quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Luanda às escuras e sem água

Por Sousa Jamba

A democracia não é apenas a campanha eleitoral, o espectáculo, as promessas. A democracia é também a determinação de um empenho sério na concretização do que foi prometido. Nas últimas duas semanas, oiço de gente muito próxima a mim que em Luanda, não tem nem agua nem luz.

Há quem diz que isto não deveria surpreender ninguém; que a sociedade luandense sofreu muitas privações ao tempo da guerra e doutras convulsões. Há mesmo que diz que eu – que vivi uma boa parte da minha vida fora de Angola – não tenho o mínimo de legitimidade para falar sobre este assunto. Ao fim do dia, nunca sofri.

Outros insistem que os meus laços à UNITA que, segundo a sua visão, é em parte responsa vel pela privação que os luandenses estão a enfrentar, deveriam fazer com que me mantivesse calado quando o assunto fosse esse. Recuso calar-me por várias razões.

Angola é de todos nós. Há gente que às vezes pensa do país como se fosse uma família – com filhos da casa e enteados. O governo que saiu das últimas eleições é para to¬dos os angolanos – incluindo nós diáspora. Quando o governo não consegue providenciar serviços básicos, como a distribuição de agua e de luz, todos nós ficamos afectados.

É verdade que nas campanhas políticas há sempre alguns exageros, que temos que descontar. Em todo caso, durante o período préeleitoral, em que estive em Angola, deu-se a entender que, para o MPLA, as utilidades básicas, como a agua e a luz, nunca estariam em questão. Afinal, Angola estava é a caminho da industrialização.

Cá, no exterior, vimos os clipes, elegantíssimos, dos grandes projectos no país. Vimos, sim o clipe da barragem da Capanda, com o seu caudal poderoso, e os técnicos que iriam garantir electricida¬de para vários cantos do país. Os noticiários da TPA não eram nada mais do que publicidade a vários projectos que iriam garantir per-manentemente agua potável ao cidadão pacato. Em Luanda, tenho conhecidos que não vêem água potável nas suas casas há duas semanas. Com a luz, também está a ser o mesmo caso. A discrepância entre a Angola das televisões e a Angola real é mesmo gritante. Isto afecta todos os angolanos. Se não houver um esforço tremendo – em que os objectivos governamentais se alinham com a realidade no chão – então teremos uma nação cheia de cínicos sem fé nas instituições governamentais.

Um pouco adiante falarei mais sobre a Nigéria – país que tem muitas semelhanças com Angola. Estive na Nigéria quando certas figuras discutiam o seu papel na exploração do espaço (acabava-se de enviar-se um satélite para o espaço, cuja construção tinha tido capital nigeriano). A Nigeria Space Initiative (Iniciativa Nigeriana do Espaço), quando foi fundada em 2001, deu muito que falar. Só que me lembro, claramente, que havia nigerianos que morriam de risos quando observavam todo o espectáculo; eles perguntavam como é que um país que mal conseguia dar permanentemente água e luz aos seus cidadãos poderia ter um programa no espaço viável?

Na Nigéria, dizia-se que havia uma grande discrepância entre as aspirações da elite governamental e a realidade. Angola pode correr o mesmo risco. Vimos os clipes de grandes iniciativas industriais; hoje se fala de jovens a estudarem com velas e de cidadãos nas filas com os bidons.

Há, aqui, uma grande oportunidade para a oposição angolana. Não para tirar um proveito politico desta situação, mas para desencadear um verdadeiro debate sobre como desenvolver o país. Muitas vezes, sobretudo em épocas em que existem fundos, há uma tendência por parte dos governantes enveredarem para a construção de gigantesco projectos.

Angola tem muito a aprender da experiencia nigeriana. Ambos são os maiores produtores de petróleo na África a sul do Saara. Na Nigéria, como em Angola, há uma constante falta de electricidade – sobretudo na capital económica, Lagos, que tem uma população de quase dez milhões. Em 1977, no auge do boom nigeriano, construiu-se então a famosa aldeia do Festac – o grande festival da cultura negra e africana. Milhões e milhões de dólares foram gastos para o acontecimento. Hoje o Festac serve como uma lembrança de como os fundos do Estado não po¬dem ser desperdiçados.

O grande problema da Nigéria foi que muitos dos projectos eram movidos não necessariamente por necessidade – mas por uma questão de querer dar nas vistas. Não será este também o caso de Angola? A Nigéria é um bom exemplo do valor de uma avaliação séria da sustentabilidade de certas iniciativas económicas.

Cá, no exterior, estamos a ver muita publicidade à volta de várias iniciativas habitacionais em Luanda. Sim, sim, há mesmo estrageiros que vão se mordendo de inveja ao verem estes clipes. Mas, depois passamos a ver fotos de cidadãos com bidons à espera de agua. Na facebook, os angolanos não param de reclamar da falta de luz.

Como já disse várias vezes, há muitos aspectos de Angola que me fazem lembrar a Nigéria. Em certo momento, por exemplo, decidiu-se que o centro de Lagos deveria, também, ter os seus arranha-céus – à moda de Nova Iorque. Parece que são poucas as pessoas que pensaram na manutenção destes prédios. Há alguns anos atrás, em Lagos, eu estava a entrevistar uma entidade no seu escritório no vigésimo andar. Quando lhe solicitou o uso da casa de banho, o senhor pediu-me desculpas, dizendo que estava num estado péssimo. Disse ainda que o seu motorista iria me levar para o Hotel Hilton, onde a casa de banho estaria em condições. Um arranha-céu tem que ser construído num meio no qual haja garantias de energia e agua.

Em Angola, a oposição tem que inspirar um debate que vá aos pormenores; temos que avaliar seriamente as operações de em¬presas por detrás das utilidades básicas – água, electricidade, etc. Será que, no caso, por exemplo, da distribuidora de electricidade, se tem aqui uma empresa que está cada vez mais enferrujada por in¬terferências burocráticas e vindas do topo? O ideal não seria que o director geral desta empresa fosse alguém cuja nomeação tivesse a bênção do parlamento – ou de um conselho que representasse várias sensibilidades da nação? Este director teria um contrato de cinco anos, por exemplo, dentro do qual ele teria que traçar uma estratégia com ênfase na produção, formação de quadros e competitividade da empresa?

Ou será que deveria, talvez, haver várias pequenas empresas de eletricidade que iriam fornecer a cada município e as pessoas pagassem para os serviços da mesma forma como se paga para o carregamento de telefones?

Angola teria muito, talvez, a aprender da nossa vizinha Zâmbia, cujos líderes têm sido mais modestos e pragmáticos. É curioso que quando a Libéria quis que várias empresas participassem num concurso para passarem a dar eletricidade a diversas partes do país, duas empresas zambianas de eletricidade submeteram algumas propostas. Na Zâmbia, há duas empresas principais de electricidade – uma que abrange o público e outra cuja especialização é dar electricidade às minas de cobre e a várias outras indústrias. Afinal, uma EDEL teria muito que aprender de uma Zesco ou da Copperbelt Power Company da Zâmbia. Mas isto tudo requere certa modéstia e realismo – qualidades que, infelizmente, tem faltado em Angola. ■

S.A, EDIÇÃO 486• ANO VII, Sábado, 13 de Outubro de 2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário