“Ameaçar intelectual é dar tiro no próprio pé”
A inquisição é um gato de sete séculos. É tema que ainda não morreu completamente. É só parar e observar as coisas ao nosso redor.
Ontem fui visitar a um amigo psicólogo. Ele recebeu-me bem e ficamos conversando no seu escritório.
Num determinado momento, o telefone dele tocou e atendeu. Pelo tipo de conversa, eu imaginei que o aconselhamento poderia demorar muito. Eu gesticulei, solicitando-lhe a autorização para usar o computador dele que, naquele momento, se encontrava ligado. Ele fez o sinal de positivo com o dedo polegar direito.
Imediatamente digitei: www.club-k.net, e a tecla “enter” para acessar o portal da verdade. Eu queria ler um pouco mais sobre a repercussão da intenção de alguns patriotários, amantes da democradura, que andaram a ameaçar a integridade física do escritor (cronista e poeta) angolano, o embaixador José Gama. Li diversas notícias. Aproveitei reler a gloriosa pintura dele: “A Patria ao estilo de Picasso”. Eu estava concentrado na leitura. Não percebi que a ligação tinha terminado. O meu amigo aproximou-se e viu no canto superior do portal democrático “club-k.net” duas fotos que lhe chamaram atenção.
A primeira mostra uma mulher com duas crianças no colo. Ambas extremamente desnutridas. O que se vê é a pele fina, sem o tecido adiposo subcutâneo, sobre os esqueletos e caveiras. Pelos vistos já estão sob cuidados médicos. Essa foto é o melhor indicador da pobreza que se abate sobre os mais humildes.
A segunda é a de um jovem, que não é louco como muitos já comentaram, de camisa vermelha. Ele, provavelmente, estava perambulando pelas ruas, em busca de um uma oportunidade no mercado de trabalho, consulta médica em algum hospital ou uma vaga em escola. Devido ao forte sol, ele sentiu muita sede. Não possuindo dinheiro para comprar água mineral, dirigiu-se até um poço de água, a céu aberto, daquelas que se formam devido às correntezas de águas de chuvas. É perfeitamente visível o grau de contaminação da mesma. O lixo chama atenção, nomeadamente, o caldeirão de fezes, sapatos velhos, latinhas, papéis e alguns pneus dentro e em volta daquela água. Esse jovem parou diante daquele cenário e teve que tomar uma decisão muito difícil: morrer de sede em seu país ou beber aquela água.
Ele, então, foi se aproximando daquele coquetel e, calmamente, se abaixou. Olhou mais atentamente avistou as larvas de mosquitos, aquelas que quando se alojam em tecidos destroem as hemácias e outros órgãos vitais. Ele percebeu o lixo sobre aquela água. Ele sentiu o forte cheiro, como o de um ovo podre. Mesmo assim ele abaixou-se ainda mais, como se fosse um quadrúpede, se apoiou sobre os dois braços de tal maneira que lhe permitisse não molhar os seus sapatos, encheu os pulmões de ar, soprou sobre a água para afastar o lixo. O fotógrafo que assistia a tudo fez a foto no exato momento em que ele começou, serenamente, a beber aquela água.
O meu colega, o psicólogo, disse-me que todas essas pessoas carregarão para o resto de suas vidas traumas dessas cenas. Na verdade, qualquer um nós não teria dificuldades de acreditar nisso. Eu fiquei encabulado com a frase que ele disse depois: os efeitos psicológicos dessas cenas se farão sentir por três ou quatro gerações dessas pessoas. – mas que herança maldita? Eu resolvi pedir mais esclarecimentos sobre essa última frase. A conversa levou cerca de 4 horas.
Depois da explicação eu comecei a generalizar. Assim, passei a entender por que a nossa sociedade só retrocede. Dá um passo para frente e um e meio para trás. Como explicar que, no início do Século 21, alguém ameace o bem maior de um intelectual como Vasco da Gama? Como explicar o fato de ainda encontrarmos pessoas desnutridas ou que não têm água para beber? Por que nós valorizamos mais o estrangeiro que o cidadão nacional? Há angolanos formados, vivendo em Angola, que não possuem casas e, muitas vezes, nem colocação, mas quando chegam 60 estrangeiros para exercerem as mesmas atividades, o governo se vê na obrigação de arrumar-lhe casas novas. Por que a imprensa oficial fica menosprezando as manifestações pela democratização do país, que ficarão para a história? Eu só encontrei uma explicação para isso: nós ainda sofremos efeitos psicológicos da inquisição.
A inquisição, como é sabido, foi um tribunal eclesiástico, mas teve a participação dos Estados, começou por volta do século XII e foi abolida no século XIX, basicamente, por Napoleão. Ela surgiu porque as pessoas da diáspora daquela época (França) começaram a fazer uma série de críticas aos dogmas que davam sustentação à doutrina cristã. As novas idéias contagiaram e disseminaram-se rapidamente na sociedade, daí a preocupação dos segmentos dominantes.
Muitos “hereges”, assim considerados, mais especificamente os cátaros ou albigenses (França) foram mortos, mas a “heresia” sempre renasceu mesmo quando intensamente desarraigada. Inicialmente eles foram desmoralizados pela imprensa oficial (vamos dizer a Angop, Jornal de Angola) daquela época, com os dizeres do tipo “os mentores não gozam de qualquer prestígio”, ameaça aos intelectuais e depois o massacre físico. Durante a vigência do santo ofício, muitos foram queimados vivos. Os tribunais julgavam crimes contra a fé (confisco de bens) e contra a moral e costumes. O chefe mais famoso da “secreta” foi o Nicolau Eymerich, autor de um manual que foi durante muitos séculos o guia sob o qual se orientavam os inquisitores.
As velhas receitas foram seguidas, por exemplo, pelo nazismo que aprimorou de forma “brilhante” os métodos da inquisição (câmara de gás). Para os adeptos de Hitler a “solução final do problema judaico” era o extermínio físico de todos de ascendência judia. Hitler acreditava em etnia superior. Os crimes dos detentores do poder eram anestesiados. Eles moldavam a opinião pública.
As ditaduras recentes também desenvolveram alguns aspectos desses métodos. O caso mais extremo aconteceu com o povo afegão onde as milícias fundamentalistas islâmicas Talibans demoliram imagens erguidas há 500 anos, reduziram a pó cerca de 80% do acervo do museu nacional de Cabul. Além disso, proibiram que mulheres usassem batons e de trabalhar; proibiram fogos de artifícios, instrumentos musicais, uso de internet para que ninguém acessasse o “club-k.” deles, (regimes autoritários detestam imprensa livre por causa da crítica) filmes, antenas parabólicas de televisão, e pior, negar o acesso da educação à grande parte da população, principalmente às mulheres.
A América latina se livrou dos últimos ditadores, praticamente, na década de 80 e 90, mas até hoje ainda é perfeitamente possível perceber os efeitos psicológicos delas. Um estudo, citado por Zavataro (2004), que procurou saber como os regimes ditatoriais se mantiveram por tanto tempo no poder, mesmo restringindo os direitos e garantias, como a liberdade de expressão, a liberdade de ir e vir, garantias de um processo legais etc. mostrou que o regime autoritário, para que se legitimasse, se alicerçou sobre a ideologia do crescimento econômico. O exemplo mais clássico ocorreu no Chile de Pinochet, que estabilizou a economia e registrou crescimentos extraordinários da economia. Em vários países as ditaduras adotaram a estratégia de construções de obras faraônicas. Um exemplo disso posso citar a obra da ponte Rio-Niteroi, de 13,3 km, que liga o Rio de Janeiro à cidade de Niteroi Niterói. Nessa época a energia nuclear chamou atenção de vários governos. No Brasil, por exemplo, construiu-se o Usina nuclear de Angras
O que se esconde por trás disso é a construção de uma ideologia para convencer as populações, como mostrou uma pesquisa publicada na Folha de São Paulo em 21/04/2004, p.14, segundo a qual, i) o desenvolvimento econômico é mais importante que a democracia; ii) uma forma de mostrar que a democracia não soluciona os problemas do país; iii) fazer crer que é possível existir democracia sem partidos iv) mostrar que a democracia não é indispensável para o desenvolvimento e, v) convencer o povo de que o presidente pode ir além das leis. (Enquanto isso, os “Cristianos”, os espiões dos sistemas, ficavam se infiltrando em manifestações e levavam informações e denúncias e o povo bebia água de poços e passava fome).
Um conflito que as ditaduras não conseguiram resolver é o direito do Estado de punir o autor de uma infração penal e o direito do cidadão à sua liberdade. Eu sempre fico muito desconfiado quando se anuncia um monte de obras faraônicas: construção da ponte Soyo -Cabinda, Dos Santos International Airport, World Trade Center, construção de nova urbe de Luanda (já que vão construir, que seja, pelo menos num lugar neutro) etc.
Entre os males da inquisição que sobreviveram ao tempo destacam-se: já que não se pode mais censurar leitura de livros que não têm o parecer do censor do Santo Ofício, censura-se idéias progressistas; opressão dos ricos contra os pobres através do uso de uma linguagem incompreensível(nada pior que um político que vai discursar para um público da Hanha, lá no Cubal, lendo aqueles discursos incompreensíveis). Antigamente usa-se o latim nos tribunais (falar latim é traição aos pobres. Assim, eles eram enganados).
Além disso temos a presença do Estado centralizador, infabilidade do indivíduo que ocupa o poder. Quando alguém do poder pedia demissão isso soava como blasfêmia. Quando ocorria algum erro no governo, era atribuída ao adjunto. Quando de um feito, o as honrarias eram atribuídas ao “príncipe”. No governo só se exaltava e endeusava a figura do soberano. Não existia o Raul Castro. Tendência do fortalecimento da mediocridade nacional. Para tal, o governante, nomeava para cargos estratégicos indivíduos de reconhecida brutalidade, pessoas que não questionam (os inquisitores).
Outro aspecto é a propensão à eliminação física de intelectuais que iluminam muitas almas, exceto os maquiáveis e tomás hobbes. (Se um Hobbes disser que a manifestação vai atrapalhar o nome do reinado, no dia seguinte vira notícias de todos os jornais). Criação de organização burocrática de governo. Construção de obras faraônicas para que se perpetue o nome do soberano, mesmo que se hipoteque o futuro econômico do país. O estrangeiro sempre em primeiro lugar. O sucesso do estrangeiro não ameaça quem está no poder. Surgimento do alto clero (os inquisitores, o agentes do tribunal etc.) e o baixo clero. Conforme já mostrei num dos artigos, foi nessa época que se popularizou o “auto-doutoramento”. Um simples carpinteiro se considerava “doutor”. Era a forma para que burguesia participasse de muitas das vantagens da nobreza e do clero. No entanto, as pessoas eram muito defensivas.
Ainda, a inquisição apoiava-se na delação, denúncia, rumores, intrigas, aumento da corrupção. Cada um fazia sua “cabritagem”. Por exemplo, os casamentos e funerais não se faziam sem que se pagasse adiantado. Os sacerdotes dedicavam-se ao comércio e mantinham propriedades que podiam ser equivalentes, sem muito exagero, à província do Kuanza Sul ou Huila, por exemplo.
Quando eu olho a situação de um e de outro país, quando escuto anúncios de obras e mais obras enquanto isso se deixa o ser humano de lado; quando vejo cenas como aquela da mãe com duas filhas desnutridas, do jovem bebendo água poluída ou ameaça ao grande líder, pessoa empenhada em investir o máximo em si para melhor servir a sociedade, e muito mais coisas por aí, chego à conclusão que ainda vivemos “efeitos psicológicos da Inquisição”. Que herança maldita.
Ameaçar um intelectual é dar tiro no próprio pé. José Gama, estamos juntos nesta caminhada.
http://www.cangue.blogspot.com/
A inquisição é um gato de sete séculos. É tema que ainda não morreu completamente. É só parar e observar as coisas ao nosso redor.
Ontem fui visitar a um amigo psicólogo. Ele recebeu-me bem e ficamos conversando no seu escritório.
Num determinado momento, o telefone dele tocou e atendeu. Pelo tipo de conversa, eu imaginei que o aconselhamento poderia demorar muito. Eu gesticulei, solicitando-lhe a autorização para usar o computador dele que, naquele momento, se encontrava ligado. Ele fez o sinal de positivo com o dedo polegar direito.
Imediatamente digitei: www.club-k.net, e a tecla “enter” para acessar o portal da verdade. Eu queria ler um pouco mais sobre a repercussão da intenção de alguns patriotários, amantes da democradura, que andaram a ameaçar a integridade física do escritor (cronista e poeta) angolano, o embaixador José Gama. Li diversas notícias. Aproveitei reler a gloriosa pintura dele: “A Patria ao estilo de Picasso”. Eu estava concentrado na leitura. Não percebi que a ligação tinha terminado. O meu amigo aproximou-se e viu no canto superior do portal democrático “club-k.net” duas fotos que lhe chamaram atenção.
A primeira mostra uma mulher com duas crianças no colo. Ambas extremamente desnutridas. O que se vê é a pele fina, sem o tecido adiposo subcutâneo, sobre os esqueletos e caveiras. Pelos vistos já estão sob cuidados médicos. Essa foto é o melhor indicador da pobreza que se abate sobre os mais humildes.
A segunda é a de um jovem, que não é louco como muitos já comentaram, de camisa vermelha. Ele, provavelmente, estava perambulando pelas ruas, em busca de um uma oportunidade no mercado de trabalho, consulta médica em algum hospital ou uma vaga em escola. Devido ao forte sol, ele sentiu muita sede. Não possuindo dinheiro para comprar água mineral, dirigiu-se até um poço de água, a céu aberto, daquelas que se formam devido às correntezas de águas de chuvas. É perfeitamente visível o grau de contaminação da mesma. O lixo chama atenção, nomeadamente, o caldeirão de fezes, sapatos velhos, latinhas, papéis e alguns pneus dentro e em volta daquela água. Esse jovem parou diante daquele cenário e teve que tomar uma decisão muito difícil: morrer de sede em seu país ou beber aquela água.
Ele, então, foi se aproximando daquele coquetel e, calmamente, se abaixou. Olhou mais atentamente avistou as larvas de mosquitos, aquelas que quando se alojam em tecidos destroem as hemácias e outros órgãos vitais. Ele percebeu o lixo sobre aquela água. Ele sentiu o forte cheiro, como o de um ovo podre. Mesmo assim ele abaixou-se ainda mais, como se fosse um quadrúpede, se apoiou sobre os dois braços de tal maneira que lhe permitisse não molhar os seus sapatos, encheu os pulmões de ar, soprou sobre a água para afastar o lixo. O fotógrafo que assistia a tudo fez a foto no exato momento em que ele começou, serenamente, a beber aquela água.
O meu colega, o psicólogo, disse-me que todas essas pessoas carregarão para o resto de suas vidas traumas dessas cenas. Na verdade, qualquer um nós não teria dificuldades de acreditar nisso. Eu fiquei encabulado com a frase que ele disse depois: os efeitos psicológicos dessas cenas se farão sentir por três ou quatro gerações dessas pessoas. – mas que herança maldita? Eu resolvi pedir mais esclarecimentos sobre essa última frase. A conversa levou cerca de 4 horas.
Depois da explicação eu comecei a generalizar. Assim, passei a entender por que a nossa sociedade só retrocede. Dá um passo para frente e um e meio para trás. Como explicar que, no início do Século 21, alguém ameace o bem maior de um intelectual como Vasco da Gama? Como explicar o fato de ainda encontrarmos pessoas desnutridas ou que não têm água para beber? Por que nós valorizamos mais o estrangeiro que o cidadão nacional? Há angolanos formados, vivendo em Angola, que não possuem casas e, muitas vezes, nem colocação, mas quando chegam 60 estrangeiros para exercerem as mesmas atividades, o governo se vê na obrigação de arrumar-lhe casas novas. Por que a imprensa oficial fica menosprezando as manifestações pela democratização do país, que ficarão para a história? Eu só encontrei uma explicação para isso: nós ainda sofremos efeitos psicológicos da inquisição.
A inquisição, como é sabido, foi um tribunal eclesiástico, mas teve a participação dos Estados, começou por volta do século XII e foi abolida no século XIX, basicamente, por Napoleão. Ela surgiu porque as pessoas da diáspora daquela época (França) começaram a fazer uma série de críticas aos dogmas que davam sustentação à doutrina cristã. As novas idéias contagiaram e disseminaram-se rapidamente na sociedade, daí a preocupação dos segmentos dominantes.
Muitos “hereges”, assim considerados, mais especificamente os cátaros ou albigenses (França) foram mortos, mas a “heresia” sempre renasceu mesmo quando intensamente desarraigada. Inicialmente eles foram desmoralizados pela imprensa oficial (vamos dizer a Angop, Jornal de Angola) daquela época, com os dizeres do tipo “os mentores não gozam de qualquer prestígio”, ameaça aos intelectuais e depois o massacre físico. Durante a vigência do santo ofício, muitos foram queimados vivos. Os tribunais julgavam crimes contra a fé (confisco de bens) e contra a moral e costumes. O chefe mais famoso da “secreta” foi o Nicolau Eymerich, autor de um manual que foi durante muitos séculos o guia sob o qual se orientavam os inquisitores.
As velhas receitas foram seguidas, por exemplo, pelo nazismo que aprimorou de forma “brilhante” os métodos da inquisição (câmara de gás). Para os adeptos de Hitler a “solução final do problema judaico” era o extermínio físico de todos de ascendência judia. Hitler acreditava em etnia superior. Os crimes dos detentores do poder eram anestesiados. Eles moldavam a opinião pública.
As ditaduras recentes também desenvolveram alguns aspectos desses métodos. O caso mais extremo aconteceu com o povo afegão onde as milícias fundamentalistas islâmicas Talibans demoliram imagens erguidas há 500 anos, reduziram a pó cerca de 80% do acervo do museu nacional de Cabul. Além disso, proibiram que mulheres usassem batons e de trabalhar; proibiram fogos de artifícios, instrumentos musicais, uso de internet para que ninguém acessasse o “club-k.” deles, (regimes autoritários detestam imprensa livre por causa da crítica) filmes, antenas parabólicas de televisão, e pior, negar o acesso da educação à grande parte da população, principalmente às mulheres.
A América latina se livrou dos últimos ditadores, praticamente, na década de 80 e 90, mas até hoje ainda é perfeitamente possível perceber os efeitos psicológicos delas. Um estudo, citado por Zavataro (2004), que procurou saber como os regimes ditatoriais se mantiveram por tanto tempo no poder, mesmo restringindo os direitos e garantias, como a liberdade de expressão, a liberdade de ir e vir, garantias de um processo legais etc. mostrou que o regime autoritário, para que se legitimasse, se alicerçou sobre a ideologia do crescimento econômico. O exemplo mais clássico ocorreu no Chile de Pinochet, que estabilizou a economia e registrou crescimentos extraordinários da economia. Em vários países as ditaduras adotaram a estratégia de construções de obras faraônicas. Um exemplo disso posso citar a obra da ponte Rio-Niteroi, de 13,3 km, que liga o Rio de Janeiro à cidade de Niteroi Niterói. Nessa época a energia nuclear chamou atenção de vários governos. No Brasil, por exemplo, construiu-se o Usina nuclear de Angras
O que se esconde por trás disso é a construção de uma ideologia para convencer as populações, como mostrou uma pesquisa publicada na Folha de São Paulo em 21/04/2004, p.14, segundo a qual, i) o desenvolvimento econômico é mais importante que a democracia; ii) uma forma de mostrar que a democracia não soluciona os problemas do país; iii) fazer crer que é possível existir democracia sem partidos iv) mostrar que a democracia não é indispensável para o desenvolvimento e, v) convencer o povo de que o presidente pode ir além das leis. (Enquanto isso, os “Cristianos”, os espiões dos sistemas, ficavam se infiltrando em manifestações e levavam informações e denúncias e o povo bebia água de poços e passava fome).
Um conflito que as ditaduras não conseguiram resolver é o direito do Estado de punir o autor de uma infração penal e o direito do cidadão à sua liberdade. Eu sempre fico muito desconfiado quando se anuncia um monte de obras faraônicas: construção da ponte Soyo -Cabinda, Dos Santos International Airport, World Trade Center, construção de nova urbe de Luanda (já que vão construir, que seja, pelo menos num lugar neutro) etc.
Entre os males da inquisição que sobreviveram ao tempo destacam-se: já que não se pode mais censurar leitura de livros que não têm o parecer do censor do Santo Ofício, censura-se idéias progressistas; opressão dos ricos contra os pobres através do uso de uma linguagem incompreensível(nada pior que um político que vai discursar para um público da Hanha, lá no Cubal, lendo aqueles discursos incompreensíveis). Antigamente usa-se o latim nos tribunais (falar latim é traição aos pobres. Assim, eles eram enganados).
Além disso temos a presença do Estado centralizador, infabilidade do indivíduo que ocupa o poder. Quando alguém do poder pedia demissão isso soava como blasfêmia. Quando ocorria algum erro no governo, era atribuída ao adjunto. Quando de um feito, o as honrarias eram atribuídas ao “príncipe”. No governo só se exaltava e endeusava a figura do soberano. Não existia o Raul Castro. Tendência do fortalecimento da mediocridade nacional. Para tal, o governante, nomeava para cargos estratégicos indivíduos de reconhecida brutalidade, pessoas que não questionam (os inquisitores).
Outro aspecto é a propensão à eliminação física de intelectuais que iluminam muitas almas, exceto os maquiáveis e tomás hobbes. (Se um Hobbes disser que a manifestação vai atrapalhar o nome do reinado, no dia seguinte vira notícias de todos os jornais). Criação de organização burocrática de governo. Construção de obras faraônicas para que se perpetue o nome do soberano, mesmo que se hipoteque o futuro econômico do país. O estrangeiro sempre em primeiro lugar. O sucesso do estrangeiro não ameaça quem está no poder. Surgimento do alto clero (os inquisitores, o agentes do tribunal etc.) e o baixo clero. Conforme já mostrei num dos artigos, foi nessa época que se popularizou o “auto-doutoramento”. Um simples carpinteiro se considerava “doutor”. Era a forma para que burguesia participasse de muitas das vantagens da nobreza e do clero. No entanto, as pessoas eram muito defensivas.
Ainda, a inquisição apoiava-se na delação, denúncia, rumores, intrigas, aumento da corrupção. Cada um fazia sua “cabritagem”. Por exemplo, os casamentos e funerais não se faziam sem que se pagasse adiantado. Os sacerdotes dedicavam-se ao comércio e mantinham propriedades que podiam ser equivalentes, sem muito exagero, à província do Kuanza Sul ou Huila, por exemplo.
Quando eu olho a situação de um e de outro país, quando escuto anúncios de obras e mais obras enquanto isso se deixa o ser humano de lado; quando vejo cenas como aquela da mãe com duas filhas desnutridas, do jovem bebendo água poluída ou ameaça ao grande líder, pessoa empenhada em investir o máximo em si para melhor servir a sociedade, e muito mais coisas por aí, chego à conclusão que ainda vivemos “efeitos psicológicos da Inquisição”. Que herança maldita.
Ameaçar um intelectual é dar tiro no próprio pé. José Gama, estamos juntos nesta caminhada.
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