domingo, 27 de maio de 2012

O 28 e o 31 de Agosto – eis a questão



Por Justino Pinto de Andrade


1. Na sua última reunião, os conselheiros da República aconselharam o Chefe de Estado a marcar as eleições gerais para o dia 31 de Agosto, no respeito pelos “timings” definidos na actual Constituição. Recordo que este Parlamento emergiu das eleições legislativas de 2008 e os Deputados tomaram posse no dia 1 de Outubro.

2. De acordo com o Artigo 112 da Constituição, as eleições gerais deverão ter lugar até 30 dias antes de expirar o prazo do mandato do Presidente da República e dos Deputados à Assembleia Nacional, devendo ser convocadas até 90 dias antes do termo do mandato do Presidente da República e dos Deputados.

3. De um ponto de vista meramente formal, os conselheiros da República estiveram bem na sua interpretação da Lei. Porém, do ponto de vista político, desvalorizaram certas circunstâncias que acompanharam os últimos momentos políticos e que mancharam a imagem do nosso Estado, pois não levaram em conta o facto de o Conselho Superior da Magistratura Judicial ter colocado a dirigir o principal órgão de administração eleitoral – a Comissão Nacional Eleitoral – quem não reunia as condições julgadas essenciais para o ser, a Dr.ª Susana Inglês.

4. A impugnação da eleição da Dr.ª Susana Inglês, suscitada por alguns partidos políticos, foi julgada procedente pelo Tribunal Supremo, órgão de justiça que não só a invalidou como também anulou o próprio concurso público. Ficou daí subjacente a ideia de que os actos administrativos (talvez apenas alguns) praticados pelo órgão dirigido Dr.ª Susana Inglês seriam nulos ou, no mínimo, anuláveis. A verificar-se tal situação, criar-se-ia uma clara situação de excepção capaz de justificar uma concertação que pudesse relativizar os limites temporais traçados na Lei Fundamental.

5. É que a Lei Fundamental foi desenhada supondo circunstâncias normais, mas o momento que o país vive não é normal. Como vimos, ocorreu, claramente, uma circunstância extraordinária no nosso processo político.

6. Por isso, houve quem admitisse um protelamento das eleições gerais, dando-se, assim, tempo para que os actos administrativos praticados e julgados ilegais fossem expurgados e o processo político passasse a decorrer com normalidade, sem serem susceptível de suscitar suspeitas de estarmos perante uma manobra capciosa de quem detém epretende a todo o custo preservar o poder. Mas, não foi isso o que sucedeu – optou-se por seguir em frente, deixando transparecer dúvidas sobre a sinceridade política do principal actor político nacional.

7. O MPLA tomou a iniciativa de se conformar publicamente com o resultado do Acórdão do Tribunal Supremo. Quem ouviu ou leu as suas declarações ficou com a impressão de que se tratava apenas de uma questão de substituição de uma pessoa e não de uma eventual ilegitimidade dos actos praticados sob a direcção da Dr.ª Susana Inglês.

8. Ao assumir como inelutável a decisão do Supremo, o MPLA ficou logo com imagem de entidade cumpridora das leis (sobretudo, da Constituição), porém, o seu maior ganho já vinha de trás, pois já estava praticamente tudo feito e conforme ele pretendia: terminara o registo eleitoral sob o seu controlo (Ministério da Administração do Território); não se cumpriram determinadas obrigações respeitantes a esse mesmo registo; afectou-se a uma empresaconveniente a tarefa da auditoria ao ficheiro; disseminou-se «militantes certos» pelas estruturas eleitorais provinciais, municipais e comunais. Assim, seguramente e também em consequência teremos, dentro de 3 meses, e de novo, mais do mesmo …

9. Por quase coincidência, as eleições gerais terão lugar no dia 31 de Agosto, o mês dos quase carnavalescos festejos públicos para saudar o aniversário do Chefe de Estado que é também, por uma coincidência que já dura há 33 anos, presidente do MPLA.

10. É habitual que, antes e depois da data natalícia de José Eduardo dos Santos, o país fique praticamente refém de um conjunto de actos públicos alusivos e que lançam para a obscuridade mediática tudo o resto. Tem sido sempre assim, e ninguém pode dizer que estou errado.

11. Durante todo o mês de Agosto, proliferam torneios de futebol e de outras modalidades desportivas em saudação ao evento natalício, são passeadas coloridas e engalanadas, clubes desportivos que deveriam ter grande postura cívica, séria e idónea, rendem-se facilmente aos encantos do momento. Fazem mesmo lembrar os parâmetros culturais, sociais e políticos da Coreia do Norte, onde já se improvisam choros...

12. O êxtase é atingido pelos órgãos de comunicação públicos que se portam simplesmente como instrumentos de mera propaganda pessoal. Nem mesmo conseguem escapar ao ridículo alguns dignitários estrangeiros que se colocam também na fila do invariável séquito bajulador. Todos exaltam copiosamente, e de forma grandíloqua, os feitos, assim como os factos do aniversariante. Ele torna-se o «alfa» e o «beta» do princípio do mundo. Se não fosse o aniversariante com a sua sapiência e clarividência, o país seria uma aldeia e andaríamos todos de tanga ou pendurados nas árvores… É o fartai vilanagem…

13. Se nas últimas eleições legislativas era impossível distinguir quem estava a falar, se o Chefe de Estado, se o líder partidário, desta vez teremos ainda uma maior dificuldade para distinguir o aniversariante do dia 28 de Agosto do candidato do dia 31 de Agosto. Os dois dias desse mesmo mês confundir-se-ão num só e numa só pessoa. Será o milagre do tempo, em versão eduardina…

14. Eu penso que na vida tudo deve ter limites. Um dos principais limites para a política deve ser a moral e a ética. Pelo menos deveria ser assim. Mas, há quem assim não pense e muito menos pratique, pois acha que a política é o campo do vale tudo…

15. Os próximos anos, tenho a certeza, reservarão bastantes surpresas para todos os falsos democratas. E nada me espanta pois eles, afinal, mais não são do que meros sucedâneos dos grandes ditadores. ■

Semanário Angolense edição 467, 26 de maio de 2012

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