domingo, 16 de janeiro de 2011

Melão de 100 dólares em Luanda (Angola)


Por Sousa Jamba
Semanário angolense Edição 399 · ANO VII,
Sábado, 15 de Janeiro de 2011.


Recebi recentemente um correio electrónico de um habitante de Luanda que afirma ter ficado escandalizado quando visitou uma loja chamada «Casa dos Frescos», onde um melão estava à venda por 104 dólares americanos. Há dois aspectos da vida urbana luandense que me deprime: os preços elevadíssimos e a falta de disciplina dos motoristas. Em Luanda, os peões não são respeitados.

Voltemos, porém, à questão dos preços. O instinto de muitas pessoas, em situações dessas, é apontar o dedo ao comerciante e, às vezes, pelo facto dele não ser nativo, cair numa certa xenofobia. A verdade é que se vende melões por cem dólares cada em Luanda porque há gente que esta pronta a pagar tal preço. Já estive num local em Luanda onde se pagava vinte dólares americanos por um copo de kisangwa: e esta kisangwa não era importada nem da Mongólia ou Patagónia. O facto é que havia gente pronta a pagar aquele preço por algo que deveria, certamente, custar muito menos.

Os preços absurdamente altos nas capitais africanas são frequentemente atribuídos à falta de produção interna e uma circulação elevada de moeda forte em sectores da elite dominante. Mas há, também, os gostos das elites. Para esta elite, consumir o que é importado dá status. No Gabão, até recentemente, houve também o fenómeno das frutas serem caríssimas porque eram importadas do estrangeiro – sobretudo da França. Houve vezes que Libreville, a capital gabonesa, figurou na lista de cidades mais caras do mundo. Na Costa do Marfim, ao tempo das vacas gordas de Houphouet Boigny, até o pão para as elites vinha directamente de Paris.

É que existe a noção, em certos sectores das elites africanas, de que o que vem do estrangeiro, sobretudo da Europa, deve ser bom. Há quatro anos atrás, em Kinshasa, na área do Ngombe, fiquei altamente surpreendido ao ver que uma galinha congelada custava vinte e cinco dólares americanos. A galinha, soube logo, tinha sido importada do Brasil. Na altura, notei que havia jovens sentados, felizes da vida, a beberem cerveja skol, enquanto escutavam a música de Fally Ipupa.

Luanda é hoje um dos centros urbanos com uma densidade populacional elevadíssima. Este é também o caso de Lagos e Nairobi, por exemplo. Muita gente sai do campo e instala-se nas áreas urbanas à espera de um melhoramento na sua vida. Em muitos casos, isto acontece porque o dinheiro está concentrado numa determinada região geográfica. Dizem-me que durante a última festa do natal, por exemplo, havia produtos importados da Noruega que poderiam ter sido produzidos em Angola.

A produção agrícola de um país não melhora apenas com investimento de fundos e infra-estruturas. Precisa-se, também, de uma mudança profunda na forma como os cidadãos se relacionam com a terra. Um dos efeitos da urbanização é um certo distanciamento dos cidadãos com a terra. Já se notou, por várias vezes, que uma das fraquezas do sistema educacional de vários países africanos é o menosprezo que se dá ao trabalho manual; toda a gente aspira estar em escritórios com papéis e canetas. Muitas pessoas perdem o interesse pela natureza e ate pelo solo.

Em muitas sociedades, as populações seguem as elites. As fotos dos casamentos que vemos no Facebook ou no Youtube demonstram que muitos angolanos querem imitar as cerimónias das figuras que aparecem nas revistas da alta sociedade. Imaginemos, por exemplo, que a elite angolana aspire agora, não a fazer compras do Brasil, mas a passar férias no campo. Na África do Sul, por exemplo, há muitas estâncias rurais onde as pessoas podem ir relaxar e apreciar a natureza. Muitos jovens angolanos das áreas urbanas não conhecem as árvores do interior ou mesmo as maravilhas da terra – formigueiros, cogumelos, etc. Agora que a guerra acabou, as pessoas deveriam ser encorajadas a irem passar férias no interior. Eu adoro as matas do planalto central e gosto das várias frutas que lá se encontram – lohengo, oloncha, akunlakunla, etc. Será que alguém está a pensar como é que essas frutas poderiam ser cultivadas a uma escala elevada?

Sempre que vou para Angola passo algum tempo na chitaka da minha família no Katchilengue, apreciando as várias plantações. Como angolanos, teremos que saber exactamente que o Uíge produz café de qualidade. Seria tão bom se nos próximos anos um empresário angolano fosse a criar o equivalente ao «starbucks», onde os angolanos iriam para beber e celebrar o café angolano. Dizem-me que na Huíla há regiões que produzem uvas de qualidade. Seria bom se alguém estivesse a sonhar em produzir um dia vinho que competisse com os da África do Sul ou mesmo do Chile.

Além dos cidadãos passarem a ter um imenso interesse na terra, a agricultura nacional só avançará se houver também um interesse aprofundando na comida. Debates à volta de produtos alimentares (a mandioca afinal tem ou não tem qualquer valor nutricional?) tem mesmo que ser apresentados aos populares. Mais atenção na terra levaria, também, a um certo interesse nas medicinas tradicionais: muitos mais velhos no interior conhecem produtos medicinais de muito valor. Ligado a este debate, haveria mesmo, também, a questão da segurança nutricional. Será, por exemplo, que em certas partes do Cuando Cubango só o sorgo, que sobrevive mesmo na falta de água, é que pode ser cultivado? Depois os cidadãos deverão, também, ter uma noção exacta dos terrenos que são utilizados para a produção de bens para a exportação – como o algodão. A prioridade tem que ser uma produção que satisfaça as necessidades da nação.

A importação de comida é uma prática que, a longo prazo, pode ter efeitos altamente nefastos para uma sociedade. Como se diz, vale mais ser ensinado a pescar do que ter ofertas de peixe. A renascença da agricultura em Angola, como já disse, teria, também, que ser ligada a um turismo rural por partes das elites: esses cem dólares que são regularmente gastos na compra de melancias importadas, deveriam ir para o campo. Mas alguém teria, por exemplo, que garantir a presença de boas pensões e outras facilidades no interior. Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, há fazendas onde famílias inteiras podem colher alimentos; isto está a resultar em debates sérios sobre, por exemplo, o uso da biotecnologia e genética no tratamento de sementes. ■

Atenção: Melão de "Ouro" leva Casa dos frescos a Tribunal.

Um comentário:

  1. O que se pode acrescentar a um texto tao bem estruturado e coerente?...
    Talvez concluindo que para darmos mais valor aos produtos e servicos nacionais devesse haver uma vontade patriotica para nao dizer politica de dar valor ao que 'e nosso.Para isso ja existem os eleitos e que quando eleitos preferem olhar para o outro lado.
    Vamos concordar que nao da para o povo sair por todos os cantos desenfreado e tomar decisoes.Fechando o meu comentario 'e o que eu aprendi em marketing e gestao "ha um mercado para esse melao de 104 dollares" alguem ta disposto a pagar esse preco.

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