sábado, 12 de março de 2011

Casamento tradicional na cultura umbundu

Por Adolfo Mundombe Huambo - 11 de Março, 2011

Momento em que um representante da família da noiva confirma a lista dos artigos entregues pelo noivo como parte do ovilombo

O casamento tradicional é um processo em que os aspectos económicos, sociais e religiosos estão, muitas vezes, misturados, sendo por isso difícil eliminar a linha divisória das águas.

O historiador Festo Sapalo afirmou, ao Jornal de Angola, que é o lugar de encontro de todos os membros de uma comunidade, os falecidos, os vivos e os que vão nascer.

Na cultura umbundu, o casamento tradicional é feito com apoios familiares e até de amigos. É, disse Festo Sapalo, “o drama em que cada um participa como actor e não como simples espectador”.

É, ainda, um dever, uma experiência fixada pela comunidade, um ritmo de vida, no qual devem tomar parte os membros da família e quem não participar é amaldiçoado e tratado como rebelde, acentuou.

Em geral, quando alguém não se casa, na cultura umbundu, significa que é rejeitado pela sociedade e pela comunidade, pois o casamento sistematiza, controla a vida social e organiza as relações entre parentes na afixação da filiação.

O percurso do matrimónio tradicional é uniformizado nos grupos ovimbundu, tal como o uso e costumes matrimoniais e o valor da virgindade, constituindo a essência da unidade cultural destes povos.

Aliança entre grupos

Com o casamento, entre os ovimbundu, a mulher e o homem formam um novo agregado, reforçam a amizade e a aliança entre famílias, tribos, reinos e amigos. Esta aliança, que se forma entre os dois grupos familiares, constitui o núcleo das relações profundas das famílias.

Nesta aliança, todos os membros da família colaboram na preservação dos valores culturais e na garantia da fecundidade e prolongamento do casamento. Os cônjuges, referiu Festo Sapalo, ficam valorizados e são compensados economicamente pelas duas famílias.

O matrimónio dos ovimbundu é uma aliança legítima entre as duas famílias, que une linhagens sem a intervenção das autoridades. Ambas baseiam-se na união, firmam um contrato.

O acto não diz só respeito a uma pessoa, ao rapaz ou à rapariga, compromete as duas famílias a que pertencem. Os jovens casam-se, juntam-se numa única família, resultante dos dois clãs e nasce a dimensão comunitária e social.

Na tradição umbundu, a esposa nunca perde a identidade de membro do seu grupo. Mesmo que o casamento termine, volta à sua família, à qual pertencem também os filhos.

Dentro do grupo do marido, ela conserva e simboliza a presença do seu agregado e certifica a união de famílias.

Apresentação aos familiares

Depois do jovem manifestar interesse e amor por uma rapariga, a primeira coisa a fazer é levar isso ao conhecimento dos tios, anunciando o sentimento. Nessa altura não é permitido ter relações sexuais.

Os tios do rapaz avaliam o comportamento da moça e a sua linhagem familiar.
Depois de chegarem a um acordo familiar, os tios do rapaz dirigem-se aos pais da rapariga, “batem à porta”, alegando que o seu filho gostou da filha deles e levam um valor monetário, símbolo de união dos dois.

A partir daquele momento, os pais da jovem levam ao conhecimento da comunidade que a filha “está ocupada” e aumentam o controlo sobre ela.

Alguns dias depois, os tios da menina enviam uma carta a discriminar os artigos que devem apresentar como dote (alambamento).

A família do rapaz prepara-se, marca a data do encontro com a contraparte, munidos, é claro, dos artigos e do valor monetário exigidos pela família da moça, como dote, que na língua nacional umbundu se chama “ovilombo”.

Entre estes artigos, há um fato para o pai, outro para a mãe, panos e roupas para as tias, um litro de aguardente, owalende (caporroto), bebida tradicional, um garrafão de vinho tinto, quatro ou mais grades de gasosa, igual número de grades de cerveja e tabaco em rama ou volume de cigarros, com respectiva remessa de fósforos.

À chegada com o dote, salientou Feste Sapalo, a família do pretendente é recebida e acolhida, com toda dignidade, numa sala, onde estão presentes os familiares da pretendida para testemunharem a recepção dos artigos entregues pela família do rapaz. No acto da entrega, os emissários do pretendente, tio e tia, apresentam os parentes que os acompanham, antes de se proceder à entrega dos artigos, que são conferidos e confirmados pela família da jovem.

Vista a encomenda, o tio indicado da parte da noiva retribui o gesto com parte da bebida trazida pela família do pretendente a noivo, o que em umbundu significa “okutiula ovolu” (pôr de volta os pés). Depois disso, seguem-se conversações entre as famílias, pormenorizando os hábitos e costumes da jovem para, no caso de ocorrer alguma desinteligência, o marido ter forma de repreender a mulher.

A partir daí, a família do noivo dá a conhecer à noiva o que ela não sabe sobre o futuro marido. Segue-se, no fim, um almoço de confraternização na casa da família dela e todos, alegres, felicitam o noivado da filha. A festa dura até dois dias.

De regresso com a noiva, no caminho, a tia dela exige dinheiro em cada entroncamento, riacho, rio, até chegar a casa do noivo, onde também encontra toda a família do marido em festa, satisfeita com a entrada de mais um membro no seu agregado.

Os rituais tradicionais do casamento continuam. Antes de entrar para o salão construído e decorado para a recepção aos noivos (otchingalala), passam por uma porta decorada com folhas de palmeira ou de bananeira, que chamam ombundi, onde do outro lado fica sentada a avó do noivo e ali depositam dinheiro, no pequeno balaio que ela tem entre as mãos.

Depois da festa, com comes e bebes no salão “octhingalala”, os noivos não passam juntos a noite. Ela dorme na sua nova casa, com mais de 30 crianças e jovens, com idades compreendidas entre os 4 e os 18 anos, denominadas “katalamba”, mais a tia.

O noivo dorme sozinho e logo ao amanhecer deve dirigir-se a casa “ etambo”, onde pernoitou a noiva, e antes de a saudar, entrega dinheiro e bate palmas três vezes. As meninas do grupo (corte) seguem a noiva e respondem à saudação. Só depois disso é que o noivo saúda a noiva.

Feito isto, prossegue a festa “okukuata epata”, em que a noiva cozinha para toda família para se apurar se de facto sabe cozinhar.

Ofertas e presentes

Os amigos e os familiares entregam sempre aos noivos um presente na hora da partida para servir de recordação em casa.

A família do marido vem depois à procura, na casa dos pais da noiva, dos utensílios domésticos, com canções de louvor.

Durante a lua-de-mel, não pode faltar a quissangua, bebida tradicional feita de milho fermentado (otchisangua), para dar a todos que forem de visita. Terminada a festa de casamento, juntam-se os noivos e recebem conselhos dos tios, padrinhos, familiares para uma boa partilha no lar.

Os casados ficam com duas meninas, que vão ajudar nas lides caseiras, até que a esposa tenha o primeiro filho.

Já depois de ter dois ou três filhos, os familiares da mulher agradecem a dádiva, com uma junta de cabritos, fuba e galinha. Ao atribuir os nomes aos filhos, ao homem, segundo o direito costumeiro, cabe dar o nome do primeiro ao quarto, só depois disso é que a mulher dá aos demais.

Sempre que falta de um artigo no novo lar, aos tios do noivo é exigido a reposição que está em falta com dinheiro.

No primeiro ano de casados, os noivos abrem a sua lavra com o apoio dos familiares.

O casamento tradicional na cultura umbundu é constituído por ritos de passagem e um acto jurídico, que exige diversas formalidades: alembamento, intermediários, testemunhas, contrato, cortejo, cerimónia de apresentação e festas.

Jovens desobedientes

Josefina Ngalo, de 78 anos, disse, ao Jornal de Angola, que actualmente “os jovens vivem de ilusões, não prevêem as consequências do que fazem e não abraçam os conselhos dos pais, nem tão-pouco os das tias”.

“Quando um adulto aconselha para uma boa partilha entre os casais, banalizam e dizem que esta é uma nova era, onde estes valores estão ultrapassados”, afirmou.

“Engravida-se e nem sequer o rapaz assume a paternidade, fica prejudicada a menina, o filho é sustentado pelos avós, tudo por falta de maturidade dos jovens”, referiu.

Josefina Ngalo recordou que antigamente o acompanhamento dos jovens era diferente, tanto para as raparigas como para os rapazes, que ouviam os conselhos dos tios e as tias “tinham a grande tarefa e paciência de ensinarem como partilhar a vida a dois”.

As tias também ensinavam as raparigas a lavar, engomar, cozinhar, a serem humildes perante o marido e até conhecimentos bíblicos.

Antigamente, referiu, cada linhagem familiar tinha onde ir buscar as noivas.
“Assim que o jovem atingisse a idade para contrair matrimónio, tinha já a noiva eleita pelos familiares, preparada para casar e eles seguiam os hábitos e costumes da terra”, frisou.

Embora com algumas adaptações, próprias do mundo dinâmico em que vivemos, Josefina Ngalo aconselha os jovens a seguirem “a tradição e os bons costumes de cada região”. “Sigam o procedimento de fazer o alambamento (o pedido) até o dia do casamento e cumprir com todos rituais de cada etnia, seja umbundu, kikongo, kimbundu, cokwe e outros, que dignificam a nossa tradição e cultura”, disse.
“Porque a nossa tradição e cultura é rica em valores”, sublinhou.

Saber perdoar no lar

O padre Adriano Katiavala lembrou que “a tolerância e a maturidade equilibrada é considerada pelos especialistas um dos pilares mais importantes no casamento” e que “é necessário saber renunciar, suportar a existência de elementos contraditórios e tolerar”.

“No início do casamento tudo é marcado pelas expectativas, saber se o outro vai ser aquilo com que sempre sonhou”, referiu, salientando que “o primeiro grande obstáculo é superar essa obsessão, o que é difícil porque cada um veio de um mundo diferente”. Para elas, disse, o ideal é ter um homem fiel, amoroso, inabalável, que a cubra de carinho e atenções.

Elas, salientou, precisam disso e para os homens, a mulher é aquela que ouve as ideias do parceiro.

O casamento, lembrou, é um acto antigo, nascido de costumes e incentivado pelo sentimento moral, religioso e cultural.

Custos

Os casamentos nem sempre são baratos, mas é preciso saber procurar a melhor forma de mantê-lo. “A afeição é um dos pontos principais para um casamento feliz, muitos depois de casados já não mostram o devido carinho como antes”, lamentou o padre.

Adriano Katiavala frisou que os mais velhos tinham a experiência, não só primavam pelos valores físicos e materiais, como por uma educação moral irrepreensível.

“Hoje gostamos de fazer casamentos luxuosos, que pode custar milhões por causa da indumentária”, disse.

“Se voltarmos ao passado, o importante no casamento não era a festa que se realizava, mas o tempo de partilha no casamento“, declarou, a concluir, o prelado católico.

Fonte: http://jornaldeangola.sapo.ao/25/0/casamento_tradicional_na_cultura_umbundu

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