Eu não sei se é ético, ou não, contar cenas da vida particular em público, mas vou assim mesmo. A história que vou contar ocorreu há três meses quando a nossa filha tinha quatro anos de idade.
Eu e a minha esposa levamos uma vida muito agitada, muito corrida como a fórmula-1. Depois de terminar o curso de engenharia, eu resolvi fazer pós-graduação. A Sandra está a fazer o último ano do curso de Farmácia. Tudo o que temos em nossa casa, por excelência, são papéis e livros.
Esse estilo de vida que levamos nos tem preocupado muito, porque temos uma linda filha sob nossos cuidados. Nós entendemos que as crianças necessitam de ambiente infantil para suas brincadeiras, e isso tem faltado à nossa filha, Sara Cristina. Felizmente, ela aprendeu a conviver com esses papéis e livros. Muitas vezes ela divide o colo com esses companheiros. Talvez isso explique o fato de já saber desenhar perfeitamente e escrever. Ela, inclusive, já sabe que a célula tem um núcleo e neles estão 23 pares de cromossomos e ainda os desenha, isso muitas vezes me assusta. Se não bastasse ela canta muitas músicas em umbundu de uma forma fluente.
Constantemente, nós temos procurado orientações em livros especializados e, dentro do possível, participar de cursos destinados aos pais. Num desses fins de semana soubemos que aconteceria o curso “como cuidar da criança de quatro anos”. A Sandra não perdeu tempo e foi lá.
Nesse encontro ela aprendeu que, para a construção da personalidade e cidadania da criança, desde cedo ela deve ser ensinada e estimulada a escolher aquilo que é bom para ela. E uma forma para esse exercício é, nós adultos, não impormos nada a ela. Devemos, isso sim, apresentar-lhe, desde a mais tenra idade, opções para que ela se acostume a fazer escolhas. Caso contrário, no futuro, ela poderá se transformar numa mãe ou pai ditador.
Ainda nessa linha de pensamento, um outro exemplo, ao sair à uma festa ou igreja, a mãe deve oferecer à criança, pelo menos, duas opções de roupas para que ela escolha qual delas prefere usar naquele dia. E os pais devem respeitar essas roupas que elas escolhem mesmo que isso os desagrade. Os pais também não devem depreciar o que os filhos gostam nem ameaçá-los.
Até eu aprendi, também, que o desenvolvimento do “eu” inicia com o nascimento da criança. À medida que vão passando os dias, a criança torna-se social devido ao relacionamento com pessoas. Passa, então, a formar e ter características próprias a partir do que aprende e do que vivencia. Assim, a auto-afirmação dela aparece por volta dos dois anos, quando ela se torna capaz de se comparar, em tudo, com as outras crianças. O desenvolvimento da personalidade também é importante, pois dela dependerá a conduta dela e do modo de se comportar.
Ainda sobre a liberdade de escolha, a palestrante enfatizou que a mãe, ao preparar alguma refeição, por exemplo, para seu filhinho, precisa consultá-lo sempre, apresentando-lhe, também, pelo menos, duas opções possíveis, de refeição, para que ele escolha uma delas (extensivo a todos os filhos, nesse caso, a decisão tem que ser decidida na votação. Precisa de eleição, o momento maior da democracia familiar. Nesse jogo eleitoral, é proibido as artimanhas políticas). Quantas vezes as mães têm obrigado aos filhos, nessa idade, a comer coisas que elas não estavam dispostas? Isso cria um processo de rejeição pelo alimento e surge a falta de apetite psicológica. E pior, os pais passam a ser opressores de seus filhos.
Finalmente, o outro objetivo básico de “apresentar opções” é possibilitar-lhe uma evolução que lhe permita sair da dependência total. Quando isso não ocorre estas crianças crescem com um espírito de inferioridade e auto-depreciação. E como conseqüência, elas tomam um, entre dois destinos: depressão ou rebeldia, ou seja, pessoas sem gosto pela vida, medrosas e sem ideais.
A partir desse curso até eu também virei criança de quatro anos. Todos os dias é sempre a mesma pergunta: quer “funge” com “calulú” ou com “lombí” e “kissangua” ou strognoff com refrigerante para o almoço?
A Psicóloga, com doutorado no assunto, que ministrou o curso deu um exemplo extremamente didático para que a mãe compreenda o estado psicológico de sua criança. Por exemplo, aos quatro anos a criança gosta muito do bolo de chocolate e de passear. Assim, sempre que a mãe perceber sinais de inquietação dela basta fazer a seguinte pergunta mágica:
-filha (o), prefere que a mãe faça um bolo de chocolate para você, ou quer passear (no jardim botânico, no nosso caso)? A criança nessa idade escolherá, sempre, uma opção.
Assim, se a resposta for “quero bolo”, isso é sinal de que ela precisa de atenção e de alguma coisa (comida) diferente. Quando ela vir a mãe a preparar o bolo só para ela, a criança vai se sentir a pessoa mais importante e a mais amada do mundo. Se a resposta for: “quero passear no jardim botânico”, isso é sinal de que ela precisa que a mãe (entenda-se os pais) dispense mais tempo para ela, para brincarem juntas, pular e até para uma demorada conversa.
Todos os sábados temos o costume de passear. E num desses sábado não saímos. No domingo, o dia amanheceu com temperatura muito baixa, em torno de 6oC, pouco convidativo para sair ao passeio. Percebemos que a Sara Cristina acordou muito mal humorada. Pensamos até que fosse o frio. Ela não sabia expressar exatamente o que queria, até que num salto de mágica a Sandra se lembrou do curso a que participou e foi direto a pergunta:
- Filha, você quer que a mamãe faça um bolo de chocolate para você, aquele bolo que você tanto gosta ou quer passear no Jardim botânico?
Ela respondeu sem pensar:
- eu quero comer o bolo de chocolate no jardim botânico.
- Filha, escolha uma coisa só.
- Mamãe, eu quero o bolo de chocolate para comer lá.
Finalmente, entendemos que ela precisava tanto de nossa atenção, bem como de um pouco de nosso tempo.
"Dedicado a todos os que sofrem em razão do vazio do nada e a todos que sofrem em razão do vazio do excesso" e à minha irmã, pelo seu aniversário, neste dia 19 de setembro.
«Liberdade de Escolha»
Feliciano J. R. Cangüe
em 19 de setembro de 2006
Fonte: Club-k.net
Eu e a minha esposa levamos uma vida muito agitada, muito corrida como a fórmula-1. Depois de terminar o curso de engenharia, eu resolvi fazer pós-graduação. A Sandra está a fazer o último ano do curso de Farmácia. Tudo o que temos em nossa casa, por excelência, são papéis e livros.
Esse estilo de vida que levamos nos tem preocupado muito, porque temos uma linda filha sob nossos cuidados. Nós entendemos que as crianças necessitam de ambiente infantil para suas brincadeiras, e isso tem faltado à nossa filha, Sara Cristina. Felizmente, ela aprendeu a conviver com esses papéis e livros. Muitas vezes ela divide o colo com esses companheiros. Talvez isso explique o fato de já saber desenhar perfeitamente e escrever. Ela, inclusive, já sabe que a célula tem um núcleo e neles estão 23 pares de cromossomos e ainda os desenha, isso muitas vezes me assusta. Se não bastasse ela canta muitas músicas em umbundu de uma forma fluente.
Constantemente, nós temos procurado orientações em livros especializados e, dentro do possível, participar de cursos destinados aos pais. Num desses fins de semana soubemos que aconteceria o curso “como cuidar da criança de quatro anos”. A Sandra não perdeu tempo e foi lá.
Nesse encontro ela aprendeu que, para a construção da personalidade e cidadania da criança, desde cedo ela deve ser ensinada e estimulada a escolher aquilo que é bom para ela. E uma forma para esse exercício é, nós adultos, não impormos nada a ela. Devemos, isso sim, apresentar-lhe, desde a mais tenra idade, opções para que ela se acostume a fazer escolhas. Caso contrário, no futuro, ela poderá se transformar numa mãe ou pai ditador.
Ainda nessa linha de pensamento, um outro exemplo, ao sair à uma festa ou igreja, a mãe deve oferecer à criança, pelo menos, duas opções de roupas para que ela escolha qual delas prefere usar naquele dia. E os pais devem respeitar essas roupas que elas escolhem mesmo que isso os desagrade. Os pais também não devem depreciar o que os filhos gostam nem ameaçá-los.
Até eu aprendi, também, que o desenvolvimento do “eu” inicia com o nascimento da criança. À medida que vão passando os dias, a criança torna-se social devido ao relacionamento com pessoas. Passa, então, a formar e ter características próprias a partir do que aprende e do que vivencia. Assim, a auto-afirmação dela aparece por volta dos dois anos, quando ela se torna capaz de se comparar, em tudo, com as outras crianças. O desenvolvimento da personalidade também é importante, pois dela dependerá a conduta dela e do modo de se comportar.
Ainda sobre a liberdade de escolha, a palestrante enfatizou que a mãe, ao preparar alguma refeição, por exemplo, para seu filhinho, precisa consultá-lo sempre, apresentando-lhe, também, pelo menos, duas opções possíveis, de refeição, para que ele escolha uma delas (extensivo a todos os filhos, nesse caso, a decisão tem que ser decidida na votação. Precisa de eleição, o momento maior da democracia familiar. Nesse jogo eleitoral, é proibido as artimanhas políticas). Quantas vezes as mães têm obrigado aos filhos, nessa idade, a comer coisas que elas não estavam dispostas? Isso cria um processo de rejeição pelo alimento e surge a falta de apetite psicológica. E pior, os pais passam a ser opressores de seus filhos.
Finalmente, o outro objetivo básico de “apresentar opções” é possibilitar-lhe uma evolução que lhe permita sair da dependência total. Quando isso não ocorre estas crianças crescem com um espírito de inferioridade e auto-depreciação. E como conseqüência, elas tomam um, entre dois destinos: depressão ou rebeldia, ou seja, pessoas sem gosto pela vida, medrosas e sem ideais.
A partir desse curso até eu também virei criança de quatro anos. Todos os dias é sempre a mesma pergunta: quer “funge” com “calulú” ou com “lombí” e “kissangua” ou strognoff com refrigerante para o almoço?
A Psicóloga, com doutorado no assunto, que ministrou o curso deu um exemplo extremamente didático para que a mãe compreenda o estado psicológico de sua criança. Por exemplo, aos quatro anos a criança gosta muito do bolo de chocolate e de passear. Assim, sempre que a mãe perceber sinais de inquietação dela basta fazer a seguinte pergunta mágica:
-filha (o), prefere que a mãe faça um bolo de chocolate para você, ou quer passear (no jardim botânico, no nosso caso)? A criança nessa idade escolherá, sempre, uma opção.
Assim, se a resposta for “quero bolo”, isso é sinal de que ela precisa de atenção e de alguma coisa (comida) diferente. Quando ela vir a mãe a preparar o bolo só para ela, a criança vai se sentir a pessoa mais importante e a mais amada do mundo. Se a resposta for: “quero passear no jardim botânico”, isso é sinal de que ela precisa que a mãe (entenda-se os pais) dispense mais tempo para ela, para brincarem juntas, pular e até para uma demorada conversa.
Todos os sábados temos o costume de passear. E num desses sábado não saímos. No domingo, o dia amanheceu com temperatura muito baixa, em torno de 6oC, pouco convidativo para sair ao passeio. Percebemos que a Sara Cristina acordou muito mal humorada. Pensamos até que fosse o frio. Ela não sabia expressar exatamente o que queria, até que num salto de mágica a Sandra se lembrou do curso a que participou e foi direto a pergunta:
- Filha, você quer que a mamãe faça um bolo de chocolate para você, aquele bolo que você tanto gosta ou quer passear no Jardim botânico?
Ela respondeu sem pensar:
- eu quero comer o bolo de chocolate no jardim botânico.
- Filha, escolha uma coisa só.
- Mamãe, eu quero o bolo de chocolate para comer lá.
Finalmente, entendemos que ela precisava tanto de nossa atenção, bem como de um pouco de nosso tempo.
"Dedicado a todos os que sofrem em razão do vazio do nada e a todos que sofrem em razão do vazio do excesso" e à minha irmã, pelo seu aniversário, neste dia 19 de setembro.
«Liberdade de Escolha»
Feliciano J. R. Cangüe
em 19 de setembro de 2006
Fonte: Club-k.net
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