terça-feira, 15 de maio de 2012

Os 10 anos de Mwaikibakismo no Quênia e os 10 anos de paz em Angola


Por Mário Cumandala (Economista)
15 de Maio de 2012 (Nova Iorque)

Falar de 10 anos de progresso no Quênia, sem falar da nossa década de paz, é sem dúvidas uma falta de rigor acadêmico.

Sem tentar equiparar laranja com limão, o contexto angolano, conforme postulou o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, ao assinalar no dia 4 de Abril de 2012, os 10 anos dos Acordos de Paz e da Reconciliação Nacional, rubricados solenemente em 2002 e que se pode dizer que poderiam ter permitido ao país trilhar o início de um caminho de crescimento e progressos, para uma grande maioria, isto não reflecte seu dia a dia.

Passada uma década desde a assinatura do Memorando de Paz, o Presidente da República lembrou ainda que foi no Luena que o Executivo traçou as linhas de orientação para o Programa de Reconstrução Nacional e se comprometeu com a implementação descentralizada do Orçamento Geral do Estado, através da execução dos Programas Provinciais. De resto é conversa para boi dormir, já dizia o adágio popular.

Este ano, em Agosto, o Quênia fecha as portas aos 10 anos de governacão de Kibaki. Este político que dedicou meio século de sua vida ao serviço público, irá para casa, para gozar de uma reforma bem merecida. O presidente Kibaki passará à reforma depois de servir dois termos conforme estipula a constituição do Quênia sem tentar prolongar ou mudar a constituição – que exemplo para alguns presidentes em África.

Que lições Angola e África podem aprender com saída dignificante do Presidente Kibaki? Quando em 1950, o jovem Kibaki de 19 anos, terminou o ensino médio, pretendia ingressar no King,s African Rifles ( KAR) parte do exército Britânico de elite, já que Quênia era na altura, uma colónia. Por causa da revolta dos Mau Maus, e por ser proveniente da tribo dos Kikuyus que junto os Embus, e Merus foram proibidos por Walter Coutts, governador Britânico da época para ingressarem no exército colonial, assim seus préstimos foram rejeitados.

Em 2002, 50 anos depois, este jovem, conseguiu realizar seu sonho de servir a sua pátria. Constam de sua biografia as seguintes conquistas:

1. 2007. Segundas eleições que Kibaki disputou. Os resultados foram seriamente contestados e levaram a violência política. Para satisfação de Kofi Annan que foi o mediador, os acordos de paz foram assinados e um governo de coligação foi formado com Raila Odinga como Primeiro Ministro.

2. 2005. Um referendum sobre a Carta Magna da Nação foi rejeitado, e como resultado, Kibaki dissolveu o Cabinete.

3. 2002. O partido Democrático de Kibaki forma aliança com outras forças da oposição e forma a National Rainbow Coalition e vence as eleições de Dezembro daquele ano. Mwai Kibaki inaugurado assim como o Terceiro Presidente do Quênia.

4. 1997. Kibaki foi derrotado nas eleições gerais pelo veterano Presidente Daniel Arap Moi.

5. 1991. Kibaki demite-se do seu partido KANU para formar o Partido Democrático que o possibilitou concorrer as primeiras eleições multipartidárias de 1992.

6. 1988. Kibaki foi sem explicação exonerado do posto de Vice-Presidente por Daniel Arap Moi.

7. 1978. Kenyatta morre e foi sucedido por Daniel Arap Moi e nomeia Kibaki seu Vice-Presidente.

8. 1974. Representa sua terra natal de Othaya no Parlamento.

9. 1969. Indicado como Ministro das Finanças e Comércio, posto que ocupou até 1982.

10. 1966. Serve por um tempo como Vice-Ministro das Finanças em simultâneo como presidente da Comissão de Planeamento Econômico e indicado para Ministro do Comércio.

11. 1963. Deixa a vida académica como professor da prestigiosa Universidade de Makerere em Kampala, Uganda

Este homem que se tornou no terceiro presidente do Quênia, Mwai Kibaki, o homem que assumiu a presidência em 2003 não é o mesmo homem prestes a se aposentar.

Em 2003, Mwai Kibaki, era visto como o "senhor supremo da política do Quênia". Ele era a figura do pai calmante que era esperado para gerenciar a transição do país de uma época longa e difícil dos dois primeiros presidentes para um período mais calmo da democracia e Estado de Direito. Mas pelo contrário, este tornou-se em um perito e astuto em truques políticos sujos. Hoje todo mundo concorda que ele é e foi um grande maquiavélico e mestre político. Pergunte o seu primeiro-ministro, Raila Odinga.

Agora, a corrida para o sucessor de Kibaki ja está a tomar proporções sujas. O envolvimento da "comunidade internacional" não é mais camuflada na etiqueta diplomática.

A realidade porém, sugere que a política do Quénia sempre foi caracterizada, desde a independência, em 1963 por um regime presidencialista altamente centralizado, apesar da constituição democrática multipartidária ser nominalmente respeitada. Na realidade, a KANU (sigla do nome em língua inglesa da União Nacional Africana do Quénia) foi o partido maioritário e, em 1982, a Assembléia Nacional emendou a Constituição, tornando o país monopartidário.

Este estado de coisas durou até 1991, quando a Assembléia revogou aquela disposição, mas nas eleições de 1992 e 1997, o presidente Daniel Arap Moi e a KANU mantiveram, respectivamente as posições presidencial e de maioria no Parlamento.

Em 2002, Mwai Kibaki - apoiado pela coligação NARC - tornou-se no primeiro candidato presidencial da oposição a vencer uma eleição no país desde a independência. A sua coligação manteve-se coesa graças às promessas de reformas constitucionais e às garantias de Kibaki de que iria nomear representantes de todos os grupos étnicos principais do Quénia para lugares importantes.

A sua negligência em cumprir estas promessas depois das eleições causaram vários focos de tensão, incluindo a saída do LDP da coligação. Além disso, vozes importantes do KANU - e em particular Uhuru Kenyatta, filho do primeiro presidente do país, Jomo Kenyatta - ganharam popularidade. (Tudo é possível sem Kibaki, era o slogan desse descontentamento, mas o partido ganhou apenas 29% do voto popular e Kenyatta apenas 31% dos votos para o cargo de Presidente.

A seguir a esta derrota, a KANU dividiu-se em duas facções, uma delas, liderada por Uhuru Kenyatta, uniu-se ao Partido Liberal Democrático do Quénia (PLD), para formar o ODM-Kenya (sigla de Movimento Democrático Laranja), enquanto a KANU ficou numericamente enfraquecida. Em Setembro de 2007, Kenyatta anunciou que não iria candidatar-se de novo à presidência e apoiaria a reeleição de Kibaki provocando nova cisão no ODM. O novo Movimento Laranja, ou Orange Democratic Movement Party of Kenya, agora liderado por Raila Odinga, anteriormente do PLD, concorreu às eleições de Dezembro de 2007, tendo ganho a maior bancada do Parlamento, mas não vendo o seu lugar na presidência confirmado pelas autoridades do escrutínio .

Apesar das eleições terem sido consideradas fraudulentas por muitos observadores e os resultados mostrarem uma divisão étnica do voto, Kibaki negou as alegações de fraude e, a 8 de Janeiro de 2008, nomeou o seu novo gabinete que, surpreendentemente, inclui Uhuru Kenyatta como “Minister for Local Government” (Ministro para o Governo Local). Odinga, convocou manifestações que levaram a um banho de sangue, com mais de 1000 mortos e 250 mil deslocados.

Depois de uma longa campanha de mediação presidida pelo antigo Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan (na qual também participou Graça Machel) e duma visita-relâmpago do actual, Ban Ki-Moon, Kibaki e Odinga concordaram em assinar, a 28 de Fevereiro de 2008, um acordo denominado “National Accord and Reconciliation Act” ("Acordo sobre a Nação e a Reconciliação"), que inclui a formação dum governo de coligação e a nomeação de Odinga como Primeiro-Ministro, com poderes executivos.

A Acta de Aposentadoria e Benefícios do Presidente.

Para muitos Quenianos, o terceiro presidente do país lhes deixa com muitas memórias. Até porque o pacote de sua reforma demonstra este carinho.

Depois de 10 anos como Presidente, ele vai para sua reforma como verdadeiro pai da nação. Para recompensar os 50 anos de serviço a nação e de acordo com a Acta dos benefícios aprovada em 2003, Kibaki passa a reforma com 38 staff, 12 entre eles parte de sua segurança pessoal, um palácio de 6 milhões de dólares com uma pista e helipade.

Ainda de acordo com a mesma acta, o ex-presidente ainda tem direito a espaço de escritório pago pelo estado e que não passe de 1000 m2 com toda mobília e equipamentos, entretenimento mês, usd 2,500, manutenção da casa usd 3,600, 3,600 agua e luz, 2,500 combustível. Para cuidar de sua saúde, esposa, um seguro local e internacional será pago pelo estado a uma empresa provedora de seguro de saúde. Ele tera um passaporte diplomático automático, ajuda de custos para viajar no exterior 4 vezes por ano desde que não passe de 14 dias cada.

Terá 4 carros novos, divididos entre dois SUVs e dois limusines a serem substituídos em cada 3 anos. Receberá um pagamento único de gratidão de usd 201,000 e um pagamento anual de usd 144,000 para o resto de sua vida. O catch – um ex-presidente nunca poderá liderar um partido político por mais de 6 meses. Finalmente, espera-se que o ex-presidente exerça um papel de Consultor e Conselheiro do Governo e do povo Queniano. Com tudo isso, o Presidente Kibaki poderá sim acordar no dia depois da saída do palácio como um homem realizado. Que exemplo a seguir...

Kibabikinomics, e o novo termo léxico no dicionário Queniano, que descreve as políticas econômicas de Kibaki. Alguns créditos a sua política econômica:

1. Kibaki durante os 10 anos de seu governo, deixa para futuras gerações o projecto Nairobi- Thika superhigway que liga a capital e a cidade industrial de Thika e que considerado o primeiro passo para se ligar a Grande estrada do Norte para a Etiópia.

2. Tambem durante estes 10 anos Kibaki ampliou Mombosa- Nairobi Highway, aumentou as fronteiras da Capital, Nairobi, aumentou a presença de instituições diplomáticas na capital, O PIB melhorou consideravelmente, o FDI também aumentou com mais de uma dezena de multinacionais a tornarem Nairobi seu HQ.

Kibaki como Acadêmico, surpreendeu a todos, mesmo quando seus conselheiros duvidavam de sua determinação, ele conseguiu fazer com a provisão da educação primaria fosse gratuita em todo pais. Esta decisão significou um acréscimo de mais 1 milhão de alunos novos entre eles o a falecido Kimani Maruge, o estudante primário mais velho do mundo que se matriculou na primeira classe na idade de 84 anos. Assim as matriculas do ensino primário com esta nova política de Kibaki, subiram para 6 milhões de novos alunos em 2002 para 10 milhões em 2011. Mesmo para aqueles que não vivem de números como eu, estes são comida para qualquer pessoa ainda com humanidade nela--. Hoje no Quênia, as matriculas para o ensino secundário já rondam na casa dos 72%.

Foi por causa deste feito extra-ordinário, que Bil Clinton, um outro ex-presidente de dois termos, quando foi interpelado numa entrevista televisiva em 2004 sobre quem é a pessoa que ele gostaria de conhecer pessoalmente, ele disse sem reservas, Kibaki, e ele acrescentou: “Eu gostaria de encontrar-me com o novo Presidente de Quênia, porque ele acabou com o pagamento de propinas para crianças pobres e 1 milhão de extra de alunos apresentou-se a escola”.

Kibaki como Diplomata

Um dos grandes desafios que seu governo experimenta ainda até hoje, e a segurança marítima, que ameaçam os sectores de turismo e comercio marítimo. Kibaki tornou-se assim no primeiro Presidente a mandar as Forças de Defesa Queniana ( KDF) além fronteiras para a Somália.

Ainda outro feito de grande relevância foi o facto de ser ele a defender a implementação do EAC Common Market Protocol, para facilitar a livre circulação de mao de obra, bens, serviços e pessoas.

Finalmente, se notou, nada disse para contrastar os 10 de Kibaki no Quênia e os 10 de paz em Angola. Isto porque acredito que existe uma grande oportunidade para os historiadores olharem para os arquivos do Governo angolano nos passados 10 anos, para melhor compreensão do fenômeno Eduadismo.

Esta apreciação passa por analises profundas como argumentado recentemente pelo Dr. Abel Chivukuvuku, Presidente do CASA-CE ao criticar a estrutura do relatório do governo que qualificou de “propositadamente atabalhoada”, acrescentando que a desarrumação tem por propósito , “ confundir a opinião pública e esconder insuficiências”.

Estas insuficiências do Eduardismo, a meu ver, devem e precisarão ser desafiadas em Setembro, para também mandarmos o Eduardismo para uma reforma condigna a exemplo do Quênia.

Nota final: a aposentadoria do Presidente Kibaki é Constitucional, mas a derrota nas urnas não significa aposentadoria do presidente cessante (por isso em África ninguém quer esta via de deixar o poder), como tal não esperem por um Setembro sem maquiavelismo.

Aqui a esta a semelhança principal entre Quênia e Angola.

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