quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Manifesto futurista da Universidade de Angola (II)


Esta é a segunda parte do manifesto. Na primeira parte apresentamos o quadro atual da Universidade de Angola. Nesta segunda, definiremos o que é a Universidade e os seus principais pilares. Na terceira e última parte apresentaremos as características principais da Universidade necessária para Angola

Na definição de Universidade quase sempre se encontra os seguintes elementos: 1) espaço físico, cultural, pedagógico e político no qual, à luz de uma pluralidade de visões do homem e do mundo, se processa um constante diálogo com a realidade natural e social; 2) instituição que atende a necessidade de emancipação do homem e de sua sociedade, tendo como finalidade gerar, conservar e transmitir novos conhecimentos (científicos e tecnológicos); 3) funciona a serviço de toda a sociedade, apresentando-se como instrumento privilegiado de modernização e de progresso intelectual, esfera da formação de sujeitos críticos e criativos dispostos a assumir o risco, revestindo-se dos atributos de agente impulsionador do desenvolvimento científico e da geração de tecnologia; 4) é o mais alto órgão do sistema de ensino educacional de um país.

No entanto, quando se analisa concretamente a universidade existente, esta conceituação abstrata sofre profundas alterações.

A universidade que temos não é digna desse nome, uma vez que ela ainda segue a filosofia medieval. Na Idade Média, a forma típica de educação superior, era a escola entendida como agrupamento de discípulos em volta de um mestre. Na Universidade “provinciana” a filosofia e os clássicos eram partes fundamentais dos estudos. Era uma universidade elitista. Durante séculos esta foi a função básica do ensino universitário.

Além disso, até onde podemos remontar a história, ao contrário do que geralmente se pensa, a Universidade raramente foi uma instituição autônoma e independente. Em alguns momentos ela foi duramente maltratada. Quase sempre esteve ligada a outras instituições mais poderosas, como Igreja, Nobreza, famílias feudais, corporações profissionais ou comerciais, ou mais modernamente, o Estado, Fundações, organizações industriais e financeiras. A história mostra que quando os setores dominantes se sentem ameaçados, diminuem a autonomia da Universidade, muitas vezes vindo a mesquinhar a função da instituição.

Sobre isso, Helmholtz (1809) advertiu que “nas suas relações com a Universidade, o Estado não deveria tomar qualquer decisão que implicasse perda da liberdade universitária”. Ele reconhecia que a Universidade deveria permitir que o Estado participasse de sua administração, como contrapartida ao dinheiro que recebia, mas nunca a ponto de perder sua autonomia. Livre e autônoma, a Universidade se ajustaria melhor aos interesses do Estado.

Em nossos dias, a universidade, que deve ser entendida como um ativo social de valor inestimável o qual precisa ser defendido, aperfeiçoado, modernizado e protegido pelos cidadãos, é convidada a enfrentar os desafios da pós-modernidade. Deve conquistar seu lugar de destaque na sociedade, difundindo o conhecimento para quebrar as barreiras da ignorância. A realidade impõe à Universidade reflexões e atitudes decididas com relação à sua inserção na contemporaneidade da vida científica, econômica, social, artística e cultural da humanidade.

Nos países de longa tradição universitária e acadêmica, as funções da Universidade se assentam sobre três pilares: ensino, pesquisa e extensão, todos com mesmo teor de importância. No entanto, são desiguais no que se refere ao seu desenvolvimento.

O primeiro pilar, o ensino que deu origem ao próprio nome de Universidade, é a função fundamental que a instituição vem desempenhando através dos tempos e tem recebido maior atenção. O ensino participa na formação do espírito, da sensibilidade e do caráter. O ensino coloca as inteligências em condições de aceitar razões ou de realizar descobrimentos; destina-se a obrigar a pensar.

As mudanças advindas nos séculos XIV e XV, como, por exemplo, a quebra da unidade religiosa resultante da reforma protestante, o desenvolvimento do capitalismo comercial com as grandes conquistas marítimas, a aceitação social da nova ordem política baseada nas monarquias absolutas e a instituição das ciências exatas como instrumento de pesquisa empírica favoreceram a transformação da universidade e fizeram aparecer o interesse científico, como principal meta da educação superior. Todavia, nos países do terceiro mundo que estão acabrunhados com o desafio de realizar o seu próprio desenvolvimento econômico, as Universidades têm se limitado a fazer do ensino uma atividade de preparação profissional.

O segundo pilar é a pesquisa, que pode ser fundamental ou aplicada. É indissociável do ensino e tem como função básica gerar e promover conhecimentos.

A Universidade como é conhecida hoje só mudou realmente com a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra. Ela modificou a economia, transformando-a de agrícola para manufatureira, o que acarretou na exigência de um novo sistema de conhecimentos. Tal sistema implicava uma educação voltada para o enriquecimento intelectual sem perder de vista o progresso material.

Dessa maneira, a Revolução Industrial em sua última fase incentivou a pesquisa aplicada, que teve na Universidade seu locus privilegiado. A criação de institutos exclusivamente voltados para a pesquisa veio corroborar com a idéia da sua vital importância para a cultura e moral de uma nação. A partir daí, as Universidades passaram a incorporar a pesquisa como uma das suas funções-fim, aumentando o conceito que se tinha sobre o termo.

Assim, a pesquisa universitária, indissociável do ensino, tem como função básica gerar e difundir o saber que possa servir à população deixando que o conhecimento resultante da mesma ultrapasse os muros da Universidade. Polichuk considera a “a pesquisa como o centro nervoso da Universidade. Sem a pesquisa, o próprio ensino é enfraquecido, uma vez que ela serve para alimentar a sua agilização”.

Historicamente, a primeira idéia sobre pesquisa universitária “surgiu em 1760 na Lunar Society of Birminghan”. Em termos mundiais, os primeiros passos nesse sentido foram dados em 1809-1810, durante o Iluminismo, com o seu espírito renovador e humanista, na Universidade de Berlim (Alemanha), com a famosa reforma promovida por Wilhelm von Humboldt (1767-1835) e seus colaboradores. A Universidade passou então a ser conceituada como uma comunidade de pesquisadores, cuidando da educação e, com maior ênfase, da criação e organização do saber, principalmente através da pesquisa científica. Tratou-se, na época, de um tipo revolucionário de Universidade.

Essencialmente, em nossos dias, a pesquisa pode ser entendida, como: (i) pura e (ii) aplicada. A pesquisa é pura ou fundamental quando é desvinculada de objetivos práticos e a pesquisa pode ser chamada de aplicada quando visa a determinadas conseqüências. Mesmo não possuindo a preocupação da prática, a pesquisa pura não é totalmente livre e tampouco feita de maneira aleatória. Existe certa seletividade, forçada por fatores econômicos, sociais, culturais e políticos. A pesquisa que mais interessa à Universidade é a fundamental, pois tem como objetivo aumentar os conhecimentos científicos, sem necessariamente ter em vista alguma aplicação prática. Ela não é preciso que tenha compromissos com a resolução de problemas, mas deve contribuir com algo novo ao acervo de conhecimentos acumulados sobre fenômenos de qualquer natureza.

A pesquisa aplicada, ao contrário, busca soluções para problemas objetivos e contemporâneos. Usualmente, é de responsabilidade de institutos e empresas, contudo sem ficar descartada a possibilidade de também ser desenvolvida pela Universidade.

O terceiro pilar da Universidade é a extensão universitária. A extensão universitária (extension services) é o elemento que foi incluído entre os objetivos da Universidade, no sentido de levá-la a participar dos problemas comunitários.

A extensão universitária traz no seu bojo o compromisso de educação à comunidade e a possibilidade de co-participação na formulação e execução dos próprios conteúdos de educação. É com a extensão, por exemplo, que se poderá aproveitar a sabedoria do povo e colocá-la dentro da realidade da comunidade acadêmica.

Ela apresenta-se, hoje, como um desafio à comunidade acadêmica, configurando-se como uma atividade de mão dupla: procura levar à comunidade os benefícios do trabalho universitário, ao mesmo tempo em que aproveita o saber popular para trazê-lo para dentro da instituição. O povo sabe de uma forma não elaborada e difusa, uma série de coisas que podem ser úteis à ciência se sistematizadas.

A extensão nasceu no interior dos movimentos educacionais históricos que coincidiu com o fechamento dos canais de participação da sociedade civil. Sendo assim, ela foi recebida sem muitas discussões, inclusive legitimando a vontade governamental em atender às demandas sociais.

Desse modo, ela encontrou solo fértil para desenvolver-se como uma instância que, historicamente, vem fortalecendo sua autonomia. Nas comunidades subdesenvolvidas, a extensão universitária é um recurso para “queimar etapas” na luta pelo desenvolvimento, otimizando o investimento que se faz em educação universitária. A extensão universitária, que é uma atividade que sai de dentro para fora da Universidade é dirigida a universitários e não universitários, colocando-a em contato com o meio em que se insere. Deve ser encarada como parte integrante do ensino e a ele ligada.



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