José Gama
Entrevista ao Chela-press
Luanda - O facto de estar há onze anos na África do Sul permite-lhe falar com certa propriedade sobre o fenómeno xenofobia que assolou o país de Mandela. Como secretário-geral do Clube-K, o clube dos angolanos do exterior, tem bases para falar como a diáspora reagiu ao facto de não poderem participar nas eleições no próximo mês de Setembro. José Gama é o entrevistado desta edição do ChelaPress. (semanário divulgado na região do sul de Angola.)
Chelapress: Qual é analise que fazes dos preparativos para as próximas eleições?
José Gama: O quadro que presumo das eleições é de que não serão justas o que leva a encorajar a própria oposição a fazer um recuo ou a desistir das eleições. No entanto, a oposição não pode desistir porque politicamente seria errado, mas há sinais evidentes que as eleições não serão justas. Vejamos, a lei diz que cada partido político deve apresentar cerca de quinze mil assinaturas, mas os partidos da oposição não foram informados sobre os procedimentos todos de entrega das assinaturas; agora surge o Tribunal Constitucional dando o prazo de quase duas semanas para a apresentação dos processos o que é difícil. Vendo este cenário, começamos a entender as palavras de um secretário do MPLA, segundo as quais muitos partidos ficarão pelo caminho. Portanto, não há cenário para eleições justas, livres poderão até ser, mas justas perderam este teor.
CP: Os partidos sempre estiveram informados das assinaturas...
JG: Perfeitamente, mas, recentemente, por exemplo o Filomeno Vieira Lopes disse publicamente que eles sabiam que tinham de entregar as assinaturas, mas não sabiam dos requisitos exigidos, não sabiam se bastaria o número do cartão, não sabiam se era necessário a assinatura do eleitor e ainda se um eleitor pode assinar a mais de um partido. Só agora é que se sabe que, além do cartão, o eleitor deve subscrever uma lista e pode assinar um segundo partido. Por outro lado, há informações que no interior do país os militantes dos partidos da oposição estão a ser espancados por fazerem recolha das assinaturas.
CP: Haveria razões para o MPLA criar estas dificuldades, quando até deixam entender que têm certeza da vitória?
JG: Por trás da certeza há alguma garantia da vitória. Quem está no poder faz tudo ao seu alcance para ganhar. O MPLA é um partido maduro e já não comete erros como outros partidos africanos como a ZANU que fazem a fraude no período eleitoral, mas pode criar situações para enfraquecer os partidos da oposição e isso acontece mesmo nas grandes democracias. O caso das assinaturas, o facto de pretender-se aumentar para dois dias o período de voto são indícios que podem enquadrar-se nestas manobras de enfraquecer a oposição. Alterou-se a lei no sentido do anúncio das eleições ser feito quinze dias depois do escrutínio, isso cria receios em qualquer partido da oposição porque, pelo próprio instinto, o indivíduo que está ali pode fazer alguma manobra para favorecer o seu partido.
CP: Há quem defenda que não se deve trocar agora o partido no governo, em função da experiência do MPLA!
JG: Os governos movimentam-se, mas os estados não. O que é o estado? Somos nós povo, a polícia, as forças armadas, os serviços de inteligência e o território. Angola tem estas estruturas que servem para proteger o Estado. Mesmo que seja um partido acabado de se formar, conhecendo as suas responsabilidades, saberá governar. Isto de se dizer que sem o partido no poder o país não avança penso ser uma expectativa que não se deve alimentar, não faz sentido porque existem as estruturas do estado para proteger, sobretudo o governo. É verdade que o MPLA acumulou um capital humano, certa experiência, domina os dossiês do país, mas, neste ponto, é preciso realçar que, num país democrático normal, o domínio dos dossiês não passam apenas pelo partido no poder, mas também pelo próprio cidadão, assim como pelos partidos da oposição que têm o direito de se informarem de todos os acordos e protocolos que o estado fez, mas em Angola acontece o contrário, por isso tem-se a ideia que o MPLA é o único que conhece as coisas.
CP: Para ti o que tem faltado para o cidadão dominar os dossiês do país, vontade das pessoas ou de quem governa?
JG: Penso que a nossa Constituição também não prevê o direito a este tipo de informação, por isso é que estamos assim. Hoje, somos informados apenas pelos media, o que não acontece, por exemplo, na África do Sul, onde ao entrar no site do governo se encontram as últimas coisas que foram feitas. Em Angola não acontece isso, não sabemos quantas escolas foram feitas hoje e o que se fará no próximo ano, fica-se com a impressão que não há um programa de governação.
CP: Como a diáspora reagiu à notícia de que não participaria nas eleições?
JG: É um direito constitucional, de todo cidadão, participar no escrutínio, esteja ele no território angolano ou não. Logo, o cidadão que está dentro deste estipulado e vê que foi excluído, vê que os seus direitos constitucionais foram violados e é o que aconteceu com a diáspora angolana. Respondemos, escrevemos cartas e, nalgumas cidades, organizaram-se mesmo manifestações de protesto mostrando o claro desconforto com a medida. Mesmo que seja real, que não haja condições para votar, dever-se-ia dizer que tipo de condições são estas, e quais as medidas que estão a ser tomadas para que nos próximos anos a diáspora venha a participar nas eleições. Na verdade, penso que se poderia registar a diáspora da mesma forma que se regista para as cédulas e bilhetes de identidade junto dos consulados. Quando se quer fazer o recenseamento militar nas embaixadas o processo dá certo, porque é que agora não daria, quando se poderia usar os mesmos métodos. Penso que faltou interesse, houve má vontade das autoridades e quando as pessoas reclamam são acusadas de ser da oposição.
CP: O que levaria o governo a excluir-vos?
JG: Quando se vai às eleições, existem dois aspectos, ou seja, dois territórios que se deve ter em conta: o interno e o externo. Os resultados do externo, mesmo até que o número seja reduzido em termos políticos, tem um significado muito importante porque está longe de qualquer pressão interna, pensa e analisa as coisas de forma diferente, por isso é complicado perder neste eleitorado. Penso que deve ter existido esta análise. Por outro lado, temos um site na Internet, visitado por pessoas da diáspora que deixam os seus comentários e, provavelmente, os serviços de informação peneiram estes comentários de maneira a concluir o que é que a diáspora pensa e terão notado o sentido do voto da diáspora.
CP: Há vozes que apontam que terá existido um serviço mais profundo dos serviços de inteligência nos diferentes países e constataram que o voto não era para o MPLA, terão notado algum indício destas investigações?
JG: É possível que se tenha feito este estudo e a resposta está na própria decisão tomada, porque se tivessem certeza que o voto da diáspora iria para o MPLA poriam a diáspora a votar sem receio nenhum.
O que é o Club K?
JG: É o clube dos angolanos no exterior, é uma organização fundada em 2000, formada por angolanos que vivem em toda parte do mundo, cujo objectivo é responder pelos interesses da diáspora, prestar assistência humanitária e cultural. O clube tem os seus órgãos; temos um braço de informação que é o nosso site (www.club-k.net ) que muitas vezes é confundido com o nome do clube. Temos realizado palestras, conferências e congressos. Temos parcerias e alguns contactos nas relações internacionais porque estamos no mundo da globalização e toda instituição precisa de manter contacto com outras que defendem interesses semelhantes e estão em outros países, e é nesta perspectiva que nasce e cresce o Clube K, cujo nome é inglês, “Club K”, clube chave, ou seja, a chave da diáspora. Portanto toda diáspora que é honesta consigo apoia o clube, num sinal de que é pró Angola.
CP: Está a falar de apoios financeiros?
JG: Não! É um apoio moral, é um suporte. É alguém saber que temos uma dificuldade e estar disposto a responder ao nosso apelo. Por exemplo, no ano passado, quando o Graça Campos foi preso, chamámos a diáspora e discutimos a nossa posição e concluímos que devíamos ficar solidários com ele.
CP: Além deste caso, que outros mexeram com o clube?
JG: Recentemente, quando um alto responsável do Jornal de Angola escrevia editoriais contra o partido UNITA, falando em nome do povo, houve a necessidade de reagirmos porque as posições do Jornal de Angola, no exterior, são vistas como a voz governamental, e o governo representa o povo, então foi necessário haver um desmarque, fizemos um anúncio público a dizer que não nos revíamos naquela posição, condenámos aquela postura e solicitámos ao ministro Rebelais a expulsão daquele responsável. Se o senhor ministro for uma pessoa que ouve o seu povo, penso que tarde ou cedo irá cumprir com a vontade que manifestámos.
CP: Em alguns círculos liga-se o clube K à oposição...
JG: Sentimos que em Angola quem não bajula e defende uma posição coerente e justa é associado à oposição; isso já não nos incomoda porque alguém também já nos disse que somos do MPLA. O Clube K não faz parte da oposição e nem tenciona fazer, faz oposição às más políticas, aos maus procedimentos, quando um jovem é morto por um polícia, quando uma kinguila é morta por vender, nós não podemos aplaudir e deve ser por aí que nos ligam à oposição, mas quem assim pensa é contra os direitos humanos. Há pessoas do MPLA, da UNITA e de outros partidos que se revêem nas nossas posições. Portanto, esta é uma prática que ocorre em Angola e em outros países do continente. Em Moçambique também é assim, aquele que não bajula é chamado de oposição, mas nós consideramos normal esta postura, é perfeitamente normal, faz parte dos tempos, mas isso há-de passar.
CP: Com que intenção vocês criaram o site www.club-k.net ?
JG: Depois da fundação da organização, sentimos a obrigação de divulgarmos as nossas necessidades e iniciativas e então houve a proposta de criarmos um site para servir a nossa organização, mas, como sabe, estamos num mundo globalizado onde se traça um interesse que depois é capaz de ser desvirtualizado, é o que aconteceu, acabámos de servir não só as nossas actividades como também as de outras associações e tivemos que nos adaptar a isto. Hoje queremos manter o angolano na diáspora informado, queremos tornar cada angolano na diáspora um embaixador da pátria e para isso deve-se estar capacitado a falar de Angola.
CP: Como angolano da África do Sul como acompanhou o fenómeno xenofobia?
CP: A xenofobia é um conflito violento ou intimidatóio contra o extrangeiro, mas nós entendemos a xenofobia na África do Sul de forma diferente. Tive contactos com algumas pessoas da extrutura do próprio ANC com quem analisámos o fenómeno e concluímos que aquilo teve dois objectivos. Primeiro, internamente, quiseram mostrar que os níveis de desemprego atingiram escalas muito altas e, se assim está, há um responsável que é o chefe do governo, que é o Thambo Beki. No plano externo o que é que aconteceu: o zimbabweano chegou à África do Sul e as autoridades sul-africanas fecharam os olhos, não lhes deram documentação e integraram-se dentro das comunidades sul-africanas e ganharam o estatuto de refugiados, deixando a entender que no Zimbabwe havia uma crise que indiciava que alguém falhou, e neste caso é a figura do presidente Thabo Mbeki porque era o medianeiro. Pretendeu-se mostrar que Mbeki falhou tanto internamente, com a situação do desemprego, e externamente como mediador no Zimbabwe. Esta análise foi reforçada pelos procedimentos que surgiram. Algumas bases intermédias do ANC surgiram a público a pedir a cabeça de Mbeki, mas o topo aparecia a dizer que não era este o plano. Quem conhece bem a política sabe que é assim que funciona, utilizam-se as bases intermédias para se passar a mensagem. Portanto, o factor xenofobia teve estes dois objectivos, destruir psicológica e politicamente o Thambo Mbeki e parece que conseguiram, porque hoje todo mundo pergunta o que é que ele fez enquanto mediador no Zimbabwé e o que está a fazer na África do Sul para melhorar a situação do emprego. Ora, é verdade que houve excessos, morreram inocentes, houve aproveitamentos.
CP: Como viveram toda esta situação?
JG: Isso aconteceu nos bairros periféricos. E avanço com um outro dado que foi analisado com estas pessoas do ANC. Se a xenofobia fosse um incidente espontâneo teria de partir do sul do Soweto, porque é lá onde há muitos marginais e também um elevado número de estrangeiros, portanto, estão lá todas as condições criadas para surgir uma agitação destas. Mas tudo começa num bairro chamado Alexandra, onde há alguns extrangeiros. E há outro dado: os serviços de inteligência sul-africano foram informados, em Abril, que havia um plano do género, os embaixadores africanos reuniram com o ministro da Segurança, mas, infelizmente, ignorou-se.
CP: Mas...
JG: Não foi vivido em todos os bairros. Em Joanesburg, por exemplo, aconteceu num único bairro e sabe que quando acontece isso há grupos que se inspiram. Isso aconteceu num domingo e na segunda-feira estive em Joanesburg; a cidade estava vazia de facto, mas havia estabelecimentos de estrangeiros, indianos sobretudo, a funcionarem normalmente. Se fosse um caso de xenofobia de verdade, até os próprios indianos que são a maioria seriam afectados. Durban é uma cidade de indianos, que seriam atacados; temos um bairro em Pretória com muitos estrangeiros e seríamos aí todos atacados, portanto não tenho dúvida que aquilo foi tudo manipulado.
CP: Mas a situação do desemprego é mesmo grave?
JG: Para entendermos isso temos que recuar no tempo. A África do Sul foi governada por um regime ditatorial, o apartheid, e há muita gente que não conseguiu estudar naquela altura. Quando aconteceu o colapso deste regime, o ANC constata que o nível de pessoas instruídas era bastante pouco e, pelo nível de desenvolvimento do próprio país, não puderam ser empregadas.
CP: Qual é o comportamento da comunidade angolana na África do Sul?
JG: Somos uma comunidade bastante disciplinada. As outras comunidades, a moçambicana e zimbabwena, quando vão para lá, são vistas como estando a tomar o emprego dos nacionais e isso não acontece com os angolanos que são vistos como os que levam dinheiro, porque vamos para a escola, abrimos estabelecimentos comerciais e contribuimos para os impostos.
CP: Por isso houve uma única vítima angolana?
JG: Segundo a análise que expus, o angolano não fazia parte desta estratégia porquê? Na África do Sul, nos serviços de inteligência, existe uma angolanização, existe uma luta ideológica dentro dos serviços entre um grupo pró Angola, que é formado por antigos agentes que estudaram em Angola, e um grupo dos agentes que o regime do apartheid recrutou, do batalhão búfalo e os seus filhos. Portanto, temos os pró Angola e aqueles que têm como escola o regime do Apartheid. Portanto, se tocassem num angolano teríamos dentro dos serviços um conflito. E para melhor entender avanço que dentro das estruturas da inteligência sul-africana temos quadros angolanos, o chefe da escolta do presidente Mbeki é angolano, o chefe da interpol na África do Sul é angolano, há cerca de sete ministros sul-africanos que se formaram em escolas angolanas e, por isso, se mexessem num angolano, não como este acidente que aconteceu, eles viriam a público desvendar o que esteve por de trás de tudo.
CP: Como os sul-africanos olham para Angola?
JG: Eles sabem que Angola é um país do futuro, tende a crescer com ou sem MPLA. Angola é um país que não pode ser ignorada pela África do Sul por tudo que tem, portanto, a visão que têm não é má, mas a comunidade de intelectuais reprova a forma como a media tem sido gerida.
CP: Como a diáspora está a acompanhar o caso do Zimbabwe?
JG: Entendemos que o presidente Robert Mugabe fora do poder irá enfrentar processos judiciais de abuso contra os direitos, abusos contra a constituição, ele não violou as leis mas violou o espírito das leis, alterando as leis sempre que lhe apetecesse; houve abuso de poder e toda esta situação actual expressa algum medo do presidente. Esta situação do Zimbabwe, no plano externo, está a afectar Angola; a comunidade internacional pensa que Angola terá a mesma situação depois das eleições de Setembro, mas nós acreditamos que Angola não vai enveredar por este caminho, porque os angolanos se preocupam muito com a sua imagem no exterior, e sobretudo porque já passou por coisa semelhante em 1992 e não acreditamos que queira repetir a dose, até porque Angola quer assumir a liderança da África Austral e não pode enveredar por este caminho. Provavelmente, em Dezembro, o presidente Thambo Mbeki deixa a liderança da região e o presidente Dos Santos ocupará o cargo, por isso duvido que esteja interessado num cenário de conflito. Nem mesmo a oposição estará interessada em conflitos, porque sabe que será uma forma de eternizar o partido no poder.
Fonte: Semanário ChelaPress
Luanda - O facto de estar há onze anos na África do Sul permite-lhe falar com certa propriedade sobre o fenómeno xenofobia que assolou o país de Mandela. Como secretário-geral do Clube-K, o clube dos angolanos do exterior, tem bases para falar como a diáspora reagiu ao facto de não poderem participar nas eleições no próximo mês de Setembro. José Gama é o entrevistado desta edição do ChelaPress. (semanário divulgado na região do sul de Angola.)
Chelapress: Qual é analise que fazes dos preparativos para as próximas eleições?
José Gama: O quadro que presumo das eleições é de que não serão justas o que leva a encorajar a própria oposição a fazer um recuo ou a desistir das eleições. No entanto, a oposição não pode desistir porque politicamente seria errado, mas há sinais evidentes que as eleições não serão justas. Vejamos, a lei diz que cada partido político deve apresentar cerca de quinze mil assinaturas, mas os partidos da oposição não foram informados sobre os procedimentos todos de entrega das assinaturas; agora surge o Tribunal Constitucional dando o prazo de quase duas semanas para a apresentação dos processos o que é difícil. Vendo este cenário, começamos a entender as palavras de um secretário do MPLA, segundo as quais muitos partidos ficarão pelo caminho. Portanto, não há cenário para eleições justas, livres poderão até ser, mas justas perderam este teor.
CP: Os partidos sempre estiveram informados das assinaturas...
JG: Perfeitamente, mas, recentemente, por exemplo o Filomeno Vieira Lopes disse publicamente que eles sabiam que tinham de entregar as assinaturas, mas não sabiam dos requisitos exigidos, não sabiam se bastaria o número do cartão, não sabiam se era necessário a assinatura do eleitor e ainda se um eleitor pode assinar a mais de um partido. Só agora é que se sabe que, além do cartão, o eleitor deve subscrever uma lista e pode assinar um segundo partido. Por outro lado, há informações que no interior do país os militantes dos partidos da oposição estão a ser espancados por fazerem recolha das assinaturas.
CP: Haveria razões para o MPLA criar estas dificuldades, quando até deixam entender que têm certeza da vitória?
JG: Por trás da certeza há alguma garantia da vitória. Quem está no poder faz tudo ao seu alcance para ganhar. O MPLA é um partido maduro e já não comete erros como outros partidos africanos como a ZANU que fazem a fraude no período eleitoral, mas pode criar situações para enfraquecer os partidos da oposição e isso acontece mesmo nas grandes democracias. O caso das assinaturas, o facto de pretender-se aumentar para dois dias o período de voto são indícios que podem enquadrar-se nestas manobras de enfraquecer a oposição. Alterou-se a lei no sentido do anúncio das eleições ser feito quinze dias depois do escrutínio, isso cria receios em qualquer partido da oposição porque, pelo próprio instinto, o indivíduo que está ali pode fazer alguma manobra para favorecer o seu partido.
CP: Há quem defenda que não se deve trocar agora o partido no governo, em função da experiência do MPLA!
JG: Os governos movimentam-se, mas os estados não. O que é o estado? Somos nós povo, a polícia, as forças armadas, os serviços de inteligência e o território. Angola tem estas estruturas que servem para proteger o Estado. Mesmo que seja um partido acabado de se formar, conhecendo as suas responsabilidades, saberá governar. Isto de se dizer que sem o partido no poder o país não avança penso ser uma expectativa que não se deve alimentar, não faz sentido porque existem as estruturas do estado para proteger, sobretudo o governo. É verdade que o MPLA acumulou um capital humano, certa experiência, domina os dossiês do país, mas, neste ponto, é preciso realçar que, num país democrático normal, o domínio dos dossiês não passam apenas pelo partido no poder, mas também pelo próprio cidadão, assim como pelos partidos da oposição que têm o direito de se informarem de todos os acordos e protocolos que o estado fez, mas em Angola acontece o contrário, por isso tem-se a ideia que o MPLA é o único que conhece as coisas.
CP: Para ti o que tem faltado para o cidadão dominar os dossiês do país, vontade das pessoas ou de quem governa?
JG: Penso que a nossa Constituição também não prevê o direito a este tipo de informação, por isso é que estamos assim. Hoje, somos informados apenas pelos media, o que não acontece, por exemplo, na África do Sul, onde ao entrar no site do governo se encontram as últimas coisas que foram feitas. Em Angola não acontece isso, não sabemos quantas escolas foram feitas hoje e o que se fará no próximo ano, fica-se com a impressão que não há um programa de governação.
CP: Como a diáspora reagiu à notícia de que não participaria nas eleições?
JG: É um direito constitucional, de todo cidadão, participar no escrutínio, esteja ele no território angolano ou não. Logo, o cidadão que está dentro deste estipulado e vê que foi excluído, vê que os seus direitos constitucionais foram violados e é o que aconteceu com a diáspora angolana. Respondemos, escrevemos cartas e, nalgumas cidades, organizaram-se mesmo manifestações de protesto mostrando o claro desconforto com a medida. Mesmo que seja real, que não haja condições para votar, dever-se-ia dizer que tipo de condições são estas, e quais as medidas que estão a ser tomadas para que nos próximos anos a diáspora venha a participar nas eleições. Na verdade, penso que se poderia registar a diáspora da mesma forma que se regista para as cédulas e bilhetes de identidade junto dos consulados. Quando se quer fazer o recenseamento militar nas embaixadas o processo dá certo, porque é que agora não daria, quando se poderia usar os mesmos métodos. Penso que faltou interesse, houve má vontade das autoridades e quando as pessoas reclamam são acusadas de ser da oposição.
CP: O que levaria o governo a excluir-vos?
JG: Quando se vai às eleições, existem dois aspectos, ou seja, dois territórios que se deve ter em conta: o interno e o externo. Os resultados do externo, mesmo até que o número seja reduzido em termos políticos, tem um significado muito importante porque está longe de qualquer pressão interna, pensa e analisa as coisas de forma diferente, por isso é complicado perder neste eleitorado. Penso que deve ter existido esta análise. Por outro lado, temos um site na Internet, visitado por pessoas da diáspora que deixam os seus comentários e, provavelmente, os serviços de informação peneiram estes comentários de maneira a concluir o que é que a diáspora pensa e terão notado o sentido do voto da diáspora.
CP: Há vozes que apontam que terá existido um serviço mais profundo dos serviços de inteligência nos diferentes países e constataram que o voto não era para o MPLA, terão notado algum indício destas investigações?
JG: É possível que se tenha feito este estudo e a resposta está na própria decisão tomada, porque se tivessem certeza que o voto da diáspora iria para o MPLA poriam a diáspora a votar sem receio nenhum.
O que é o Club K?
JG: É o clube dos angolanos no exterior, é uma organização fundada em 2000, formada por angolanos que vivem em toda parte do mundo, cujo objectivo é responder pelos interesses da diáspora, prestar assistência humanitária e cultural. O clube tem os seus órgãos; temos um braço de informação que é o nosso site (www.club-k.net ) que muitas vezes é confundido com o nome do clube. Temos realizado palestras, conferências e congressos. Temos parcerias e alguns contactos nas relações internacionais porque estamos no mundo da globalização e toda instituição precisa de manter contacto com outras que defendem interesses semelhantes e estão em outros países, e é nesta perspectiva que nasce e cresce o Clube K, cujo nome é inglês, “Club K”, clube chave, ou seja, a chave da diáspora. Portanto toda diáspora que é honesta consigo apoia o clube, num sinal de que é pró Angola.
CP: Está a falar de apoios financeiros?
JG: Não! É um apoio moral, é um suporte. É alguém saber que temos uma dificuldade e estar disposto a responder ao nosso apelo. Por exemplo, no ano passado, quando o Graça Campos foi preso, chamámos a diáspora e discutimos a nossa posição e concluímos que devíamos ficar solidários com ele.
CP: Além deste caso, que outros mexeram com o clube?
JG: Recentemente, quando um alto responsável do Jornal de Angola escrevia editoriais contra o partido UNITA, falando em nome do povo, houve a necessidade de reagirmos porque as posições do Jornal de Angola, no exterior, são vistas como a voz governamental, e o governo representa o povo, então foi necessário haver um desmarque, fizemos um anúncio público a dizer que não nos revíamos naquela posição, condenámos aquela postura e solicitámos ao ministro Rebelais a expulsão daquele responsável. Se o senhor ministro for uma pessoa que ouve o seu povo, penso que tarde ou cedo irá cumprir com a vontade que manifestámos.
CP: Em alguns círculos liga-se o clube K à oposição...
JG: Sentimos que em Angola quem não bajula e defende uma posição coerente e justa é associado à oposição; isso já não nos incomoda porque alguém também já nos disse que somos do MPLA. O Clube K não faz parte da oposição e nem tenciona fazer, faz oposição às más políticas, aos maus procedimentos, quando um jovem é morto por um polícia, quando uma kinguila é morta por vender, nós não podemos aplaudir e deve ser por aí que nos ligam à oposição, mas quem assim pensa é contra os direitos humanos. Há pessoas do MPLA, da UNITA e de outros partidos que se revêem nas nossas posições. Portanto, esta é uma prática que ocorre em Angola e em outros países do continente. Em Moçambique também é assim, aquele que não bajula é chamado de oposição, mas nós consideramos normal esta postura, é perfeitamente normal, faz parte dos tempos, mas isso há-de passar.
CP: Com que intenção vocês criaram o site www.club-k.net ?
JG: Depois da fundação da organização, sentimos a obrigação de divulgarmos as nossas necessidades e iniciativas e então houve a proposta de criarmos um site para servir a nossa organização, mas, como sabe, estamos num mundo globalizado onde se traça um interesse que depois é capaz de ser desvirtualizado, é o que aconteceu, acabámos de servir não só as nossas actividades como também as de outras associações e tivemos que nos adaptar a isto. Hoje queremos manter o angolano na diáspora informado, queremos tornar cada angolano na diáspora um embaixador da pátria e para isso deve-se estar capacitado a falar de Angola.
CP: Como angolano da África do Sul como acompanhou o fenómeno xenofobia?
CP: A xenofobia é um conflito violento ou intimidatóio contra o extrangeiro, mas nós entendemos a xenofobia na África do Sul de forma diferente. Tive contactos com algumas pessoas da extrutura do próprio ANC com quem analisámos o fenómeno e concluímos que aquilo teve dois objectivos. Primeiro, internamente, quiseram mostrar que os níveis de desemprego atingiram escalas muito altas e, se assim está, há um responsável que é o chefe do governo, que é o Thambo Beki. No plano externo o que é que aconteceu: o zimbabweano chegou à África do Sul e as autoridades sul-africanas fecharam os olhos, não lhes deram documentação e integraram-se dentro das comunidades sul-africanas e ganharam o estatuto de refugiados, deixando a entender que no Zimbabwe havia uma crise que indiciava que alguém falhou, e neste caso é a figura do presidente Thabo Mbeki porque era o medianeiro. Pretendeu-se mostrar que Mbeki falhou tanto internamente, com a situação do desemprego, e externamente como mediador no Zimbabwe. Esta análise foi reforçada pelos procedimentos que surgiram. Algumas bases intermédias do ANC surgiram a público a pedir a cabeça de Mbeki, mas o topo aparecia a dizer que não era este o plano. Quem conhece bem a política sabe que é assim que funciona, utilizam-se as bases intermédias para se passar a mensagem. Portanto, o factor xenofobia teve estes dois objectivos, destruir psicológica e politicamente o Thambo Mbeki e parece que conseguiram, porque hoje todo mundo pergunta o que é que ele fez enquanto mediador no Zimbabwé e o que está a fazer na África do Sul para melhorar a situação do emprego. Ora, é verdade que houve excessos, morreram inocentes, houve aproveitamentos.
CP: Como viveram toda esta situação?
JG: Isso aconteceu nos bairros periféricos. E avanço com um outro dado que foi analisado com estas pessoas do ANC. Se a xenofobia fosse um incidente espontâneo teria de partir do sul do Soweto, porque é lá onde há muitos marginais e também um elevado número de estrangeiros, portanto, estão lá todas as condições criadas para surgir uma agitação destas. Mas tudo começa num bairro chamado Alexandra, onde há alguns extrangeiros. E há outro dado: os serviços de inteligência sul-africano foram informados, em Abril, que havia um plano do género, os embaixadores africanos reuniram com o ministro da Segurança, mas, infelizmente, ignorou-se.
CP: Mas...
JG: Não foi vivido em todos os bairros. Em Joanesburg, por exemplo, aconteceu num único bairro e sabe que quando acontece isso há grupos que se inspiram. Isso aconteceu num domingo e na segunda-feira estive em Joanesburg; a cidade estava vazia de facto, mas havia estabelecimentos de estrangeiros, indianos sobretudo, a funcionarem normalmente. Se fosse um caso de xenofobia de verdade, até os próprios indianos que são a maioria seriam afectados. Durban é uma cidade de indianos, que seriam atacados; temos um bairro em Pretória com muitos estrangeiros e seríamos aí todos atacados, portanto não tenho dúvida que aquilo foi tudo manipulado.
CP: Mas a situação do desemprego é mesmo grave?
JG: Para entendermos isso temos que recuar no tempo. A África do Sul foi governada por um regime ditatorial, o apartheid, e há muita gente que não conseguiu estudar naquela altura. Quando aconteceu o colapso deste regime, o ANC constata que o nível de pessoas instruídas era bastante pouco e, pelo nível de desenvolvimento do próprio país, não puderam ser empregadas.
CP: Qual é o comportamento da comunidade angolana na África do Sul?
JG: Somos uma comunidade bastante disciplinada. As outras comunidades, a moçambicana e zimbabwena, quando vão para lá, são vistas como estando a tomar o emprego dos nacionais e isso não acontece com os angolanos que são vistos como os que levam dinheiro, porque vamos para a escola, abrimos estabelecimentos comerciais e contribuimos para os impostos.
CP: Por isso houve uma única vítima angolana?
JG: Segundo a análise que expus, o angolano não fazia parte desta estratégia porquê? Na África do Sul, nos serviços de inteligência, existe uma angolanização, existe uma luta ideológica dentro dos serviços entre um grupo pró Angola, que é formado por antigos agentes que estudaram em Angola, e um grupo dos agentes que o regime do apartheid recrutou, do batalhão búfalo e os seus filhos. Portanto, temos os pró Angola e aqueles que têm como escola o regime do Apartheid. Portanto, se tocassem num angolano teríamos dentro dos serviços um conflito. E para melhor entender avanço que dentro das estruturas da inteligência sul-africana temos quadros angolanos, o chefe da escolta do presidente Mbeki é angolano, o chefe da interpol na África do Sul é angolano, há cerca de sete ministros sul-africanos que se formaram em escolas angolanas e, por isso, se mexessem num angolano, não como este acidente que aconteceu, eles viriam a público desvendar o que esteve por de trás de tudo.
CP: Como os sul-africanos olham para Angola?
JG: Eles sabem que Angola é um país do futuro, tende a crescer com ou sem MPLA. Angola é um país que não pode ser ignorada pela África do Sul por tudo que tem, portanto, a visão que têm não é má, mas a comunidade de intelectuais reprova a forma como a media tem sido gerida.
CP: Como a diáspora está a acompanhar o caso do Zimbabwe?
JG: Entendemos que o presidente Robert Mugabe fora do poder irá enfrentar processos judiciais de abuso contra os direitos, abusos contra a constituição, ele não violou as leis mas violou o espírito das leis, alterando as leis sempre que lhe apetecesse; houve abuso de poder e toda esta situação actual expressa algum medo do presidente. Esta situação do Zimbabwe, no plano externo, está a afectar Angola; a comunidade internacional pensa que Angola terá a mesma situação depois das eleições de Setembro, mas nós acreditamos que Angola não vai enveredar por este caminho, porque os angolanos se preocupam muito com a sua imagem no exterior, e sobretudo porque já passou por coisa semelhante em 1992 e não acreditamos que queira repetir a dose, até porque Angola quer assumir a liderança da África Austral e não pode enveredar por este caminho. Provavelmente, em Dezembro, o presidente Thambo Mbeki deixa a liderança da região e o presidente Dos Santos ocupará o cargo, por isso duvido que esteja interessado num cenário de conflito. Nem mesmo a oposição estará interessada em conflitos, porque sabe que será uma forma de eternizar o partido no poder.
Fonte: Semanário ChelaPress
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