Por Ismael Mateus
imateus@semanario-angolense.com
1. Diz a imprensa que o grupo Média Nova substituiu o director do Jornal O País por suspeitar que ele sendo mukongo faria parte de uma cabala étnica favorável a Fernando Miala contra o Procurador-geral da República.
Se tivesse sido apenas um jornal a admitir essa possibilidade, optaríamos por não dar importância nenhuma a este elemento. Mas não foi assim. Esta versão circula no meio jornalístico e político e não houve nem uma versão contrária do grupo nem um desmentido. Assim o Luís Fernando terá sido eventualmente avaliado não pela sua competência ou falta dela; pela sua ideologia ou por ir contra ela ou ainda pelo seu desempenho jornalístico, que teria atentado ou não contra a verdade. A presunção de culpa advém do facto de pertencer ao mesmo grupo étnico com um homem que tem diferendos políticos ou de outra natureza com os líderes do grupo ou com o PGR.
Temos, até mesmo para a nossa estabilidade mental, de acreditar que o argumento motivador não é esse. É no mínimo inquietante que esse grupo económico que, do nada, lidera a comunicação social do país tenha tão ‹‹nobres visões tribalistas›› sobre o desempenho de cargos. A concentração de órgãos representa em si um perigo. O caminho para a liderança que está a ser feito pelo grupo Média Nova vem sendo (e não sabemos se ingenuamente) facilitado por outro de enfraquecimento dos órgãos públicos, tanto tecnicamente como em conteúdos. Se os próprios órgãos públicos sempre tiveram um grande défice em assegurar uma representação equilibrada do outro, em assumirem-se como um pleno veículo da angolanidade, imaginemo-nos com uma comunicação social dominado pelas ideias da presunção de culpa por razões étnicas.
Uma das conquistadas do nosso processo de reconciliação nacional é exactamente o facto de já não ser necessário mostrar a origem e o nome de família para ocupar cargos funcionais, ao contrário dos cargos de confiança onde prevalece ainda a lógica familiar(contabilizem-se laços familiares directos e por afinidade entre membros da cúpula). A ser verdadeira a posição do grupo Média Nova é um claro e oficialretorno ao tribalismo, assente na ideia de a origem étnica é determinante para as opções de vida de cada cidadão e, como tal, genericamente os bakongo são todos iguais, tal como os ovimbundu e os kimbundu.
É um grave retrocesso que não deveria ficar sem resposta. Ou aquele grupo vem a público desmentir a demissão de Luís Fernando por razões étnicas ou a sociedade tem de tomar uma posição crítica, pública e reiterada para não permitirmos um tão grande retrocesso de uma liberdade conquistada. É pura e simplesmente inaceitável e inconcebível a possibilidade de existência de um local de trabalho, seja privado ou público, onde prevaleça a ideia de que diz-me de onde és e dir-te-ei com quem andas. Antigamente as pessoas eram classificadas em bailundos, malajinos, catetistas e ‹‹zairenses››. Sempre com uma carga pejorativa. Hoje o ser angolano é mais importante que isso tudo e ao mesmo tempo cada um se orgulha de pertencer às suas raízes.
O preconceito de ser africano, de se vestir a africano, de ser do ‹‹interior›› ou do mussuque felizmente está a ser ultrapassado e não é razoável sermos todos cúmplices de uma decisão que pode ter sido exactamente inspirada nesse preconceito. O argumento de que se trata da vida interna de um órgão privado não é suficiente para que não possamos intervir e solicitar ao grupo Média Nova que esclareça essa relação que se diz existir entre a etnia de Luís Fernando e a sua demissão. Seja como for, este é mais um aviso em relação à gestão dos meios de comunicação social. Os dirigentes do MPLA não querem teimosamente ver o que se está a passar.
Temos dito que quem cria um órgão de comunicação fá-lo para influenciar. Cabe ao Estado assegurar um serviço público que garanta aos cidadão mínimos de informação e diversidade, mas também cabe ao Estado oferecer igualdade de oportunidades a diversas sensibilidades da sociedade, sob pena de, por força do grande poder persuasor da midia, uns passarem a ter direito a subjugar outros. Se nos cai como prenda uma ‹‹limpeza étnica›› nos conteúdos e nas pessoas muitos dos alicerces desta nossa nação vão simplesmente ser fortemente abalados e os prejuízos serão incalculáveis. A triste história do Ruanda provou que os meios de comunicação social têm força bastante para isso. Não há em termos de conteúdos tanto na rádio, na TV ou no jornal do grupo qualquer sinal de uma orientação desse género. Porém, a ser verdade, a motivação da demissão do nosso confrade Luifer há uma luz amarela que se acende. É melhor pormos as barbas de molho que até mesmo as rosas têm espinhos.
2. Sobre essa maka toda das imoralidades continuamos a advogar que a solução não é a caça às bruxas de um ou de outro lado. Chegamos todos nós, sociedade, a um nível de degradação moral que não há pessoas que não tenham telhados de vidro. Há quem pense em cabalas ou em perseguições. Há quem queiram fazer comissões da verdade, inquéritos de dimensão mundial e voltar uns contra outros na cruzada para detectar imoralidades. A solução por essa via será a de sacrificarmos apenas a raia miúda. Vão aparecer uma dezena de agentes policiais, outros tantos funcionários públicos, um ou outro director. Nada ficará realmente resolvido.
É preciso encontrar uma solução de corte. Algo mais sério, assente em valores, novas práticas e até novos protagonistas. ■
imateus@semanario-angolense.com
1. Diz a imprensa que o grupo Média Nova substituiu o director do Jornal O País por suspeitar que ele sendo mukongo faria parte de uma cabala étnica favorável a Fernando Miala contra o Procurador-geral da República.
Se tivesse sido apenas um jornal a admitir essa possibilidade, optaríamos por não dar importância nenhuma a este elemento. Mas não foi assim. Esta versão circula no meio jornalístico e político e não houve nem uma versão contrária do grupo nem um desmentido. Assim o Luís Fernando terá sido eventualmente avaliado não pela sua competência ou falta dela; pela sua ideologia ou por ir contra ela ou ainda pelo seu desempenho jornalístico, que teria atentado ou não contra a verdade. A presunção de culpa advém do facto de pertencer ao mesmo grupo étnico com um homem que tem diferendos políticos ou de outra natureza com os líderes do grupo ou com o PGR.
Temos, até mesmo para a nossa estabilidade mental, de acreditar que o argumento motivador não é esse. É no mínimo inquietante que esse grupo económico que, do nada, lidera a comunicação social do país tenha tão ‹‹nobres visões tribalistas›› sobre o desempenho de cargos. A concentração de órgãos representa em si um perigo. O caminho para a liderança que está a ser feito pelo grupo Média Nova vem sendo (e não sabemos se ingenuamente) facilitado por outro de enfraquecimento dos órgãos públicos, tanto tecnicamente como em conteúdos. Se os próprios órgãos públicos sempre tiveram um grande défice em assegurar uma representação equilibrada do outro, em assumirem-se como um pleno veículo da angolanidade, imaginemo-nos com uma comunicação social dominado pelas ideias da presunção de culpa por razões étnicas.
Uma das conquistadas do nosso processo de reconciliação nacional é exactamente o facto de já não ser necessário mostrar a origem e o nome de família para ocupar cargos funcionais, ao contrário dos cargos de confiança onde prevalece ainda a lógica familiar(contabilizem-se laços familiares directos e por afinidade entre membros da cúpula). A ser verdadeira a posição do grupo Média Nova é um claro e oficialretorno ao tribalismo, assente na ideia de a origem étnica é determinante para as opções de vida de cada cidadão e, como tal, genericamente os bakongo são todos iguais, tal como os ovimbundu e os kimbundu.
É um grave retrocesso que não deveria ficar sem resposta. Ou aquele grupo vem a público desmentir a demissão de Luís Fernando por razões étnicas ou a sociedade tem de tomar uma posição crítica, pública e reiterada para não permitirmos um tão grande retrocesso de uma liberdade conquistada. É pura e simplesmente inaceitável e inconcebível a possibilidade de existência de um local de trabalho, seja privado ou público, onde prevaleça a ideia de que diz-me de onde és e dir-te-ei com quem andas. Antigamente as pessoas eram classificadas em bailundos, malajinos, catetistas e ‹‹zairenses››. Sempre com uma carga pejorativa. Hoje o ser angolano é mais importante que isso tudo e ao mesmo tempo cada um se orgulha de pertencer às suas raízes.
O preconceito de ser africano, de se vestir a africano, de ser do ‹‹interior›› ou do mussuque felizmente está a ser ultrapassado e não é razoável sermos todos cúmplices de uma decisão que pode ter sido exactamente inspirada nesse preconceito. O argumento de que se trata da vida interna de um órgão privado não é suficiente para que não possamos intervir e solicitar ao grupo Média Nova que esclareça essa relação que se diz existir entre a etnia de Luís Fernando e a sua demissão. Seja como for, este é mais um aviso em relação à gestão dos meios de comunicação social. Os dirigentes do MPLA não querem teimosamente ver o que se está a passar.
Temos dito que quem cria um órgão de comunicação fá-lo para influenciar. Cabe ao Estado assegurar um serviço público que garanta aos cidadão mínimos de informação e diversidade, mas também cabe ao Estado oferecer igualdade de oportunidades a diversas sensibilidades da sociedade, sob pena de, por força do grande poder persuasor da midia, uns passarem a ter direito a subjugar outros. Se nos cai como prenda uma ‹‹limpeza étnica›› nos conteúdos e nas pessoas muitos dos alicerces desta nossa nação vão simplesmente ser fortemente abalados e os prejuízos serão incalculáveis. A triste história do Ruanda provou que os meios de comunicação social têm força bastante para isso. Não há em termos de conteúdos tanto na rádio, na TV ou no jornal do grupo qualquer sinal de uma orientação desse género. Porém, a ser verdade, a motivação da demissão do nosso confrade Luifer há uma luz amarela que se acende. É melhor pormos as barbas de molho que até mesmo as rosas têm espinhos.
2. Sobre essa maka toda das imoralidades continuamos a advogar que a solução não é a caça às bruxas de um ou de outro lado. Chegamos todos nós, sociedade, a um nível de degradação moral que não há pessoas que não tenham telhados de vidro. Há quem pense em cabalas ou em perseguições. Há quem queiram fazer comissões da verdade, inquéritos de dimensão mundial e voltar uns contra outros na cruzada para detectar imoralidades. A solução por essa via será a de sacrificarmos apenas a raia miúda. Vão aparecer uma dezena de agentes policiais, outros tantos funcionários públicos, um ou outro director. Nada ficará realmente resolvido.
É preciso encontrar uma solução de corte. Algo mais sério, assente em valores, novas práticas e até novos protagonistas. ■
Fonte S.A. 29 agosto de 2009