nos todos", diz.
- Entendemos que a mídia e algumas pessoas dentre o povo angolano estão preocupados com a minha cara e eu garanto-lhe que darei a cara no momento propício porque ainda estamos na fase de mobilização das massas.
Assinada por Sergio Ngueve dos Santos, uma carta foi dirigida ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com o pedido de "ajuda e observação". Há divisão entre os opositores angolanos. Em entrevista a uma rádio, o jornalista e ativista Rafael Marques, que mantém um site anti-corrupção, criticou o manifesto e disse que teme "um banho de sangue", pois "os angolanos são profundos praticantes e conhecedores da violência". "É preciso estruturar a sociedade no sentido de se preparar para o pós-Eduardo dos Santos", defendeu Marques.
O líder anônimo, que não se assume como Sergio Ngueve dos Santos, garante que o movimento é composto por membros de todos os partidos políticos do País, mas não possui um caráter político-partidário. No centro das exigências, a realização de eleições periódicas e o fim da era "Zé Du".
- Estamos cansados desta ditadura de quase 32 anos e queremos ser liderados por vários líderes em cada 5 ou 10 anos, o que acreditamos será uma verdadeira democracia, visto que o país será dirigido por diferentes pessoas com visões diferentes para o bem do povo angolano.
O MPLA já se pronunciou contra o movimento, o que sugere a expectativa de uma dura repressão aos anunciados protestos em Luanda e no resto de Angola. Criticado por causa de sua longevidade no poder, além dos casos de corrupção no governo, Santos tem o controle das Forças Armadas e conta com uma força simbólica sobre o País. Nesta entrevista, o líder reconhece o desejo de paz do povo angolano. Entretanto, argumenta que os jovens possuem outra mentalidade:
- Um jovem angolano disse, e com razão, que o povo de Angola já não é aquele povo de 20 anos atrás. Atualmente conhecemos a besta que vamos derrubar e não somos intimidados pelas ameaças mesquinhas do corrupto Dino Matross (secretário-geral do MPLA).
Confira a entrevista.
Terra Magazine - Agostinho Jonas Roberto dos Santos é um nome composto de lideranças políticas angolanas: Agostinho Neto, Jonas Savimbi, Holden Roberto e Eduardo dos Santos. Quantas lideranças estão por trás do atual movimento? Por que a preferência pelo anonimato no manifesto "Nova Revolução Angolana"?
"Agostinho dos Santos" - O pseudônimo Agostinho Jonas Roberto dos Santos pertence a um só indivíduo que é o lider deste movimento. O movimento foi formado por jovens angolanos. A escolha do nome tem caráter simbólico, baseando-se na sequência de vida e morte dos protagonistas, sem querendo desejar a morte de José Eduardo dos Santos. O MRPLA não pertence a nenhum partido político angolano (lê 'about' em http://www.revolucaoangolana.webs.com/), mas representamos o conjunto do povo angolano pela nossa diversidade provincial, tribal, racial, cultural, e muito mais.
Entendemos que a mídia e algumas pessoas dentre o povo angolano estão preocupados com a minha cara e eu garanto-lhe que darei a cara no momento propício porque ainda estamos na fase de mobilização das massas e seria precoce e perigoso mostrar a cara.
Vocês acham que uma movimento pela substituição do presidente José Eduardo dos Santos, que está há 32 anos no poder, tem as mesmas chances de prosperar que os protestos no Egito, na Tunísia e na Líbia?
Acreditamos na mudança, principalmente porque estamos cansados das injustiças e da falta de interesse dos nossos governantes que para além de perpectuarem a exploração ao povo, perderam o sentido de criatividade e inovação. Estamos cansados desta ditadura de quase 32 anos e queremos ser liderados por vários líderes em cada 5 ou 10 anos, o que acreditamos será uma verdadeira democracia, visto que o país será dirigido por diferentes pessoas com visões diferentes para o bem do povo angolano.
Não existe um cansaço do povo angolano com confrontos políticos, depois de uma longa guerra civil? O desejo de paz não deve enfraquecer o movimento?
De princípio também pensamos assim, mas agora temos uma percepção diferente daquilo que é o nosso povo. Um jovem angolano disse, e com razão, que o povo de Angola já não é aquele povo de 20 anos atrás. Atualmente conhecemos a besta que vamos derrubar e não somos intimidados pelas ameaças mesquinhas do corrupto Dino Matross.
O manifesto do movimento tem sido espalhado, principalmente, pela internet. Mas a penetração da internet não é grande em Angola. Como tem sido feita a mobilização para o ato de 7 de março?
A mobilização em Angola está a ser feita em forma de passe-a-palavra (NR: boca a boca) e debates nos bairros, cidades em todo o pais. Estamos satisfeitos com a campanha que fizemos até agora porque não só no país mas os angolanos na diáspora (Alemanha, Brasil, EUA, Canadá, França, a associação da mulher angolana no Reino Unido (Omal), estão todos ao nosso lado. Os jovens no país são a nossa maior força nesta causa.
Também tenho de realçar que a Constituição que o próprio governo elaborou garante-nos o direito de manifestação em lugares públicos SEM NENHUM AVISO, eu cito "reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente".
Leia mais: CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DE ANGOLA Artigo 47.º (Liberdade de reunião e de manifestação) 1. É garantida a todos os cidadãos, a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei. 2. As reuniões e manifestações em lugares públicos CARECEM de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei.
Como o movimento avalia o governo de José Eduardo dos Santos?
Este governo gaba-se em ser sócio-democrático mas os seus atos, que foram uma experiência dolorosa para o povo angolano, define a verdadeira face do regime ditador de José Eduardo dos Santos. É um governo que não trouxe nada de melhor, repito, nada de melhor ao povo angolano.
Lideranças do MPLA já defenderam medidas duras contra a manifestação. Vocês temem uma repressão violenta do governo?
Uma repressão violenta é esperada pelo povo angolano, mas a nossa voz falará mais alto e os nossos atos irão remover o regime ditador de José Eduardo dos Santos. Eles vão matar alguns de nós, mas no fim não vão conseguir matar-nos todos. Viva o povo lutador de Angola.
Vocês integram algum agrupamento político-partidário?
Não nos integramos a nenhum agrupamento político-partidário, mas o nosso grupo está composto por angolanos de todos os partidos políticos angolanos. Este grupo não é político, mas sim um movimento de todo o povo de Angola que está a lutar na defesa genuína dos interesses do povo angolano. O movimento do povo apela a todos os militantes e partidos políticos de Angola, incluindo o MPLA, a se juntarem a esta revolução para o bem comum de todos os Angolanos.
Também apelamos aos nossos irmãos da Polícia Nacional e as Forças Armadas Angolanas a se juntarem ao povo porque acreditamos que eles também são vitimas deste regime ditador.
Terra Magazine
Terra - Brasil
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4959156-EI6580,00.html
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