A propósito de uma excessiva presença presidencial
Na esteira do «Eduardismo» o país não está a ter «JES a mais»?
O país está refém do Presidente José Eduardo dos Santos. Disse-o há não mais de três semanas Abel Chivukuvuku, em entrevista que concedeu ao jornal «A Capital». Não constituindo segredo algum que o maior sonho alimentado por este proeminente dirigente da UNITA é o de um dia vir a instalar-se no palácio presidencial angolano, é legítimo enquadrar o que ele disse no âmbito de uma «campanha» para a concretização desta ambição política. Mas independentemente do que são as metas políticas de Chivukuvuku, o que ele disse não é nenhuma inverdade: há hoje uma avassaladora presença presidencial em todos os domínios da vida do país. Um protagonismo que, sem mais delongas, teremos de convir que é exagerado, asfi xiante mesmo, podendo, a prazo, trazer resultados perniciosos para a Nação. Afinal, é difícil falar-se em plenitude democrática num quadro em que mais de 16 milhões de pessoas estão sujeitas – para não dizer manietadas – a uma só voz, além de ser duvidoso igualmente que daí resultem as mais sábias decisões e tomadas de medidas governativas. Este é o assunto que nesta edição o Semanário Angolense traz à liça, como repto para que a sociedade pare e se interrogue sobre o que está realmente a acontecer.
Convenhamos, assim, que Abel Chivukuvuku não estava a tirar nenhum coelho da cartola ao fazer a afi rmação que fez. Disse que o país está «refém» do Presidente José Eduardo dos Santos sem usar de qualquer outro rótulo ou jargão que caiam no âmbito da Ciência Política. Mas já há quem se permita esse exercício intelectual e académico, defi nindo o fenómeno como sendo parte de um sistema de poder construído ao longo dos 30 anos em que JES está à frente do Estado angolano. E a este sistema bem se poderia denominar por «Eduardismo», em cuja extensão está o que também se conhece por «futunguismo», interpretado e definido como um fenómeno de exibição do poder pelo próprio «staff » do Presidente da República.
De facto, José Eduardo dos Santos assumiu tamanha discricionariedade que pôs a Nação totalmente dependente de uma só pessoa – a sua – e a gravitar em torno dos seus actos e omissões. Nada que conte e seja verdadeiramente relevante acontece sem a chancela do Presidente.Ele dá o mote para tudo em Angola. E quando dizemos tudo, não nos estamos a restringir ao que se passa nas sessões do Conselho de Ministros, onde a figura presidencial, pelos vistos, tem sido «omni» em todos os sentidos: omnipresente, omnisciente e omnipotente.
O grande protagonista dos actos do executivo tem sido ele, o Presidente da República, e mais ninguém. Nenhum ministro ou qualquer técnico de topo surge a reivindicar ou a assumir a chancela de um projecto, como se todos os actos governativos começassem e acabassem no Presidente.
Nacos de protagonismo que caiem eventualmente da mesa presidencial sobram para franjas e sectores que gravitam em torno do próprio Presidente, nomeadamente os seus assessores, entrando aqui a rede de poder denominada por «futunguismo». Por exemplo, é ao Gabinete de Reconstrução Nacional e, concomitantemente, ao poderosíssimo general Kopelipa, chefe da Casa Militar do Presidente, que é assacado algum do protagonismo decorrente dos grandes empreendimentos em curso no país, sobrando muito pouco ou quase nada ao Ministério das Obras Públicas e seu titular Higino Carneiro.
Por essa razão, aliás, já houve gente espirituosa a questionar se temos mesmo um governo ou simplesmente um simulacro disso. E se diante da fl agrante inacção dos demais membros do Governo, não seria caso legítimo para se propor que estes passem a repartir os salários com o Presidente da República e os homens que estão à sua cintura. Ou, numa medida mais drástica, dispensar-se todo o executivo. Afi nal, de que adianta termos um Governo apenas de letra e forma, cuja única virtude é dedicar-se a exaurir o erário, já que os ministros e secretários de Estado ficam a apanhar bonés nos seus gabinetes, enquanto todo o trabalho fica por conta do staff do PR ou das «comissões de gestão» que brotam como cogumelos mês sim, mês também?
Brada aos céus, a pobreza de pensamento individual que grassa pelo país. Até no próprio partido maioritário, a aridez é completa. O dom de raciocinar e de traçar estratégias políticas e governativas foi todo endossado à sapiência do Presidente, que dá o mote a tudo. Se há algum debate é ele que o suscita e mais ninguém. O último, já o sabemos, foi sobre o modelo de sufrágio presidencial. José Eduardo dos Santos entreabriu o assunto, mas como, acto contínuo, fechou-se em copas, um deserto de ideias acabou por instalar-se nos mais variados círculos, provavelmente à espera que o Presidente reabra a «campanha de caça».
Pior, nisto tudo, é que nada é casual. Parece haver um movimento deliberado e tácito, que chega a raiar o paroxismo, visando mesmo instilar a ideia de que tudo deve gravitar em torno da fi gura presidencial, com demissões massivas de autoridade e responsabilidade. Foi, pelos vistos, graças a ele que Angola ganhou a organização do CAN de Janeiro próximo – vai daí ter havido um «lobbing» frenético para que a Confederação Africana de Futebol (CAF) laureasse o Presidente angolano pelo feito.
Estamos todos recordados da correria suscitada quando o Presidente ergueu o bastão e falou do programa de construção de um milhão de casas, marcando com isso um antes e um depois em matéria de politica habitacional. Um «abre-te sésamo » que pôs todo o mundo a «papaguear» sobre o assunto, como se só agora fosse possível sair-se da idade das cavernas para a modernidade. É ver o ciclo de conferências sobre tudo e mais alguma coisa que aconteceram em desfi lada: agricultura, desenvolvimento rural, transportes, etc., etc.
Enfim, ninguém parou para pensar que nesta aparente exaltação de virtudes, a que um segmento reduzido da nossa sociedade tem vindo a devotarse de maneira quase catártica, está exactamente a demonstração de todo o nosso fracasso colectivo no passado: Angola tem de partir do zero e reaprender a fabricar já não a roda, mas o alfinete! E vai, ou está a fazêlo, graças à providencial acção do seu Presidente.
É o que ainda há dias foi reafirmado por um dos mais importantes membros do Governo, que atribuiu inteiramente ao mais alto magistrado angolano o mérito do crescimento económico que o país tem estado a galgar. E declarou-o com tal convicção que parecia alguém a ver Moisés abrir o Mar Vermelho para permitir a fuga do povo hebreu do terrível jugo passado no Egipto.
Novo fôlego para o «futunguismo»
Há uns cinco anos, parecia que José Eduardo dos Santos estava disposto a enterrar o «futunguismo», se o entendermos, em termos gerais, como uma exibição colectiva de poder por parte dos homens que cercam o Presidente da República. Então, Jes dera sinais de diminuir o protagonismo dos seus assessores quando foi deixando «cair» notáveis como Carlos Feijó, Toninho Van-Dúnem ou Madeira Torres, cujas mais-valias em termos de pergaminhos técnicos também se traduziam em ascendente e poder político.
A entrada no Palácio de figuras mais «softs» como Reis Júnior, Américo Garcia (e agora Frederico Cardoso), Archer Mangueira e Carlos Alberto Fonseca infundiu na opinião pública essa percepção de retracção do «futunguismo», mas tratou-se de fogo fátuo. Depois da defenestração de Fernando Miala, os assessores «sobrevivos» ganharam mais poderes e protagonismos.
Por razões que escapam à lógica, a ascensão de Hélder Vieira Dias «Kopelipa» tornou-se já um caso de estudo, não sendo mero acaso que em certos círculos ele seja conhecido como o «vice-presidente ». Sozinho, ele vale por toda a armada presidencial, comandando um sistema de governação paralela.
Neste momento, não há nenhuma comissão ad-hoc criada por José Eduardo dos Santos que não tenha o dedo de Kopelipa. E se ele não está presente, há sempre a fazer-lhe às vezes outros membros do «inner circle» do Presidente da República, que reganharam poder relançando o conceito de «futunguismo» como desvalorização do Governo real.
A comissão encarregue de elaborar o Plano Director de Luanda só tem um «estranho »: a governadora. Dir-se-ia que o Governo verdadeiro é aquele constituído pelos assessores presidenciais. A equipa de Paulo Kassoma serve apenas para ir ao Parlamento falar sobre assuntos que, no mais das vezes, nem sequer dominam porque são tratados no secretismo do Palácio. A todo este poder político corresponde um efectivo poder económico. Os assessores do PR estão hoje presentes em todos os negócios mais rentáveis deste país: telecomunicações, petróleo, diamantes, bancos, seguros, aviação, cimento, enfi m, em todos os negócios lucrativos são os primeiros a chegar. E só depois deles os outros se podem aproximar da mesa.
Em suma, os avanços e recuos do futunguismo podem ser uma bitola para avaliarmos o estado eduardismo. Certo é que, ao que se observa ele está a ganhar novo fôlego. Muitos dos processos mantêm-se os mesmos. Mudaram essencialmente os protagonistas…
Como no Big Brother
Eduardismo observa tudo e todos
Sebastião Mujinga *
Falar sobre o Eduardismo implica, antes de tudo, saber se existe. Existe Eduardismo no nosso país? E a resposta é sim, existe. Com trinta anos de poder, é normal que o presidente Eduardo dos Santos tenha construído uma marca e deixe essa marca na gestão do país. O Eduardismo é, no entanto, mais do que uma marca. É aquilo a que se costuma chamar de sistema. O Eduardismo é já uma maneira de estar. Há um conjunto de tiques, atitudes e formas de estar que compõem o Eduardismo. Tudo talvez tenha começado da necessidade de uma liderança forte para a condução do Estado em guerra. Intencionalmente ou não, disso resultou uma estrutura de poder excessivamente concentrada e dependente do líder. Não há no nosso sistema político-partidário - e até ao nível do judicial -organismo ou pessoa que não dependa do aval ou do parecer de JES.
O Eduardismo é, na verdade, um sistema de poder do tipo big brother que a todos vê , opina sobre tudo e defi ne critérios. No topo está o próprio Presidente, cujas «orientações e sabedoria» ultrapassam os mais renomados especialistas nas mais diferentes áreas do saber. Recentemente, até a musica do COCAN – que já teria sido supostamente decidida por um júri - teve de ser submetida à aprovação do líder, o que dá ideia da grandiosidade da obra em que nos metemos.
Os primeiros ensaios desta excessiva concentração radicam no falecido futunguismo (**),onde os futunguistas corporizavam uma governação paralela.Ficou depois consolidada com o famoso e polémico parecer do Tribunal Supremo quanto à chefi a do Governo. Hoje não restam duvidas de que o sistema funciona e está afi nado como uma maquina trituradora de âmbito partidário-governamental. José Eduardo dos Santos é Presidente da Republica, do MPLA, Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, chefe do Governo, cabeça de lista de deputados do MPLA, candidato único à liderança do MPLA, candidato natural à Presidência da República. Indica o Presidente da Assembleia Nacional, escolhe e nomeia os Primeiro- Ministro, o Procurador-Geral da República e todos os presidentes dos tribunais maiores. No seu partido, escolhe o vice-presidente e os membros do secretariado.Todas as indicações para o preenchimento de cargos públicos de nível superior têm aval directo do Presidente ou da sua equipa. Muito poucos cargos e funções são preenchidos por eleição secreta ou por carreira profi ssional. Ao longo destes trinta anos os critérios, os timings para a nomeação ou desnomeação nunca foram revelados.
As escolhas do Presidente aparentam cada vez mais uma qualidade técnica duvidosa e demonstram uma perigosa aproximação familiar ou de amizade a membros do seu staff . É este sistema que faz com que os nomeados - tenham ou não legitimidade constitucional ou partidária- vivam em permanente estado de agradecimento. A maior parte deles nunca se imaginou nesses cargos e a sua nomeação acaba por constituir uma divida de gratidão. E assim funciona o sistema. Em divida de gratidão pela inimaginável oportunidade, políticos e governantes remetem todo o mérito do seu trabalho a JES. Não há obra, projecto ou chafariz que seja inaugurado sem o devido agradecimento ao Presidente por ter dado o seu apoio e a sua sábia orientação. Ninguém pensa, inventa, organiza e realiza boas acções. É tudo obra do chefe. Não há Eduardismo sem demonstrações de profunda gratidão não só ao chefe mas a todo o seu staff . Basta ver os ministros que se curvam perante os assessores do PR. E, agora, a «deferência» é até extensiva aos filhos menores de José Eduardo dos Santos.
Naturalmente, um sistema deste género é propício a vícios e males piores. Nos círculos de poder há redes de intrigas e lutas intestinas que se tornaram a essência do sistema. O nível de elaboração de políticas de bastidores e acções secretas é altíssimo. Tanto no Futungo como na estrutura actual, JES sempre se fez rodear de gente de altíssima qualidade. O sistema arregimenta técnicos de grande qualidade com aliciantes materiais como casa, carro, participação societária em empresas e bónus anuais de desempenho. Em troca exige fi delidade e muita gratidão. São esses invisíveis cérebros do sistema que maquinam planos e estratégias que escapam ao pensamento comum. Os planos, tantos os fi nanceiros, económicos como os políticos são calculistamente pensados Nada é deixado ao acaso. A intenção é perpetuar o sistema mesmo num cenário em que o Presidente Eduardo dos Santos saia do poder. Nada é ao acaso. Nem a alusão à eleição indirecta, nem o prolongar da indefi nição na marcação de eleições presidenciais e muito menos a colagem da imagem de JES à necessidade de estabilidade no país. As surpreendentes compras feitas por empresários angolanos no mercado português, a investida de fi guras do sistema na criação de novos órgãos de comunicação social e o assalto aos órgãos públicos, a partilha entre grupos económicos nos principais negócios ou a formação de classe endinheirada a partir das ligações familiares e do inner circle de JES, não são acções isoladas. É o sistema a dar mostras da sua capacidade de se metamorfosear.
Como no big brother, tudo e todos estão a ser vistos e analisados. Como no big brother, tudo e todos estão a ser vistos e analisados. Convém àqueles que se sabem observados uma postura pública que seja conveniente e que agrade. É isso a que o sistema obriga. Quem se atrever a desafiar o sistema corre o risco de fazer companhia a Fernando Miala ou a cair em desgraça, sem direito a nada, nem salário ou a fazer negócios com o Estado ou com gente próxima do poder.
* Especialista em Ciência Política
** Ler peça ao lado sobre o Futunguismo
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Temos JES a mais?
Filomeno Vieira Lopes responde: «Qualquer país precisa de equilíbrio e maximizar o potencial dos seus membros»
"Para expender argumentos sobre o assunto na «berra» - o asfi xiante protagonismo do Presidente José Eduardo dos Santos -, o Semanário Angolense deu a palavra a um político da oposição, conhecido pelo seu pensamento estruturado e independência do «establishment». É ele Filomeno Vieira Lopes, presidente da Frente para a Democracia, FpD"
Semanário Angolense (SA) – Abel Chivukuvuku disse há dias que o país está refém do Presidente da República. O senhor é da mesma opinião?
Filomeno Vieira Lopes (FVL) – Isto é visível. São os próprios ministros e ofi ciais do Governo que dizem que todas as orientações, até para questões de pouca relevância, são do Presidente. E vimos igualmente que nas questões essenciais como fazer depender as eleições da revisão constitucional e protelar àquelas para as calendas gregas foram de seu anúncio pessoal. De resto, Kundi Payama já nos dissera que para obter um simples empréstimo careceu do aval do seu presidente. Sente-se muito a sua infl uência «em última instância» em demasiadas matérias
SA – E não é exagerado tal ponto de vista?
FVL – Trata-se obviamente das questões de fundo, do tom geral e do controlo dos três poderes. As «regras» são por ele definidas e/ou ratifi adas e demasiadas instituições estão sob sua alçada, de tal forma que nem sempre é necessário um decreto presidencial. Naturalmente que numa conjuntura dessas também há os que falam e actuam «em nome de», mas isto não é o essencial.
SA – O excesso de presença presidencial é necessariamente mau para o país?
FVL – Qualquer país precisa de equilíbrio e maximizar as potencialidades dos seus membros. Isto não só faz perder muita capacidade, como deturpa o próprio sentido da democracia e reduz a partilha. A propensão para a ditadura acaba por ser natural. O culto da personalidade torna-se inevitável, retirando o mérito a todos que efectivamente contribuem para a concretização de algo.
SA – Não podemos ver o que se passa como algo que talvez decorra simplesmente do contexto de pós-confl ito, em que o papel de José Eduardo dos Santos é, em certa medida, de salvaguarda da estabilidade sociopolítica ainda frágil?
FVL – De forma alguma. É mero continuismo. No passado a guerra «justificava» a centralização e a concentração e agora o fi m da guerra Convém papel redistribuição da hora papel possidente. ascendência instabilidade social. é clara
SA – cidadãos discricionariedade ou espaço?
FVL – Ambas as coisas são verdadeiras. É a tradição do partido no poder e é a impotência e visão gerais em romper com este ciclo e protagonizar ajustável às sociedades
SA – Veja que não há sequer contrapesos para próprio MPLA, onde JES goza de rédea solta FVL – Há uma estrutura de funcionamento interno nesse partido que instila o medo, permitindo que os próprios estatutos sejam postos de lado. Não devem faltar vontades, todos temem as consequências.
SA – Não acha que até a classe intelectual do tem demitido de exercer o papel de contrapoder?
FVL – Claro! Bastava ser coerente no jogar as regras da democracia e ser honesto com o sistema de valores em que se formou esta classe. Quando tememos ser livres no pensamentojá pouco temos a ver com esta designação de «intelectual».
SA - Os angolanos são, porventura, alguns autómatos sem pensamento próprio, que dependem em tudo do Presidente da República?
FVL – De forma nenhuma. A aceitação traduz a existência dum colete de forças (em que certa imprensa joga o papel de ópio) e não propriamente duma aceitação voluntária. (...) – É preciso continuar a lutar para conformar os actos de governação à Constituição e clarifiquem os poderes e a sociedade, incluindo estado, mas o essencial é que as vontades se mudem no sentido da coerência democrática.As eleições estão estabelecidas; (...)
Temos JES a mais? Filomeno Vieira Lopes responde: «Qualquer país precisa de equilíbrioe maximizar o potencial dos seus membros»(...)
SA – Qual é a saída para tudo isso? Eleições? Redesenho da Constituição?
FVL às regras do estado de direito. Pode ser pertinente fazer reformas constitucionais que democratizem, na lei, mais a acção dos órgãos do não permita aviltadas.
SA
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Por via de uma receita pavloviana
Como fabricar uma «monarquia»
De facto, e não necessariamente de jure, o «Eduardismo» pode levar este país a uma espécie de monarquia. Vejase a atenção que a comunicação social pública dispensa às mais triviais e carnavalescas realizações protagonizadas pelos fi lhos do Presidente. Na verdade, tudo isso mostra um fio condutor: fazer de JES um «monarca», e dos seus fi lhos e filhas, «príncipes e princesas».
Um congresso de marcas partilha, na comunicação social pública, o mesmo espaço (ou até mais) com assuntos mais relevantes para o país. Um artigo de opinião de um fi lho do Presidente merece chamada de capa no Jornal de Angola com direito à foto – um privilégio só devido a esses raros autores. Tudo isso não acontece por acaso. Está claro que o propósito não é difundir as suas realizações. O que importa é «popularizar» essas figuras, condicionando as mentes dos angolanos para o que der e vier... No fundo, estamos diante de uma receita quase pavloviana.
Assim, temos que o cidadão compra o Jornal de Angola e só por sorte não dá de caras com JES. O cidadão senta-se no sofá para ver o noticiário da TPA e leva com uma carrada de informações pró eduardistas no lombo; sintoniza os noticiários da RNA, idem aspas. Se o cidadão quer ouvir o pensamento de um ministro, o que vai ter é uma enxurrada de «Eduardismo ». Quer ouvir o que um membro do BP de um partido com as responsabilidades do MPLA pensa sobre isso ou sobre aquilo e o que lhe entra ouvidos adentro é um banho de bajulação a JES. O cidadão acompanha as reuniões do CC do MPLA ou os congressos desse partido e a receita é a mesma: a clarividência e as sábias orientações do «Camarada Presidente».
Por tudo isso é que se diz que Angola está a passar por um estágio em que a generalidade dos seus quadros aparenta ter desistido de exercitar os neurónios, transferindo tal responsabilidade ao «Chefe supremo», apesar de isso ser, convenhamos, uma empreitada biologicamente impossível de concretizar.
O país tem de ser capaz de ter pessoas que valham por elas próprias e não por serem brilhantes bajuladores do Presidente José Eduardo dos Santos. O cidadão tem de ter o direito de saber que iniciativa tal é da autoria de fulano y. O cidadão tem de ter o direito de saber o que pensam beltrano e cicrano. Não é normal que ministros, alguns dos quais formados nas melhores universidadesocidentais, sejam incapazes de assumir a autoria de uma ideia, de um pensamento ou de uma decisão.
É anormal que economistas formados nas melhores universidades deste mundo sejam de todo incapazes de elaborar um programa económico ou quando o fazem o atribuam ao Presidente José Eduardo dos Santos, que até nem é versado em Economia ou Finanças. Aliás, está a fazer-se de JES um extraordináriogénio em tudo: agricultura, pescas, reconstrução nacional, águas. Enfim, em tudo o que dá certo neste país.
Todas essas manifestações de adulação à figura de JES, que não são espontâneas, pelo contrário, milimetricamente calculadas, comprometerão seriamente o futuro do país.
Se se parte hoje da premissa de que tudo o que é feito nesta Angola (e esse tudo só engloba os aspectos positivos, já que JES sempre lavou as mãos sobre aspectos negativos como a corrupção, por exemplo) se deve à sabedoria e clarividência do Presidente, então está a admitir-se antecipadamente que o país soçobrará imediatamente à sua saída de cena.
Está a admitir-se que esta Angola só se pode manter de pé com JES ao leme. Donde, a sugestão: ou o país se agarra a JES até ao limite das suas energias físicas e mentais ou, então, os angolanos vão ter de engolir, sem recalcitrar, o sucessor que ele impuser.
E é aqui que entra a tal hipótese da monarquia de facto e não de jURE
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Ainda a anatomia do «Eduardismo»
"Um convite à reflexão colectiva para a urgente necessidade de o país libertar as suas energias adormecidas"
Quem porventura tenha pensado que a abordagem acerca do «Eduardismo», exercitada na última edição do Semanário Angolense, era «sacrílega» e, por isso mesmo, desencadearia um maremoto, a esta altura já pode ir descalçando as chuteiras. O tecto não desabou sobre as nossas cabeças, o que só prova que a sociedade vai tendo maturidade para abordar, com a necessária descompressão e serenidade, questões consideradas «quentes».
E ainda bem que assim é, pois esse exercício do SA – que sob ângulo algum pode ser tomado como uma contestação à figura de José Eduardo dos Santos, enquanto Presidente da República – deve ser entendido apenas como um convite à refl exão colectiva para a urgente necessidade de o país libertar as suas energias adormecidas.
Todavia, como é compreensível, um tema tão sensível como esse – pouco habitual nas páginas da imprensa angolana – não podia deixar de dividir a opinião. Recenseamos assim, por um lado, que há aqueles que continuam a defender, com unhas e dentes, a tese de acordo com a qual «no velho ninguém toca», e, por outro, aqueles que concordaram em absoluto que já não se deve persistir em fazer tabu do assunto e discuti- lo, se necessário, até à exaustão.
Salta à vista, contudo, que mesmo entre os que se opuseram ao tema, será difícil encontrar muitas pessoas que concordem integralmente com o sistema tal como o vivenciamos actualmente. Excluindo os beneficiários directos, nomeadamente os familiares e as pessoas que rodeiam o Presidente da República, não é crível que o «Eduardismo», na sua configuração actual, seja a unanimidade que o MPLA costuma fingir.
Por exemplo, a forma injusta e desproporcionada como o «Eduardismo» distribui o rendimento nacional é mais um factor de desagregação do que de união da «grande família». De sorte que todos aqueles que se barricaram na ideia de que José Eduardo dos Santos não se deve desviar um milímetro do rumo que tem vindo a seguir, de excessiva discricionariedade e presença na vida dos angolanos, estão no mínimo a ser hipócritas.
Por isso, o melhor mesmo é debater o assunto abertamente, tal como o SA vem propondo. Folgamos, assim, que nesta edição tenhamos gente que aceitou o repto, entrando no debate e terçando argumentos sobre o «Eduardismo».
Reiteramos, em resumo, que José Eduardo dos Santos tem o seu lugar e papel claramente definidos e salvaguardados na Constituição. Não precisa de ser elevado à categoria de um Deus à face da terra. Isso nem sequer é bom para ele próprio.
Aliás, na última edição, o político Filomeno Vieira Lopes recordou um episódio que, na melhor das hipóteses, deveria embaraçar sumamente o Presidente da República. Na verdade, não é normal que, tendo tanta coisa para fazer, o chefe de Estado também reserve tempo para se tornar num intermediário entre um cidadão e um banco.
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O Dr. João Pinto não percebeu
Por Sousa Jamba
Um dos encantos da democracia é a constante avaliação das estruturas governamentais assim como o seu funcionamento. O debate sobre o suposto surgimento de um culto de personalidade à volta do Presidente Eduardo dos Santos e seus familiares é certamente bem-vindo.
Em muitos países africanos a cobertura total e incessante de todos actos sejam eles públicos ou privados – do chefe do Estado e seus familiares já é coisa do passado.
No Quénia, por exemplo, já ficou para trás o tempo em que o noticiário da televisão começava invariavelmente com as actividades do Presidente Arap Moi. Hoje, o actual Presidente, Mwai Kibaki, já não é alvo do mesmo tratamento.
De resto, o Quénia avançou tanto que a televisão estatal tem um programa satírico em que o papel da primeira-dama, a nossa «conhecida» Lucy Kibaki é feito por um homem.
No entanto, no início do Governo Kibaki alguns intelectuais criticaram a imprensa por aquilo que consideravam como falta de deferência pela fi gura do chefe de Estado. O poeta e escritor Koigi Wamwere, que cumpriu várias penas de prisão por haver criticado os regimes de Jomo Kenyatta e Daniel Arap Moi, tornou-se no rosto principal daqueles que criticavam a imprensa. Para justifi car a veneração que, no seu entender, a imprensa devia ao Presidente Kibaki, o poeta evocava a cultura bantu, que enfatiza a importância do rei e das fi guras mais velhas. Essa extraordinária «metamorfose» de Wamwere deu-se depois que o Presidente Kibaki o nomeou vice-ministro da Informação.
Lembrei-me do poeta e escritor Wamwere quando lia a defesa do Presidente José Eduardo dos Santos feita pelo o Dr. João Pinto na última edição deste jornal.
Confesso que do Dr. João Pinto, eu esperava uma defesa mais requintada e comedida. Mas o que li só merece a qualificação de bajulação. Em alguns momentos, o tom de bajulação do Dr. João Pinto fez-me recordar o Dr. Jorge Valentim e outros dissidentes que tentam agora afirmar-se no MPLA louvando, de joelhos, a fi gura de José Eduardo dos Santos.
Segundo o Dr. João Pinto, o grande protagonismo do Presidente da República e os seus próximos na imprensa nacional não é sinal de culto de personalidade, mas uma manifestação do carinho e respeito que José Eduardo dos Santos goza. O Dr. João Pinto argumenta que vários países veneram os seus heróis e cita os casos de Churchill, Keneddy, Estaline e Mao.
Sim, a história regista casos desses. Churchil liderou a Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial e no ano passado foi votado como o britânico mais importante da história do país. Fazendo um exercício análogo, os portugueses votaram na fi gura de António de Oliveira Salazar. Porém, não devemos esquecer que Churchill perdeu as eleições logo depois da Segunda Guerra mundial. Perdeu-as porque a maioria dos britânicos entendeu que embora tivesse sido um líder excepcional durante a guerra, Churchill não seria a figura ideal para conduzir o país no pós-guerra.
Na Grã-Bretanha há centenas e centenas de biografias sobre Churchill e várias delas criticam-no severamente. Churchill é deplorado por alguns académicos por ter defendido uma espécie de eugenismo, que resultaria na esterilização daqueles que fossem considerados como sendo mentalmente fracos.
Nos Estados Unidos há canais de televisão que se dedicam somente à história americana. A avaliação da administração de John Kennedy é algo permanente. Para muitos, JK foi, sem dúvida, uma fi gura marcante da história americana. Mas mesmo as pessoas que o veneram nesta perspectiva, não se cansam de apontarlhe o dedo como um grande mulherengo. John Kennedy é também responsabilizado pessoalmente pelo fracasso da operação Baía dos Porcos.
Nos últimos tempos, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Grã- Bretanha, David Owen, que é médico de formação, tem se esforçado por provar que John Kennedy não disse toda a verdade sobre a sua saúde.
Segundo o antigo chefe da diplomacia britânica aos problemas de saúde de Kennedy muitos e complicados. Ele assegura mesmo que Kennedy nunca seria eleito se o povo americano os soubesse.
Com estes «apanhados», quero somente sublinhar que em democracia ninguém escapa à avaliação dos cidadãos. Até mesmo os grandes heróis são avaliados, não porque as pessoas sejam motivadas pela inveja, mas porque as decisões que esses heróis tomam afectam vidas de milhões de seres humanos. Em determinado momento da história da União Soviética, Joseph Estaline pareceu ser um herói incontestável. Porém, todos os que estudamos história sabemos como ele foi denunciado no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética como um homem cruel.
Hoje na China entre os livros mais vendidos encontram-se aqueles que analisam os tempos repressivos de Mao Tse Tung. Muitos chineses dão-lhe o crédito de ter ajudado a expulsar os invasores japoneses, mas condenam-no pela forma violenta como pretendeu implantar o comunismo.
Como vários intelectuais angolanos, o Dr. João Pinto «adorna» a bajulação a o José Eduardo dos Santos com uma extensa citação de livros. Percebeu-se, claramente, que ele fez isso apenas pata emprestar alguma autoridade aos seus argumentos. Os autores que o Dr. João Pinto citou certamente o processariam judicialmente se soubessem que as suas obras foram usadas para fins de bajulação a uma figura politica.
Mas o Dr. João Pinto não se fica apenas pelas citações despropositadas: passa para o ataque. Diz que aqueles que criticam o Presidente José Eduardo dos Santos fazem-no empurrados pela inveja.
Quando chegou a esse ponto, o grande académico João Pinto desinteressou- se completamente dos argumentos daqueles que consideram excessiva a presença do Presidente da República na vida dos angolanos. Por essa razão é que chegou a conclusões infelizes.
Criticar o culto de personalidade não tem nada a ver com a inveja. Pareceu-me que aqueles que levantaram a questão no Semanário Angolense fi zeram-no tão-somente para chamar a atenção de que as várias perspectivas e tendências no país têm de ser consideradas para o enriquecimento da nação angolana.
Parece que o Dr. João Pinto não percebeu nada do que estava em discussão.
SA
A propósito de Eduardismo
Por Maurílio Luiele
"Ao dirigir Angola por 30 longos anos e, talvez, no período mais crítico da sua história, JES já é um nome indelével desta história e o reconhecimento merecido é o corolário deste percurso. Porém, persistir na perpetuação do Eduardismo pode tornar estreito o acesso do seu nome nesta gloriosa história de Angola. Afirmar isso não deve significar falta de respeito à figura do cidadão JES, mas, tão somente uma constatação obvia da realidade"
Por diversas vezes me servi desta tribuna para manifestar minha aberta oposição à excessiva longevidade do consulado do Eng.º José Eduardo dos Santos (JES), Presidente da República de Angola há cerca de 30 anos. Nas suas últimas edições o Semanário Angolense (SA) trouxe a luz um vivo e interessante debate sobre Eduardismo que, de certo modo, convergiu na direcção de algumas das minhas apreensões. Talvez por uma relação de causa-efeito, os últimos quinze dias foram politicamente marcados por uma manifestação de puro Eduardismo protagonizada por Welwitchea Pêgo, que terá intentado uma acção judicial por calúnia e difamação contra o Sindicato de Jornalistas de Angola (SJA), na sequência de declaração da sua Secretária Geral, a jornalista Luísa Rogério, contra a indicação da Deputada para a Comissão de Reestruturação da TPA por, na opinião do sindicato, configurar um confl ito de interesses. Entendo que seria da minha parte uma traição àqueles que pacientemente lêem «Ovisonehua » e me fazem o feedback se eu não metesse a minha colher nesta «sarabulhada» e queria por isso deixar aqui expressas as minhas considerações a respeito.
Com efeito, a indicação da Senhora Deputada Welwitchea Pêgo para a referida Comissão de Reestruturação da TPA bem como a sua reacção à contestação expressa da classe jornalística representada pelo SJA não deve ser vista como manifestação isolada, mas, ela se inscreve no âmbito de um processo mais global que, entre outros, pretende o controle absoluto da comunicação social pública ou privada por um sistema que nada é mais do que o Eduardismo. Por isso, o presente episódio vem desvendar, justamente no momento em que o SA promove o debate, uma das faces deste sistema. Assim, para quem ainda achava que assumir uma atitude crítica face ao Eduardismo é coisa de invejosos e frustrados fi cou manifesto o quanto este sistema pode ser pernicioso para a nossa nascente democracia. Deste modo se compreende que o Deputado Professor Doutor João Pinto, que assumiu a defesa pública do sistema, negou num primeiro momento a existência do Eduardismo e surgiu no último artigo seu, em resposta aos que o contestaram, não a negar, mas, a exaltar suas virtudes, o que é por si só sinal de progresso.
Caro Professor Doutor João Pinto, todos lemos Maquiavel, Norberto Bobbio, Alexis Tocqueville, Marx, Hans Kelsen, Max Webber, Hegel, enfim, todos os clássicos que têm sido o referencial político do Ocidente e não só. E é por isso mesmo que entendemos que o Eduardismo é, sobretudo, um factor pernicioso para a nossa democracia. E a razão para isso é muito simples: o sistema democrático é tão somente incompatível com consulados demasiado longevos, pois, a representação tem que ser continuamente renovada e ninguém confere ao seurepresentante poder indefi nido. Por isso, quer se trate de JES, ou de outra figura, com poderes ilimitados e mandato quase vitalício, evolui inexoravelmente para modelos autocráticos de liderança e isto fere o ideal democrático. Foi por isso que Hamilton, Madison e Jay gastaram páginas mil do «O Federalista» para explicar ao povo de Nova York como o poder poderia ser controlado por via de uma limitação dos mandatos, princípio consagrado na Constituição democrática mais antiga do mundo, a Constituição dos Estados Unidos da América e é por isso, também, que se defende que a alternância é uma pedra angular dos sistemas democráticos. Assim, a questão que se coloca aqui é uma opção estratégica entre JES e democracia ou, como alguns eufemísticamente preferem considerar, entre estabilidade política e democracia. Só que a estabilidade vista nesta perspectiva é necessariamente efémera, pois, a questão sucessória de JES vai se colocar mais dia menos dia e se ela não ocorrer bem nos estreitos limites dos carris democráticos virá muito provavelmente carregada de turbulência política. Ora, o que nos preocupa é exactamente o facto de se procurarem caminhos fora destes carris e existem quanto a isso fartos sinais. Não seria preferível investir em democracia agora para se colher amanhã estabilidade real? Se JES é efectivamente detentor de todas as virtudes que João Pinto lhe atribui, tenho a certeza que será o primeiro a compreender qual destas é a opção estrategicamente mais adequada, mas, se o homo oeconomicus se sobrepuser ao homem de Estado teremos, de facto, razões para nos preocuparmos quanto ao futuro imediato.
Tudo indica, contudo, que o homo oeconomicus tem falado mais alto na pessoa de JES e daí todas estas manifestações absurdas de Eduardismo com que temos sido galanteados nos últimos tempos. A título de exemplo, Luiz Inácio Lula da Silva, que se apresta a terminar o seu mandato como Presidente da República Federativa do Brasil, chega ao fi m com a popularidade em alta, com aprovação de cerca de 80% dos cidadãos brasileiros, segundo pesquisas. Esta situação tem levado alguns sectores políticos brasileiros a cogitar uma emenda constitucional que permitiria um terceiro mandato de Lula da Silva, estando mesmo a correr tramitação competente no Congresso Brasileiro. Lula, porém, foi enfático e afirmou sem rodeios que não trabalha com a hipótese de terceiro mandato, pois, entende que «é preciso respeitar e consolidar a democracia brasileira e para tanto é importante a alternância». Ou seja, Lula compreendeu que a democracia, no caso, é mais importante que a estabilidade de alguns, ficando mais uma vez evidente que a alternância é indissociável da democracia. Em seu último comício de campanha eleitoral, em Setembro de 2008, JES deixou claro o que ele entendia então como mudança. Disse o Presidente na ocasião que enquanto para alguns (oposição) a mudança signifi cava alternância, para ele (situação) mudança significava apenas corrigir o que estava errado e manter o que dava certo. E considerou na ocasião que o que estava errado era a promiscuidade evidente entre negócios públicos e negócios privados patente em alguns sectores do governo no que foi vivamente aplaudido. Ou seja, JES se comprometia ali a corrigir esta anómala situação. A prática posterior - e como nos ensinaram insistentemente os professores cubanos «a prática é o critério da verdade» - veio, entretanto, dar sinais contrários já mesmo na montagem da nova equipa governativa, ou seja, nada, absolutamente nada, precisaria mudar com excepção, seja dito, da inclusão de mais mulheres no Governo. A questão que se coloca é: pode haver mudança de facto sem alternância? Os factos têm demonstrado que não. E, de resto, de onde afinal têm vindo sinais mais evidentes desta promiscuidade entre negócios públicos e privados senão do núcleo de JES? O caso em epígrafe da Deputada Tchizé não é quanto a isso bastante sintomático? Questionar isso é alguma calúnia? É difamação?
Porém, os sinais mais insinuantes quanto ao esforço no sentido da perpetuação do Eduardismo estão contidos no ante-projecto de Constituição apresentado pelo MPLA, partido no poder. Apesar de alargar signifi cativamente o espectro das garantias, liberdades e direitos dos cidadãos, o projecto traz embutido um presente envenenado ao consagrar um presidencialismo com poderes ilimitados e praticamente sem freios controladores que viriam do poder legislativo e judiciário. O Presidente tem o céu e a terra ao seu inteiro dispor, nomeia o seu Vice, o Presidente dos Tribunais Supremo e Constitucional, o Procurador Geral da República, o Chefe do Estado Maior General das FA (lógico) e, pasmem-se, até os reitores das universidades públicas. É natural, aliás, como de resto é regra no mundo democrático que o Chefe de Estado indique juízes para a Corte Suprema e nomeie o PGR, mas, porque não deixar que o Presidente da Corte seja escolhido pelos seus pares? Porque um Chefe de Estado, que acumula funções executivas, tem que nomear os reitores das universidades? Haverá forma mais grosseira de ingerência do poder político na academia? Os reitores não podem ser eleitos de entre os seus pares? Vão, os académicos angolanos, aceitar isso de ânimo leve? A troco de quê? Acho que os intelectuais angolanos não podem ser cúmplices deste desvirtuar escancarado da democracia em Angola. O ante-projecto que o MPLA nos apresenta parece mais um fato cosido à medida e imagem de JES. Não fosse a contundente reacção pública talvez tivéssemos no ante-projecto o tal sufrágio indirecto para eleição do Presidente. O MPLA deveria considerar que se a democracia efectivamente vingar em Angola, como parece inevitável, poderá um dia ser oposição e esta Constituição, tal como propõe, ser uma faca voltada contra si mesmo. Há por isso toda a vantagem em propor uma Constituição equilibrada que contempla, antes de tudo, o cidadão e que considera a situação e a oposição. Isto só é possível se houver, entre os poderes estabelecidos, equilíbrio, solidariedade e interdependência.
Entendo, pois, que entre a necessidade de premiar JES pelos serviços inquestionáveis prestados à Pátria e a necessidade de implantar em Angola uma verdadeira democracia, esta última opção deve sem dúvida prevalecer. Só a verdadeira democracia pode assegurar estabilidade política e mesmo económica e social. Ao dirigir Angola por 30 longos anos e, talvez, no período mais crítico da sua história, JES já é um nome indelével desta história e o reconhecimento merecido é o corolário deste percurso. Porém, persistir na perpetuação do Eduardismo pode tornar estreito o acesso do seu nome nesta gloriosa história de Angola. Afi rmar isso não deve significar falta de respeito à figura do cidadão JES, mas, tão somente uma constatação obvia da realidade.
Por último (the last but not the least) lembrar os académicos que directamente participam do processo de elaboração da nova Constituição para que não sejam autófagos da autonomia académica. Como Kant fazia questão de assinalar o ser humano tem uma dignidade e não um preço. Este princípio moral é, no entender de Bobbio, um dos grandes suportes da democracia dos modernos.
Semanário Angolense 20 a 27 de Junho/2009
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O homúnculo e o eduardismo
Xavier Jaime*
Gabela-Amboim, 11 de Junho de 2009.
quinadonga@hotmail.com
Profissão, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), é toda aquela actividade a partir da qual o ser humano adquire meios para a sua subsistência. Na escola onde se aprende este e outros conceitos sobre a problemática do trabalho, os professores explicam com exemplos como o seguinte: «suponha-se alguém que seja ao mesmo tempo jurista, docente universitário, deputado e jornalista, mas cuja subsistência provenha essencialmente de uma outra actividade como a de vendedor de ilusões». «Um tal indivíduo, de acordo com a OIT, é simplesmente vendedor de ilusões». Tudo o resto são meros títulos que, para todos os efeitos, e ainda assim, devem constar do «curriculum vitae»! Obrigações profi ssionais forçaram- me esta semana a abrir um caixote onde conservo os meus livros dos anos 80. Precisava consultar alguma coisa sobre os «Fundamentos da hereditariedade », visando responder a algumas interrogações que, vezes sem conta, me apoquentam, também, por razões apenas de ordem profi ssional. Encontrei o meu livro de genética, um tanto empoeirado, e algo maquinalmente, fui à primeira página para contemplar uma vez mais o «Homúnculo». O «Homúnculo » tem uma história pitoresca! Na verdade, ele nunca existiu. Ou melhor, passou a existir de facto a partir do momento em que, no alvor do surgimento do microscópio, alguns estudiosos afirmaram tê-lo visto na cabeça dos espermatozóides humanos! E assim, a partir daí, gente sábia daquele tempo passou a crer e a ensinar que «a cabeça de todo espermatozóide humano tem uma pessoa em miniatura, i e, tem um «Homúnculo». Dá para pensar, tal era a exiguidade de microscópios naquela altura, que muitos falaram e ensinaram sobre o «Homúnculo» sem nunca terem visto um espermatozóide que fosse… A propósito do «Homúnculo », recordei-me de um «colega de carteira» que um dia desses perguntou-me: «mas afi nal, ó Xavier, aqueles investigadores viram ou não viram o Homúnculo »? Mesmo com os potentes microscópios que fazem agora do Homúnculo apenas uma anedota, eu por mim acho que eles viram mesmo!» E sem querer ouvir-me continuou com o seu monólogo: «aprendi com Jesus Cristo que o pior cego é todo aquele que não quer ver…» «Portanto », continuou a explicar-se, «se um indivíduo pode não querer ver o que de facto existe, então, e para compensar, é compreensível que existam outros tantos que vejam o que de facto não existe!»
– Pura logorreia! E toma cuidado porque logorreia é caso de psiquiatria. – exclamei.
– Pura e simples lógica caro colega! Mas como não me queres ouvir, continue surdo!
Esse episódio do meu tempo de estudante fez-me esquecer as dúvidas sobre os «Fundamentos da hereditariedade» e, sem abandonar por completo os meus problemas de Biologia, passei para a nossa política doméstica onde, hoje por hoje, ao lado de questões da «Macroeconomia », da «Reconstrução Nacional», do «milhão de casas que teremos daqui a três anos e três meses», etc. e etc. pontifica também, pela mão do Semanário Angolense, a salutar reflexão sobre o «Eduardismo»! E pensei assim:
O «Eduardismo» é, mais do que uma doutrina, ou seja, mais do que um mero conjunto de abstracções político-fi losóficas, é sobretudo uma forma de ser e estar na vida. É acima de tudo uma maneira de viver a vida concreta. Ora, a vida concreta é aquela que os intelectuais aprendem lendo o «A origem das Espécies» do mais velho Charles Darwin. É aquela à luz da qual não existem animais racionais e irracionais! Simplesmenteexistem animais com as suas necessidades básicas como as de alimentação e também de supremacia sobre os demais. A vida concreta é, enfim, aquela que qualquer iletrado compreende perfeitamente… Qualquer iletrado, seja do Kwanza-Sul ou de Malange, do Bailundo ou do Sambizanga, sabe que os animais vivem organizados em famílias neste Mundo. E cada família tem pai, mãe e fi lhos. Entre os leões, por exemplo, e os iletrados também sabem perfeitamente disso, a caça caçada é para servir apenas os membros da família, ou seja, os mais próximos. Os leões não andam confundidos – como a maioria dos humanos – pensando que o seu próximo é um qualquer desconhecido leão errante algures nas matas do Kuando Kubango. Os leões sabem que o seu próximo é mesmo aquele leão que está sempre ao seu lado e a este deve ser dada, quando possível, uma parte da caça. O «Eduardismo» tem certamente outras tantas características. Mas a principal, a que está no seu epicentro, na verdade a característica que gera outras tantas como o nepotismo, a vocação totalitária, a vontade de «estar em todas», a vontade indisfarçável de ter o céu e o inferno, a terra e o mar… enfim, a vontade de conquistar a imortalidade exclusivamente para si, a principal característica do «Eduardismo», dizia, é o seu profundo «entendimento leonino » da vida concreta. Todo aquele animal humano que quer ver o que é visível aos olhos de todos, seja ele, jurista, docente universitário, deputado ou outra coisa qualquer, vê que no «Eduardismo» a prioridade total, a prioridade primeira e última é a satisfação de todos os desejos, de todas as necessidades e de todos os caprichos das pessoas mais próximas à figura do Engº Eduardo dos Santos. Todos, letrados e iletrados, desde que queiram ver, vêm efectivamente que as pessoas mais próximas da família do presidente Eduardo dos Santos formam hoje uma horda altamente endinheirada de Angola. É que eles – os eduardistas –, mesmo sem nunca terem lido Charles Darwin (?), sabem que é preciso ser-se cada vez mais forte… para melhorar, progressiva e irreversivelmente, a espécie! O «Eduardismo» precisa de um discurso teórico para a sua sustentabilidade teórica? Não! Dada a sua imoralidade é até pouco provável que surja por aí algum «eduardista» assumido, no plano teórico é claro! Portanto, e paradoxalmente, os intelectuais «eduardistas» serão brilhantes na negação teórica à existência do «Eduardismo» tal como ele é de facto. Entretanto, não sendo possível fazer crer a todos os letrados e iletrados deste país, na inexistência do macroscopicamente visível, eles recorrerão a um artifício próprio dos vendedores de ilusões: a logorreia. A logorreia (uma espécie de «diarreia verbal incontida») é, como se sabe um dos sinais utilizados pelos psiquiatras para o diagnóstico de esquizofrenia, i e, da vulgarmente conhecida loucura. Desde os tempos de antanho, contudo, ela costuma ser utilizada deliberadamente por intelectuais vendedores de ilusões com o fim único de «distrair as massas populares». Dada a imoralidade do «Eduardismo», portanto, a sua existência factual será freneticamente negada por todos «eduardistas» com recurso à logorreia.
Tenho para mim que o «Eduardismo» configura sim, e acima de tudo, um desafio aos «eduardólogos». Como as ciências sociais não precisam de muitos recursos fi nanceiros para investigação, eu gostaria ver as nossas escolas de letras e outras afins a publicarem ensaios sobre esta matéria. Os estudantes fi nalistas de sociologia política e de ciências políticas poderiam ser orientados a procurar saber como foi possível, ao glorioso MPLA – com todos os seus comités de especialistas espalhados por esta Angola adentro e afora – ter permitido, sob a sua bandeira, a gestação e a protecção do fenómeno «eduardista ». O título da monografi a poderia ser a seguinte: «Os grandes paradoxos do MPLA». E como subtítulo o seguinte: «o nascimento, crescimento e maturação do Eduardismo». É o «Eduardismo» uma fatalidade incontornável para Angola? Não! O «Eduardismo» foi e tem sido fatal para aquela geração de homens e mulheres que nasceu nas décadas de 40, 50, 60, 70, e 80. Parte, apenas uma parte dos que nasceram na década de 90, ainda viverá irremediavelmente os efeitos do «Eduardismo». Mas a geração seguinte não suportará mais e vai mudar a situação. Porquê? Porque não são «homúnculos» e, acima de tudo, são seres humanos e, portanto, com suficiente capacidade para «enjaular » animais ferozes como os leões. E também porque Hitler, Mussolini, Franco, Bokassa e todos outros tiranos de todas as cores e latitudes passaram… Os de Angola acabarão passando também com ajuda de homens e mulheres que, já nascidos, estão vivos e a crescer em «estatura e sabedoria». Acabarão passando com a ajuda de Deus porque a imortalidade é, afi nal, uma ilusão total… É apenas uma quimera.
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Pois está claro! Sempre sob a batuta do Presidente da República
No dossier sobre as eleições presidenciais, temos mais uma prova acabada de como tudo ou quase tudo no país está dependente do poder discricionário de José Eduardo dos Santos. No fundo, todos temos consciência de que as eleições só não sairão este ano porque o actual Presidente resolveu postergar o sufrágio, condicionando a sua realização à elaboração de uma nova Constituição. Tratou-se, claramente, de uma imposição que visou acima de tudo a satisfação dos interesses do cidadão José Eduardo dos Santos, e não propriamente da instituição presidencial, pois nada impedia que o sufrágio pudesse ter lugar sob a égide da velha Constituição.
Pior é que ao fazê-lo, o Presidente da República ultrapassou toda a sociedade pela direita, já que mesmo tendo a prerrogativa constitucional de ser ele a convocar as eleições, porém, é a outras entidades que compete aquilatar se estão ou não criadas as condições para a realização do sufrágio. No caso concreto, seria a Comissão Nacional Eleitoral (Cne) a determinar isso. Numa problemática mais profunda como é a da Constituição, seria, em última instância, a Assembleia Nacional a levantar a questão.
No meio disto tudo, é espantoso que a CNE continue remetida ao mais sepulcral dos silêncios. Como autoridade máxima para as questões eleitorais no país, já era mais do que tempo para ela vir a terreiro e dizer aos cidadãos se, definitivamente, é hora de destroçar as tropas ou se ainda podem esperar pelo acto eleitoral. Mas o mutismo do órgão presidido pelo juiz Caetano de Sousa apenas vem dar novo fôlego aos seus detractores, designadamente aqueles que sempre franziram o cenho à sua suposta independência do poder político. Pois está claro! Aqui, no Minfin, é que está o cofre forte
Ao lado do Eduardismo
Trazido pelo Semanário Angolense e retomado por vários outros órgãos de informação privados, este assunto animou a cena política nas últimas semanas, e teve o contributo de jornalistas, intelectuais, profissionais liberais, deputados do maioritário, membros dos diversos sectores da sociedade civil... menos da oposição. Com excepção de Sousa Jamba, escritor e jornalista próximo da Unita, ninguém mais desse partido ou doutro da Oposição debitou uma vírgula sequer. E com isso perderam uma ocasião soberana de trazer para a praça pública as ideias que subjazem aos seus projectos de constituição – quase todos defendendo um maior equilíbrio de poderes entre os três braços do Estado.
Meios e canais para o fazerem não faltavam, antes pelo contrário. Foi Fernando Macedo, da AjPd, quem aproveitou o debate para debitar as suas ideias sobre as várias implicações na vida do Estado. Ironicamente, estas ideias aproximavam-se muito mais das SA que deveria a Oposição defender...
Fonte: Semanario angolense
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Eduardismo ou Santoismo - Por Albano Pedro
Luanda - Ao lermos o texto-tréplica de João Pinto (publicado na edição n.º 320 do semanário angolense sob o título: Eduardismo não é Savimbismo) ganhamos a estranha sensação de que termos comentado o seu primeiro texto representou um exercício igual ao de perseguir um louco – como ele próprio sugere logo no início –, pois para além de uma vísivel desorientação argumentativa o texto engessa-se com ideias e conceitos que o desidentificam do seu texto anterior, o que nos remete a um embaraçoso exercício de interpretação substantiva das intenções do seu autor. Já nos perdemos na percepção sobre a temática da concentração de poderes soberanos. Não sabemos já se a lição do ilustre professor de ciências políticas tinha como sumário o eduardismo ou o santoismo. Pois a tréplica contra os “escritores do jambismo, opositores civis e políticos decadentes” trouxe-nos esta confusão temática para além de visíveis contra-sensos que, por razoabilidade intelectual, urge esclarecer. Eles perdem-se entre a infundada confusão de no texto anterior teorizar sobre o santoismo e no texto seguinte sobre o eduardismo subscrevendo (in) conscientemente a visão propalada pelo semanário angolense.
Ao que nos parece o conceito de Eduardismo foi uma tentativa do semanário angolense de introduzir um oportuno debate a propósito da concentração do exercício de poderes soberanos e não soberanos em Angola que, em países de razoabilidade democrática, não passaria de mais um exercício de cidadania igual a tantos outros próximos a reclamação sobre os mais elementares direitos humanos ou simples violação de interesses juridicamente relevantes decorrente da governação e que serviria para a elevação da visão política dos cidadãos sobre o exercício de poderes políticos necessária a uma educação eleitoral que se impõe para um povo que não se deseja fraudado nas suas mais elementares expectativas. Espanta-nos pois, que um tema tão pacífico como este faça sensação de desgraça nacional para determinados sectores políticos da sociedade angolana como se este fosse o objectivo dos jornalistas e escritores daquele reputado semanário informativo, o que não é de admitir dentro da lógica do razoável.
O que é que se pretende com o jambismo? Dividir o povo entre eduardistas e savimbistas? Parece-nos uma descabida tentativa – já completamente infeliz e de defesa ineficaz – de ressuscitar o fantasma do divisionismo animado pela guerra do passado entre os angolanos. Aqui João Pinto não se lembrou sequer que enquanto se encontrava em Portugal – para onde provavelmente se refugiou da guerra – muitos angolanos tiveram de suportar as intempéries e vicissitudes daqueles momentos de tal maneira que a paz representa um passo necessário para o nascimento de uma consciência nacional. Se tivesse vivido em Angola naqueles momentos – ou estando no estrangeiro sentisse tais momentos na distância – teria sabido certamente a importância de não fazer ressuscitar fantasmas do género. Por isso, tenha-se a clara percepção de que a mais ninguém interessa debates do género, nem mesmo a sectores bajuladores com que se componha em compadrio quando se defende ideais funestos em análise.
Em tudo nos parece que o ilustre professor de ciências políticas estaria então a defender a existência de um savimbismo animado pelos jornalistas do semanário angolense e seus colaboradores. Este savimbismo enquadrar-se-ia em todas as iniciativas que critiquem o status quo e procuram avançar ideias inovadoras e renovadoras para a governação e governabilidade do Estado. Entende-se mesmo, que os mais sensatos exercícios de análise intelectual, mesmo ensaiados por intelectuais de respeito como Manuel Rui Monteiro, Adriano Botelho de Vasconcelos, João Melo entre outros poderiam ser perfeitamente enquadrados num suposto savimbismo. Assim o savimbismo estaria mesmo dentro do MPLA onde membros e simpatizantes sérios procuram uma abordagem política cada vez mais responsável como fazia o mais velho Mendes de Carvalho e como faz hoje Marcolino Moco. Finalmente o savimbismo arrastaria consigo toda a oposição civil, a sociedade civil e todos os angolanos não satisfeitos com os destinos que têm sido dados ao erário público e aos interesses do Estado colocando os eduardistas num espaço mais restrito que é o poder soberano. Então o futunguismo e eduardismo coincidiriam rotulando tudo o resto em savimbistas. Ora, francamente!
Infelizmente as posições apresentadas pretendem atrasar o debate político aberto remetendo os angolanos a um clima de receio em falar sobre o “chefe” e sobretudo infundir um certo TERRORISMO INTELECTUAL que desencoraje as opiniões mais sérias do mercado político e intelectual, o que se revela retrógrado nos dias de hoje em que o povo angolano se une cada vez a mais a volta de um processo irreversível de consolidação das instituições políticas, democrática e legais de Angola e se propõe para uma governação de todos por todos e para todos. De qualquer forma já é de elogiar o facto do texto não ter sido escrito na veste de professor universitário.
Fonte: www.jukulomesso.blogspot.com
Eduardismo: A cultura da corrupção que se implantou em toda nação
Por Nelo de Carvalho
Brasil - Há duas semanas para cá que venho acompanhando o debate aberto e proposto pelo Semanário Angolense, e devemos reconhecer que é mais um êxito da imprensa livre angolana, privada e independente, fenômeno que só se consegue nas grandes democracias. Como a própria publicação diz, não se trata de estar a favor ou contra o Presidente da República, mas, sim, de incentivar às pessoas a pensar numa questão que pode definir a cultura de governação e os próprios destinos do país. E assim pôr travas naquilo que se transformou num vício para o êxito e a sobrevivência do cidadão angolano, a bajulação, o culto de personalidade, o enaltecimento da mediocridade e a convivência sem medida e despercebida com aquilo que é sujo e imundo.
O País das Aranhas
Entendemos que na última edição do SA o debate termina com um artigo resposta e contestatório do Advogado, Jurista, Cientista Político e parlamentar João Pinto. E como não podia deixar de ser, talvez pela posição que ocupa, o mesmo não podia, e com toda razão, deixar de cair em elogios a favor de JES ou do que uns chamam de Eduardismo. Nosso Jurista e parlamentar evocou a até a incansável tradição Bantu, não faltando trechos em línguas nacionais, quase sempre comovedoras e que em geral constitui uma boa habilidade para enaltecer as almas nativas, um remédio carismático que até o diabólico e “patriota” Jonas Savimbi usava e sabia usar quando lhe convinha.
A verdade é que ficamos sem entender o porquê da evocação de tais delírios tradicionais para se defender JES e os seus “ideólogos”. Se tradição fosse a única via de salvação desse povo hoje não estaríamos nadando no subdesenvolvimento, no atraso e num mundo ( ou país) de corrupção que nem o JES pode e deve contestar, se verdadeiramente tem todas aquelas qualidades traçadas pelo nosso Jurista . E não que este ( o JES) não mereça ser defendido. Merece, sim, como Presidente da República, como alguém a quem a nação até hoje, feliz ou infelizmente, ainda tem depositado a confiança. Mesmo porque alguns são de opinião de que ele é um bem ou mal necessário que o destino, cheio de tradições e crenças, pregou a esse povo.
É, precisamente, nestas crenças e nestas tradições onde moram as nossas desgraças. É no medo, no oportunismo, no africanismo débil, algo estranho e irrisório, de assustar qualquer visitante que reside a perdição de todos nós. O africano quando velho, e até burro ( desculpem-me), evita ser contestado em nome de uma tradição que nem ele mesmo tem estruturas para defender, em nome de uma tradição que o mundo e o além África não se cansa de rir.
De que JES tem todas as glorias possíveis e até mais -como se vivesse sozinho nesse mundo- ninguém nega; ninguém incluindo aquelas pessoas que rodeiam o próprio JES, ou todos aqueles de que dependem, diga-se economicamente ( poder e riqueza), direta ou indiretamente do mesmo, e que não é pouca gente num país sacrificado pela guerra e a miséria; num país onde só a bajulação, o favoritismo, a promoção da ineficiência e a gratidão eterna ao mesmo ( só invejada pelos deuses) constituem formas e maneiras de distribuição de riqueza. O Dr. João Pinto quase nos convenceu que JES não tem inimigos nesse mundo e é bem possível ( o convencimento fica por conta própria, de cada um de nós), mesmo na posição de Presidente e pelos seus atos políticos, o que tem sim é pessoas e cidadãos que invejam a JES. E uma boa pergunta, a que não deve calar nunca, quem são essas pessoas que inveja o JES? O povo miserável, seus colegas de trabalho, aqueles que rodeiam o presidente, aqueles que igualmente combateram durante os 14 anos contra o colonialismo, os políticos da oposição? Os últimos têm mais motivos e razões que qualquer um de nós. Mas eu diria todos, sem excepção! Como não invejar um homem que a desgraça e a providência de um povo ( e até a ignorância e a cegueira) transformou o mesmo no centro de todas as coisas? É claro que JES não é o típico sujeito arrogante que vive de bravatas e muito menos um ditador como se tem propalado por aí. JES é mesmo bonzinho, tão bom que noutro hora de baixo da raiva de uma nação perdoava os terroristas da UNITA, evitando até ações na arena militar que ajudou a dar fôlego aos homens de Jonas Savimbi, todas às vezes que esses precisavam, prolongando assim uma guerra que poderia ser ganha num tempo muito mais curto, algo que beira a incompetência se a análise vir de um especialista, mas deixemos isso para os historiadores . -Eu não sou militar e não vou me meter nisso, mas os militares sobreviventes e que muitos deles estão na reserva saberiam contar melhor a história das guerras que levou esse país à miséria. Ele é tão bom que hoje, depois da paz ser conquistada e o país atravessar a sua melhor fase de calmaria, os corruptos e aqueles que são subornados para defendem interesses estrangeiros em suas posições ( devido aos cargos que ocupam) como funcionários do governo que ele comanda e dirige desfilam de baixo do seu nariz como anjos que toda sorte trazem para esse povo. A sorte que só ele teve de ser presidente desse país, quando nunca jamais ninguém esperava! É a essa sorte que todos, estupidamente, invejam!
Eduardismo é uma teia cheio de vícios, corrupção, prostituição (...)
Não era para menos, o próprio JES deve ser o homem mais assustado e surpreso na fase da terra, já que tamanha inveja sugere tamanha sorte. A sorte pode ser visto como o produto (ou resposta) não esperado diante de um esforço pessoal ou até coletivo. Não se trata aqui de pôr em cheque a trajetória política e militar de alguém que bem cedo aprendeu a sacrificar a vida e os momentos felizes em benefício da pátria -até parece que era o único que andou sacrificando-se sozinho ao longo de tanto tempo. Trata-se, sim, da cultura do Eduardismo que existe e infestou o Estado e a Nação angolana que o próprio JES e a miséria ajudaram a implantar num gesto e olhar silencioso de enganar qualquer cego e surdo. E que fique bem claro, para alguns adeptos e pretensiosos, o Eduardismo é com certeza a cultura da corrupção que se implantou em toda nação. Não há o que elogiar ou enaltecer nessa maneira de proceder.O Eduardismo não é uma filosofia protagonizada por algum desses pensadores que perderam o seu tempo queimando pupilas e gastando saliva para convencer seus adeptos e discípulos -JES nem perto disso chega; não é uma ideologia inspirada em sacrifícios e valores humanos que possam glorificar uma nação –em nossa análise o atual presidente não está ao nível do falecido Presidente Agostinho Neto, esse, sim, passou perto de uma ideologia que possa inspirar a milhões de Angolanos.O Eduardismo é uma teia cheio de vícios, corrupção, prostituição que o próprio JES, sendo bonzinho como é devia ou deve querer estar se livrando do mesmo; o Eduardismo é uma teia de aranhas. É mesmo isso, vivemos num país de aranhas ou no país das aranhas, onde tudo se adapta a malandragem, a mentira ou de sermos aquilo que nunca fomos, não somos e possivelmente nunca seremos: simples, mas com o sonho de querermos progredir de verdade, trabalhar e trabalhar com sinceridade sem a vaidade, instrumento de que está composto está teia de aranha edificada na era pós-Agostinho Neto .
Esta teia em que todos pensam em se agarrar ou serem agarrados pela mesma, por isso é que nela surgem os defensores ou os “ideólogos” que têm habilidade de forçar a explicação de todo tipo de aberração, coisa muito bem feita pelo Dr. João Pinto.
O Senhor João Pinto como bom jurista e político põe JES a desfilar na galeria dos imortais, ou, minimamente, que ele merece a imortalidade de Ghandhi, Kennedy, Rooselvet, De Gaule, Churchil, etc –talvez eu seja um exagerado pessimista e exigente de mais, mas se a humanidade depender da inspiração provocada por essa galeria de imortais (ou de alguns deles) o fruto a ser recolhido será seco e amargo- que pena e falta de sorte, para os seis bilhões de habitantes! Já sabemos que a maldade tem sido adotada como a outra versão da história a ser contada e ser aceita como ponto de referência e de verdade. Não só pelos derrotados que a história por necessidade evolutiva infringe a esses, mas também por gente cínica, que hoje, mais do que nunca, conseguem substituir a bandeira de uma classe, tida por consenso científico como revolucionária, mas que o neo-liberalismo e os novos ventos que sopram insistem em fazer zumbir no ouvido de milhões de pessoas que é tudo ao contrário do que se tentou descobrir há mais 150 anos atrás, e que quem está com a bola da vez é a nova burguesia.
Assim, o produto nacional não precisa ser tão descartado assim, JES é mesmo um imortal, e melhor do que ninguém ele sabe como se imortalizar. É bem possível que o mesmo há essas horas, e é o que temos visto, tenha começado a redigir já o seu testamento. O exemplo disso, são as TPAs que ninguém consegue entender a que proprietários pertencem, as cabeleireiras de puro sangue transformadas em banqueiras, compradoras de bancos e princesas do dia para a noite num país que tem motivos suficientes para odiar qualquer monarquia, e, enfim, os adolescentes empreendedores e acionistas de bancos, protagonistas de eventos nacionais que nenhum mortal nessas terras teria condições de organizar. São mesmo coisas de imortais!
Não é exagero e segredo dizer para um estrangeiro que o Estado Angolano e o sistema de governação em Angola vive e existe para o seu Presidente , solucionando problemas para agradar a esse, mesmo quando esse, sabe-se, e com razão, não precisa e nem faz questão de tais agrado. Mesmo quando se sabe que este de preferência preocupa-se com resultados gerais que possam beneficiar a nação. E ao longo dos trinta anos de agrado, para lá e para cá, contaminado na sua bondade, o presidente caiu nos vícios indesejáveis que em qualquer nação civilizada do mundo daria em escândalos, renuncias presidências ou impechament.
* Nelo de Carvalho, nelo6@msn.com
Fonte: WWW.blog.comunidades.net/nelo
Fonte: Semanario angolense; club_k ; WWW.blog.comunidades.net/nelo; www.jukulomesso.blogspot.com
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