Por PEDRO KUFUNA
O significado de traição, conforme se lê em qualquer dicionário, nem sempre é o mais exacto. Define-se a traição, ora como um acto de infidelidade ora como uma perfídia. Diga o que se disser, não há dúvida de que a acepção mais exacta pode ser encontrada na conduta de Judas, que vendeu Cristo por trinta moedas. Eis a essência da traição, ou seja, a pressuposição de que se trai para obter contrapartidas financeiras ou de outro tipo.
A UNITA, fundada em 1965, é o Partido, por razões pouco desconhecidas, onde as traições têm sido mais frequentes, ao ponto de, muitas vozes, afirmarem, o que é obviamente incorrecto, que a traição é uma das características dos sulanos.
Seja como for, a primeira traição na UNITA ocorreu em 1970, numa altura em que a UNITA já tinha as suas posições consolidadas no Leste de Angola. Castro Bango, um dos responsáveis pelas células clandestinas da UNITA em Nova Lisboa (actual Huambo), foi o primeiro lobo a vestir-se de pele de cordeiro. A traição de Bango, que lhe valera avultadas somas de dinheiro, fora paga pela PIDE (polícia secreta portuguesa). Tudo aponta no sentido de o plano para intersectar, e depois aniquilar Jonas Malheiro Savimbi , fora concebido por Aníbal São José Lopes e Óscar Cardoso, o criador dos “flechas”, com a luz verde de Costa Gomes, na altura Comandante da Região Militar de Angola. Não lhes faltou o apoio do Comando Militar Leste e das Subdelegações da PIDE naquela região. Note-se que a PIDE funcionava como “anjo da guarda” das Forças Armadas Portuguesas.
Castro Bango só não conseguiu o seu intento por mera casualidade: esteve no Luso (actual Luena) com Jonatão Chinguji, na altura, o responsável pelo Comité clandestino da UNITA nessa cidade e, conseguiria, conforme o plano esboçado pela PIDE, um encontro com Jonas Savimbi, na Chicala. Uma semana depois, já com Castro Bango na cidade do Luso, as Forças Armadas Portugueses atacaram a coluna de Jonas Savimbi, que escapou por um fio. Sorte igual não tiveram os responsáveis dos Comités Clandestinos da UNITA no Moxico, Nova Lisboa e Benguela. Isso explica porque, nesse ano, as masmorras da PIDE receberam, como nunca, o maior número de prisioneiros políticos da UNITA. Fazia parte: Jonatão Chingunji, Martinho Epalanga,o Reverendo Mussili, apenas para citar alguns.
Castro Bango, não se sabe por que razões, ou, provavelmente, por remorso, recusara-se a buscar refúgio em Portugal. É para se dizer que desconhecia que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Preso pela Unita, logo depois do 25 de Abril, foi executado na cadeia do ACMOL, no Huambo, no dia 11 de Novembro de 1975.
O percurso político da Unita, no período que se seguiu à independência nacional, foi marcado por várias deserções e traições. No que concerne às deserções, é importante assinalar que nem todas podem ser consideradas como traições. É o caso, por exemplo,
De Jorge Chicoty, um jovem ambicioso, inteligente, formado em Geografia Rural no Canadá, que, a dada altura, decidira bater com as portas à UNITA. Chicoty, depois de fundar o FDA (Frente para a Democracia de Angola), passaria para o MPLA. É, actualmente, membro do Comité Central desse partido e Vice-ministro para as Relações Exteriores. Outros casos são o de Fátima Roque, Paulo Tjipilika, actualmente Provedor da Justiça no governo de Angola e José
Ndele (integrante do colégio presidencial no governo de Transição em 1975 e já falecido). Estes últimos, desentenderam-se com Jonas Savimbi e criaram o que viria a chamar-se de Tendência de Reflexão Democrática, com mais dois elementos que, foram, depois de Castro Bando, os maiores traidores da Unita. Tratam-se de Miguel Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes, ambos fundadores da Unita, que, por seis milhões de dólares (não recebidos até hoje na totalidade), não hesitaram em trair a força política que haviam fundado e dedicado grande parte das suas vidas. Rezavam no contrato, funções diplomáticas e uma reforma dourada. Como tal, deviam vir a público e “diabolizar” a imagem de Jonas Savimbi com objectivo de reduzir, ao máximo, o número de votos. A estratégia consistia em explorar e manipular, até à exaustão, a “queima das bruxas” e a morte de Tito Chingunji o que foi, de facto, conseguido. Posto isso, foi oferecido a Nzau Puna, o cargo de embaixador extraordinário e plenipotenciário da República de Angola, no Canadá, enquanto a Tony da Costa foi atribuída à mesma função, em Londres e, mais tarde, na Índia. Pouco se sabe do desempenho diplomático dos dois, embora Tony da Costa se tenha destacado, em Londres, mais pelas saias que pela diplomacia. Nzau Puna é, actualmente, deputado do MPLA.
Não deixa de ser frustrante e desencorajante ver o percurso desses dois homens que, da UPA-FNLA, fundaram a UNITA para, finalmente, acabaram por militar na força que mais dores de cabeça lhes dera, o MPLA.
Não é por acaso que se diz que os traidores só merecem desprezo. No entanto, as coisas não terminaram por aí. Nos confrontos que decorreram em Angola logo após as eleições legislativas, de 1992, o MPLA aprendeu uma lição que lhe iria servir para arquitectar sua estratégia político-militar: em tempo de guerra mais importante que aliciar os políticos é fazê-lo às altas patentes militares do exército adversário. Assim, através de promessas de promoção ao generalato, com todas as regalias a ela subjacentes (vida faustosa sustentada por diamantes) foi concertado um plano de aliciamento dessas altas patentes.
De 1992 em diante assistimos, tal qual numa passarela, a deserção e, a correspondente, traição de vários oficiais. Só para citar os mais representativos, temos o caso dos Generais Adriano Makevela Mackenzie (actual chefe da Direcção Principal de Preparação de Tropas e Ensino do Estado-Maior General das FAA) e membro influente do consórcio Thales/Sadissa/Importex; Jacinto Ricardo Bandua (abandonou a Unita em 1999,foi ajudante de campo de Jonas Savimbi e chefe da logística militar). As suas informações foram cruciais para a desestruturação militar da UNITA no Bailundo e no Andulo; Diógenes Malaquias, “o Implacável” (ex-chefe da Divisão de Operações do Estado maior general da UNITA). Este rendeu-se no ano 2000 e desempenhou um papel determinante na localização de Jonas Malheiro Savimbi; Sachipengo Nunda, hoje vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de Angola. Foi precisamente Sachipengo Nunda e os coronéis Kivo e Calado que perseguiram Jonas Savimbi até ser localizado e morto.
Pode parecer caricato, e até anedótico, mas não nos esqueçamos que, para maior desprezo dos seus adversários, foram precisamente Nunda e Implacável a quem o governo delegara para o “armistício” com o que restava da ala militar da UNITA.
Terminada a guerra, e quando se pensava que o suborno e as traições eram coisas do passado, eis que somos surpreendidos, nas eleições legislativas de 2008, com outras traições que criaram um mal-estar aos angolanos, e mostrar quão viciado é o faire politique em Angola. Dessa vez coube a Jorge Valentim vestir-se da pele de cordeiro: a troco de 8 milhões de dólares deveria fazer a campanha do MPLA, em Umbundu, na área rural de Benguela. Para além de Jorge Alicerces Valentim houve igualmente outras tantas traições, embora sem os efeitos causados por estes. É de citar Marcial Muji Itengo, ex-governador da Lunda Sul e o caso de Adolfo Aparício, antigo secretário da UNITA do Kwanza Norte, que diante do incumprimento do MPLA, em cumprir com o prometido, e devido às guinadas do estômago pediu a UNITA que lhe perdoassem.
É esta a forma, excessivamente inquietante de se fazer política, que mostra que a relação entre a política e a ideologia, em Angola, é ainda uma miragem.
Quer se goste ou não da UNITA, a verdade é que esta força política ainda será por muito tempo a segunda força política do país, podendo, inclusivamente, em eleições justas livres e transparentes, subverter a tendência. E dada a sua amplitude nacional e a experiência governativa herdada do GURN ninguém duvida que tem os condimentos necessários para governar Angola. É tudo uma questão de tempo.
Sobre as traições, apesar das suas consequências devastadores, são um mal que veio por bem: têm permitido extirpar as ervas daninhas da horta.
Fonte: http://www.ovimbundu.org/Cronicas/Politica/Unita-a-Traicao-como-a-Separacao-do-Trigo-e-do-Joio.html
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