sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Em favor da biblioteca e da educação

No contexto geral da educação angolana, a biblioteca nunca mostrou ser imprescindível à concretização do acto de aprender. Para se ter uma idéia, eu fui aluno de várias escolas, em três províncias, durante a minha vida escolar. Em todas essas instituições de educação básica nenhuma possuía biblioteca.

Isso também não aconteceu nem mesmo quando estudei no saudoso Instituto Médio de Petróleo (IMP), no Sumbe (naturalmente, com tanto petróleo, a essa altura o IMP deve ter a melhor biblioteca da África)

Muitos atribuem essa situação à guerra que o país viveu. A falta de bibliotecas não é um problema recente. Quando cursei as classes iniciais ainda no regime colonial isso já ocorria. Não interessa aqui aprofundar a questão nem discutir se essa justificativa é adequada ou não.

No Brasil eu tive uma experiência inesquecível, para mostrar como o esse país, também em desenvolvimento, leva a sério a questão de bibliotecas. Durante dois anos participei da execução de um projeto de instalação do sistema Estadual de Informação Científica e Tecnológica do Estado de Minas Gerais. Eu visitei mais de 100 instituições. Uma coisa que me chamou atenção nessas visitas é a presença de bibliotecas em todas as instituições sejam elas escolas da educação básica ou empresas.

Nessa época, conheci empresas que dispensavam a seus funcionários o tempo, até 20 minutos, para a leitura durante o horário normal de expediente, mesmo que fosse para ler um simples jornal. Se é eficaz, ou não, eu não sei, mas, pelo menos, isso mostra a preocupação de certas instituições em relação à importância da leitura e de ter uma biblioteca.

A ausência de bibliotecas escolares no nosso país, 30 anos depois da nossa independência, principalmente em classes iniciais, retrata um sistema educacional que não se preocupa em criar no estudante uma mentalidade independente, que lhe possibilite atingir um amadurecimento intelectual enquanto leitor.

É triste ver, por exemplo, uma educação baseada somente em um livro indicado exclusivamente pelo professor, muitas vezes só ele possui o único exemplar, quem sabe editado há mais de 10 anos, ou pior ainda, baseado em anotações dele, muitas vezes mal feitas. Há poucos meses li uma notícia sobre os valorosos estudantes do curso de Engenharia de uma Universidade de Luanda que, literalmente, “correram” com o professor que exigia respostas, nas avaliações, conforme as suas anotações.

Nas escolas brasileiras, pelo menos por onde passei, o procedimento normal é o professor selecionar livros e textos adequados ao aprendizado do assunto e os indica como referência bibliográfica. Os alunos então desenvolvem a partir dessas referências as pesquisas. Eles se dirigem, essencialmente, à biblioteca. É lindo ver as bibliotecas cheias de alunos. Eu demorei muito para me acostumar com a idéia de freqüentá-las. Eu era um estudante que nunca foi motivado a ler nem freqüentá-las. A leitura não era, portanto, meu hábito. Eu só ia para lá quando o professor exigisse a elaboração de um trabalho escolar ou para estudar às vésperas de provas.

Em muitas delas, os bibliotecários trabalham em conjunto com os professores no sentido de exercer uma colaboração que venha gerar bons resultados no processo de ensino/aprendizagem escolar. Isso é uma forma de explorar toda a potencialidade da biblioteca.

É lá que encontramos os livros originais dos quais os professores fazem aqueles seus resumos ou anotações de sua época de estudante. (Digo isso porque há poucos dias um meu colega, que é professor universitário, enviou-me uma lista de livros que gostaria adquirir. Causou-me espanto encontrar referências de livros publicados1977. A princípio cheguei a pensar que ele fosse colecionador de livros antigos).

Depois que eu conheci a biblioteca, só passei a assistir as primeiras aulas para receber o programa do curso, referências bibliográficas, bibliografia recomendada, data de provas, conhecer a didática do professor e, principalmente, saber se ele reprova o aluno por faltas ou não. Em caso negativo, em vez de ficar vendo o professor lendo aqueles resumos, eu ficava fechado na biblioteca lendo os originais. Como resultado, as melhores notas que tive, até hoje, são de disciplinas que não assisti às aulas. Isso mostra que muitos professores não fazem tanta falta assim.

Aliás, descobri que as bibliotecas são mais democráticas. Além disso, descobri também que o profissional do nosso século precisa ser autodidata. Por outro lado, os livros também devem se “sentir bem” quando são consultados.

Até o meu ingresso na universidade, praticamente, eu desconhecia os recursos que a biblioteca oferecia, bem como as formas pelas quais esses recursos podiam me ajudar no processo de aprendizagem.

Em nossos dias, mesmo com os avanços tecnológicos, como por exemplo, a internet, ainda a escola se utiliza quase que exclusivamente do livro. A pesquisa na internet está longe de superar a biblioteca principalmente em termos de confiabilidade de fontes.

Atualmente vou lá mais para consultar textos de português e literatura. Não que eu trabalhe na Televisão Pública de Angola, que recentemente decidiu aplicar provas de português a seus funcionários. (Mesmo que eu trabalhasse lá dificilmente faria tais provas porque eu não chefiaria nenhum departamento e muitos sabem por quê (novelas).

No entanto é louvável essa iniciativa, embora, é sabido, que poucos gostam de ser avaliados. Basta ver os malabarismos que os nossos políticos estão a fazer para adiar as eleições. Agora já estão a falar em 2008!)

Antes de terminar, não quero ser injusto contra os meus colegas professores. Muitos deles fazem o seu melhor. É louvável os malabarismos que muitos fazem para que o saber nos chegue mesmo com certas limitações como por exemplo a ausência de bibliotecas.

Ainda sobre a leitura, encontramos várias teorias. Muitos defendem que quem lê mais, escreve melhor; quem lê mais é melhor, vive melhor; a leitura liberta; a leitura conscientiza; no mundo “civilizado” se lê muito; ler é bom; ler engrandece a alma; ler exercita o cérebro ou ler é o caminho para a língua culta. Eu não sei avaliar qual dessas teorias é a mais certa. A única coisa que descobri é que ler é muito bom e ler literatura é ideal.

Termino adaptando as palavras de Brunetti: o desenvolvimento do ensino em “Angola” deve fundamentar-se no pleno acesso ao conhecimento através das fontes de informação. Kanitz é mais enfático: “leia sempre o original”.



«Em favor da biblioteca e da educação»
por Feliciano José Ricardo Cangue
em 11 de Setembro de 2006 - 07:23
Fonte:
Club-k.net

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