Um dos primeiros foi o senhor Norberto dos Santos “Kwata Kanawa”, o secretário do MPLA para a informação. Ele afirmou que o discurso que os “camaradas” levariam para a campanha eleitoral deste ano, seria mostrar que o “MPLA ganhou a guerra”, como se o povo não soubesse nada daquilo que ocorre em Angola. Disse mais ou menos o seguinte: – “ah, agora não vamos esconder mais isso. Nós ganhamos a guerra e pronto!”.
Depois apareceu o temido Kundy Paihama, o nosso grande Ministro de Defesa, que por sinal eu respeito muito, não pelos discursos que faz, mas por não ter conseguido impedir que um de seus filho fosse à guerra, mesmo que tenha sido para escola de oficiais. Tudo bem. Foi um grande exemplo. Ele afirmou que a UNITA (Partido da União Nacional para a Independência Total de Angola) possuía armamento escondido. Ficou nisso. Nem a imprensa, nem o Ministério Público deram importância que o assunto merece. Atirou o verde para colher maduro. Dá até a impressão de que ninguém está atento a tudo que está acontecendo. Puro engano, porque só foi o escritor José Eduardo Agualusa afirmar que Agostinho Neto foi poeta medíocre, que muitos foram parar nos hospitais com crise nervosa, afirmando que “ele não podia banalizar, humilhar, diabolizar os ícones, heróis, mitos, deuses e divindidades”.
Agora, entrou em campo senhor o Julião Paulo “Dino Matross”, uma das pessoas mais intelectuais que o MPLA tem. Outro dia li a entrevista que concedeu ao "Jornal de Angola", onde explicou o motivo de ter adotado "Dino Matros". Muito legal. Falou também de Nito Alves. O homem estudou muito. É licenciado em eletrônica, na Bulgária, formado em Direito e membro da ordem dos Advogados de Angola que, recentemente, proibiu aos advogados de falarem em público sobre processos judiciais em curso ou a instalar. Não é pouca coisa, principalmente porque há pessoas que não conseguem terminar o curso de Direito. Pelo seu currículo, podemos afirmar que ele sabe bem aquilo que diz, ou seja, ele não diz nada sem medir primeiro as conseqüências que virão dessa fala. Ele também não é daqueles que treme ou delira ao ver um microfone na sua frente.
Então, o secretário Geral do MPLA, ao comentar sobre os alegados atos de intolerância que a população vem praticando, disse: “A UNITA tem que refletir aquilo que fez no passado e acabou”. “A UNITA às vezes não consegue conquistar o espaço que perdeu (....) uma grande parte da população quando vê elementos da UNITA, elementos que no passado mataram, destruíram os bens do povo, essas pessoas reclamam porque os seus familiares morreram, foram mortas por essas pessoas”.
Se fizermos uma análise superficial, parece até ser um bom discurso. O problema todo é que nós angolanos, via de regra, estamos acostumados a analisar as informações de forma superficial. Andamos tão preocupados com bens materiais que não fazemos análise de discursos, nas suas entrelinhas. Diz o velho ditado: “para aquele que sabe ler, ponto é uma palavra”.
Até onde o meu entendimento alcança, essas palavras servem como um grande incentivo para que a população continue a ser cada vez mais intolerante. É como se dissesse: “olhem, nós dirigentes não podemos fazer nada, mas vos apoiamos nessa ação. Então, botem para quebrar. Qualquer coisa, estaremos aqui para vos defender. É isso que estou fazendo agora, estão vendo? Não se preocupem! Se alguém revidar, nós entraremos também na porrada. Não deixem os homens chegarem perto. Nós precisamos ganhar essas eleições”.
Essas palavras, infelizes, aproveitam um fato histórico para legitimar uma picaretagem que pode ser sangrenta. Isso é uma grande irresponsabilidade e é muito perigoso se queremos construir uma democracia verdadeira. A forma mais sensata seria pedir tolerância para a população, principalmente porque estava falando à Rádio Nacional de Angola, a única de maior alcance em inúmeras regiões do país.
Já que chegou o momento de falarmos a verdade, aqui também vai a minha. Sejamos sinceros: MPLA não ganhou a guerra, coisa nenhuma. Ganhou a "tonga da mironga". Eles querem ganhar a guerra no grito. Senão vejamos: os meninos que combateram, na sua maioria foi rusgada em verdadeiras operações do “kuata-kuata”, ou seja, foram forçados. Muitos desses jovens, que hoje estão desempregados e sem nenhuma qualificação, muito provavelmente não se simpatizavam com o MPLA. Foram eles que fizeram guerra, enquanto os filhos de muitos dos grandes do MPLA andavam no estrangeiro fazendo a coisa certa: estudar. Hoje, muitos deles, orgulhosamente hoje possuem especializações, MBA (Master of Business Administration degree), mestrados, doutorados e outros tiveram treinamentos privilegiados como o “on job training”. Agora ficam jogando isso na cara da população sofredora. Tudo bem!. Eu pergunto: é correto que esses filhinhos de papai, com seus diplomas universitários, agora cantem vitória do MPLA? Na hora da verdade fugiram da raia! E para onde foi o mérito dos meninos pobres que lutaram? Agora o mérito é todo do MPLA?
Durante o período da guerra, as igrejas promoveram inúmeros cultos de orações pela paz em Angola. Agora o MPLA está passando a mão no crédito das respostas dessas orações? O MPLA até pode afirmar que foi co-participante.
Depois de 1992, foi formado o exército único. Grande parte do efetivo da UNITA foi incorporado às forças armadas de Angola, inclusive de alta patente. Eles também combateram bravamente os antigos companheiros da UNITA. Houve, inclusive uma época em que se denunciou que militantes provenientes da UNITA eram colocados nas primeiras linhas das frentes de combates. O bônus todo agora é só do MPLA? Desde 1992 que deputados da UNITA estão em Luanda. Nas mais diversas localidades do país, estruturas da UNITA sempre funcionaram. Essa UNITA também foi derrotada? Derrotou-se a ala militarista da UNITA. Isso foi ação do Estado.
Aliás, há uma tremenda confusão em discernir o que é do Estado angolano, daquilo que é do governo angolano e ainda daquilo que é do partido. O resultado disso é a confusão geral que se instalou no país. É difícil para muitos discernir a coisa pública e a coisa privada. Se eu perguntar: a quem pertence o avião presidencial? Pode ser que alguém diga: é do meu marido.
Esse discurso, de que o MPLA ganhou a guerra, é de pessoas que estão enganadas ou querem enganar. O MPLA está a se comportar como uma equipe pequena. Já viram quando um “timinho” joga com equipe grande e o resultado lhe é favorável, aos 44 minutos do jogos todos os jogadores do banco de reserva e equipe técnica se coloca em pé e fica gritando e abanando camisas para sinalizar ao juiz o fim de jogo. Depois que o juiz apita o final do jogo, todos entram em campo para abraçar jogadores devido ao empate de zero a zero. Entre todas as estratégias possíveis 4x3x3, 4x2x2, 4x2x4, 5-3-5 etc., o MPLA prefere dar caneladas aos adversários, como se isso fosse uma grande jogada. Nada de “Fair play”.
Portanto, devemos ter prudência sempre que falamos da guerra. Levemos sempre nossas mãos às consciências. Devemos respeitar o sangue de pessoas que morreram. Ninguém deve procurar levar vantagem com a guerra. É triste e vergonhoso. Isso não combina com certas pessoas. Até porque se dependesse das pessoas mortas, só partidos criados depois de 1992 deveriam ser recebidos com palmas em qualquer lugar. Eu desafio que todo dirigente saia andando pelas ruas de Luanda, sem segurança. Quem não deve não teme. Não é assim mesmo? Aquele que for recebido com aplausos, ovacionado, esse não é corrupto e nem pesa sobre ele nenhuma responsabilidade do “27 de maio”, nem da “sexta-feira sangrenta” e nenhuma acusação de guerra. Isso também não cabe mais ser discutido agora. São águas passadas.
Tudo que eu esperava do MPLA, que se vangloria por possuir os melhores e maiores quadros de Angola, ao invés de apostar em discurso que reabra as feridas que mal estão curando, discurso medíocre da autodestruição, discurso cínico, essa política suja que vai destruir tudo de bom que o povo está a construir, que procura desrespeitar e menosprezar a inteligência do povo angolano, que mostrasse planos, estratégias de como o partido pretende acabar com a corrupção generalizada que é gerida com muita eficiência e como acabar com a paralisia burocrática.
Tem mais. Queremos propostas de como conseguir melhorar a vida social, como acabar com o desrespeito ao interesse coletivo, como acabar a perpetuação no poder de mesmas pessoas, como melhorar o atraso da demagogia, como implantar um governo pragmático, como acabar com políticos oportunistas, palhaços, animais ferozes, sem vergonha, inimigos do povo, como fazer o país andar mais rápido e acabar com esse “lenga-lenga”, quase parando, como acabar com a rapidez de dirigente que procura a todo custo estar na frente de negociatas, como acabar com o prazer de alguns quando vêm um microfone e falam sem refletir sobre aquilo que se dizem, como acabar com a incompetência dos dirigentes que já virou um problema insolúvel, como substituir os comunas, essa gente que se aparelhou no Estado numa forma esquemática?
Ou ainda, como mudar as leis que só existem para fortalecer a corrupção, como frear o enriquecimento dos corruptos, como acabar com a bandeira suja do atraso, como fazer com que o governantes sejam tementes a Deus, que saibam respeitar pelo menos o oitavo e o décimo mandamento, como fazer para que o povo leia obras literárias de Neto, como levar a escola para todos os jovens em idade escolar, como levar a saúde para todos, como podemos sair do abismo em que estamos, como acabar com o fanatismo dos elementos do MPLA que acham que só eles sabem governar, como acabar com a política de segregar indivíduos, como abrir novos postos de trabalho para o povo, como levar a comida até à mesa do angolano? Como evitar que o escritório das Nações Unidas para os direitos humanos seja encerrado em Angola? Como evitar que angolanos parem de se alcoolizar vergonhosamente? Como respeitar a opinião de outros escritores? Como acabar com a profissão de puxa-saquismo? Será que quando dirigentes dão entrevistas têm em mente isso como preocupação importante? Num país unificado pelo horror e pela desesperança, queremos ouvir propostas concretas.
Onde andam os assessores para que iluminem o pensamento nacional? Nós angolanos temos pouca sorte, numa boa! Tantos paises, como Coréia, passaram por guerras piores, mas em poucos anos saíram de cinza. Nós só nos afundando. Nós só marcamos passo, como se fosse um bêbado querendo andar e não consegue, isso quando não dá alguns passos para atrás.
Até ano passado eu apostava no desespero da oposição. É simples. A oposição não está presente em todo país, não possui recursos financeiros, não possui acesso aos órgãos de informação e ainda encontra resistência em desenvolver sua atividade política, principalmente no interior. Para a minha surpresa, a oposição angolana, até agora, mostrou que é mais consciente, é mais madura, entendeu melhor o momento histórico em que vivemos. A oposição está a levar o MPLA a ver poeira. Está a dar um "show" de bola; um espetáculo de civilidade e urbanidade.
Há poucos dias, por exemplo, ouvi um líder da oposição a afirmar que o seu partido não faria caça as bruxas. “Ninguém estará à procura dos Ministros, Diretores ou juízes tidos como corruptos». Segundo Samakuva, “a paz é uma vitória dos angolanos”. Na oportunidade apelou para que a população participe das eleições para que responda às seguintes perguntas: “1) - Queremos uma Angola só para alguns? ou 2) - Queremos uma Angola para todos?”. Esse é um discurso conciliatório, exuberante e racional. O mesmo acontece com muitos partidos, como os encontrados no blog “com a FPD, Angola pra frente em 2008”. Que a oposição continue com essa mesma estratégia que vem adotando até agora, porque o MPLA vai entregar os pontos.
Em relação à guerra triste, nós angolanos não devemos esquecê-la, aliás, teremos que carregar isso para toda eternidade. Devemos, sim, entendê-la. Devemos ver onde os nossos velhos erraram e tiramos dela uma lição, para que este mal nunca mais volte. Entretanto, a guerra não deve ser usada para estigmatizar pessoas, com está fazendo o MPLA ou como fazia até pouco tempo Robert Mugabe. Anotem aí: o MPLA já perdeu, pelo a cabeça já, por enquanto.
Publicado no portal Club-k
Dirigente tem que refletir sobre aquilo que diz “MPLA ganhou a guerra” - Feliciano J.R. Cangüe
17-Apr-2008
1 comentários:
Que o MPLA já perdeu, disso não tenho a menor dúvida.
Reginaldo Lemos
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