quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Confusão na cidade do Kilamba

Desrespeito, agressões e desmaios só para se inscrever


Foto: domínio público

Por : Romão Brandão
SA 502, Sábado 16 de Fevereiro de 2013.

Pela uma casa, que não será dada de borla, centenas de pessoas são obrigadas a passar fome, arriscar a vida e até mesmo enfrentar homens armados. A lista é enorme, que sofre constantes alterações, e a Delta Imobiliária, responsável pelas vendas, tem poucos funcionáriosà disposição, a população passa a noite ali, para, tentar se organizar, mas os seus esforços vão por água abaixo porque políciasmilitares são sempre os primeiros a ser atendidos. Quem não aguenta, desmaia, enquanto os nervos consomem outros,que se revoltam contra os agentes… é o dia-a-dia no Kilamba City.

É a terceira vez que a nossa equipa de reportagem é chamada à cidade do Kilamba, todas por uma razão não muito boa. Desta vez, fazia um sol intenso e minutos depois que a nossa equipa desceu do carro, um cidadão, ironicamente, disse: «ainda bem que chegaram, estávamos mesmo à vossa espera ». Motivando-mos ainda mais.

Enquanto uns aguardavam na fila (destorcida), outros concentravam-se num canto para acalmar o stress na sombra. Por um lado, esperando que mais pessoas desistam e se faça uma actualização da lista para que os seus nomes saiam do número 300, por exemplo, para o 250, por outro, rezando que os funcionários da Delta sejam mais ágeis, justos e que os militares não apareçam,porque têm contribuído para o embaraço.

Com o rosto de quem está prestes a chorar, lábios secos e usando uma capa de processo para se proteger do sol, uma mulher, que apenas aceitou falar sob anonimato, que está há uma semana a tentar dar entrada da papelada, desesperadamente, disse que «esta empresa de imóveis devia muito bem ter evitado isto, já que têm dois escritórios ali e apenas um está aberto».

Possivelmente, seria atendida no dia seguinte, tal como nos disse, pois conseguiu alcançar o 31º lugar na lista, depois de tanto esforço, tantas noites em companhiados mosquitos, no jardim, mal cuidado, da cidade e pensando nos filhos que deixou em casa.

«Para não perder o lugar, aúnica hipótese que temos é esta: dormir aqui. Por exemplo, já marcámos presença, temos de permanecer aqui, porque, mais logo, quando forem 4h da manhã, haverá outra chamada e quem não estiver presente é riscado da lista », narrou ela, fazendo menção a uma lista criada pela população que ali se encontra.

Explicou que cada grupo cria um staff e este deve esperar pela sua vez, em função da ordem de chegada. É a única forma que viram para se organizar, já que a Delta pouco se importa com a situação, pois nem sequer encarregou alguém de trabalhar no processo. «A polícia de ordem pública, que está a fazer este trabalho, tem dificultado mais do que ajudado na organização», desabafou.

Os funcionários da Delta Imobiliária, segundo os nossos interlocutores, não cumprem o horário de trabalho e têm feito «muita mania. Até parece que nos vão dar as casas de borla. Apenas trabalham das 9h às 15h. Hoje, por exemplo, na ‘bicha’ dos rapazes, só atenderam 35, se tivessem começado mais cedo, muita gente já teria sido despachada», opinou ela, que guardava o lugar do marido, para que este não corresse risco de perder o emprego.

Enquanto a sociedade espera um comportamento exemplar por parte dos agentes da polícia, muitos deles têm-se dedicado, cada vez mais, a sujar a imagem da corporação. Como referimos acima, a fila dos possíveis futuros moradores do Kilamba está a ser «organizada» por efectivos da Polícia Nacional – segundo os nossos entrevistados, estão a facilitar a entrada dos seus colegas, que nem sequer cumprem a ordem de chegada.

Mas a polícia que está a deixar enfurecidos aqueles populares é a militar, que «trata os que estão na fila como se fossem bonecos, entram directamente, nem sequer criam uma fila só deles, e ai de ti se reclamares! O povo fica aqui a sofrer e a esta hora (15h) eles já se foram embora », protestou a nossa entrevistada.

Os militares, que estão a ser mal vistos naquela urbe, chegam a criar pânico quando a polícia de ordem pública tenta interditar a sua passagem, tendo inclusive, recentemente, uma discussão, culminado com balas na câmara e ameaças. A populaçã sofre calada e por mais que passem 20 agentes à margem da fila, ninguém reclama, sob pena de ocorrerem disparos.

Grávidas clamam por socorro

Mulheres concebidas, que muitas vezes passam mal, têm uma fila única, cujo atendimento é lento, devido a essa atitude dos militares de pretenderem ser atendidos em número de entre 20 e 15 indivíduos de uma só vez, facto que levou um dos nossos entrevistados a alegar que falta pouco para enfrentar um polícia.

«Só porque estão patenteados, armados ou fardados passam-nos e nada podemos fazer. Não podemos tocar nas suas fardas. Todos os dias se cria uma comissão de organização – são pessoas que, às vezes, fazem a actualização da lista à meia-noite – e a polícia só vem desorganizar e deixar as pessoas ainda mais frustradas», revelou ele.

À entrada do escritório da Delta Imobiliário vê-se uma placa sinalizando prioridade aos idosos, grávidas e mulheres com criança ao colo, entretanto, desrespeitada. As grávidas também esperam incansavelmente, até que a sua vez chegue, acabando muitas por desistir.

«Gravidez é coisa séria, estamos a carregar um ser humano. Este tempo todo que aqui permanecemos, corremos o risco de perder o bebé, mas como queremos casa própria, não temos outra hipótese », contestou uma gestante.

Suspeita que algumas pessoas têm pago para receber senhas, só não sabe quanto, pois não se compreende o desrespeito aos direitos das gestantes, até mesmo da própria polícia de ordem pública. Listas e mais listas novas são criadas e nunca chega a sua vez, porque são sempre consideradas listas fantasmas (acabam por desaparecer).

Delta desorganizada ou negócios ocultos?

Para Ramos Júnior, 53 anos, a empresa de imobiliários que está a tratar das vendas no Kilamba devia adoptar uma estratégia de inscrição mais eficaz, como, por exemplo, via internet, já que o mundo agora está modernizado e não se deve ficar isento das vantagens que o desenvolvimento tecnológico nos oferece.

«A Delta atende, em média, 100 pessoas por dia. Somos obrigados a faltar ao serviço, estamos a ser descontados e hoje, por mais de três faltas,é aberto um processo disciplinar. Muitos dos que aqui estão, terão, no mínimo, problemas jurídicos na empresa e isto devia ser muito bem evitado», aponta ele.

Já para o jovem Cláudio Vasco, o sistema adoptado pela Delta é muito burocrático, parece que não querem facilitar as coisas ao cidadão. Deviam criar mais espaços de inscrição (nos shopping center, bairros ou quaisquer outros estabelecimentos comerciais) para que o cidadão não tivesse de se deslocar à própria centralidade.

«Há pessoas que não são da Delta, estão a fazer ‘bízno’ para colocarem os nomes na lista e entregarem fichas, tudo porque essa empresa não se está a preocupar em organizar aqui fora. Se calhar, os que estão à frente disto, o que mais querem é que chegue a fase das gasosas. Só falta sair pancadaria aqui, porque todo mundo está frustrado», acrescentou.

Para o nosso entrevistado, não há necessidade de quem só pretende informações sobre os documentos necessários para se inscrever ter de ficar a espera naquela fila enorme. Facto que tem ocorrido, porque a Delta está desprovida de uma área fora daquele departamento para este tipo de coisa. «Já não deviam estar a este nível, quando podem muito bem colocar vitrinas com estas informações básicas», acresceu.

Oportunidade de negócio

Enquanto a população sofre, lutando por uma moradia, há quem conseguiu ver uma oportunidade de negócio por intermédio deste problema. A causa dos desmaios naquela circunscrição tem sido a falta de alimentação e descanso condigno, por isso mesmo, Cariola Costa decidiu, ainda sem permissão, vender comida dentro da centralidade.

É um lanchezinho que tem ajudado a muita gente, até mesmo polícias, que não têm condições de pagar um prato nos restaurantes instalados naquela cidade. Vende essencialmente sandes composta (a custo de 200kz), gasosa, água, sumo e cerveja (100kz) – num carro da vizinhança, que adaptou como estabelecimento.

Está consciente de que não é permito vender ali, mas, ainda assim, arrisca sair de táxi do Futungo (onde vive) todos os dias às 5h, porque os clientes insistem em procurar pelos seus serviços. Deste modo, para não dar «bandeira», como diz, ela vai até ao cliente, pergunta o que quer e faculta-lhe, de forma despercebida, no Toyota Carina E – do vizinho, que, nem sequer cobra comissão.

SA 502, Sábado 16 de Fevereiro de 2013.



Novo processo será retomado na segunda-feira dia 04 de Fevereiro.

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