sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sem voto direto, Santos estende sua permanência no poder de Angola





Por Cristina Azevedo
O Globo
12/02/2010

Sob nova Constituição, presidente anuncia Gabinete e combate à corrupção

Angola tem um novo Gabinete, uma nova Constituição e uma nova campanha de combate à corrupção. Apesar das medidas dos últimos dias, pouco parece mudar nessa nação africana, rica em petróleo e acossada pela pobreza e pela lembrança de 27 anos de guerra civil. A começar pelo próprio presidente. José Eduardo dos Santos está há 30 anos no poder e, pelos instrumentos que a nova Constituição lhe dá, tem chances de continuar por muitos mais.

As mudanças começaram na semana passada, quando Santos assinou a nova Carta Magna.

Aprovada pelo Parlamento, onde o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) tem maioria, a nova Constituição troca a figura do premier pelo vicepresidente — uma medida que fortalece o presidente. Além disso, acaba com a necessidade de eleição direta para a Presidência: o indicado será o cabeça da lista do partido vencedor nas eleições parlamentares. Como o MPLA é o partido com maior apoio no país, a aprovação de Santos — que chegou ao poder em 1979 — seria automática.

— Há menos oportunidades de alternância no poder — explica Michaela Webba, especialista em Direito Constitucional e professora da Universidade Metodista de Angola. — O atual partido tem vasta aceitação e qualquer cabeça de lista será eleito.

Além disso, o presidente detém todos os poderes e não há quem possa fiscalizá-lo. O MPLA tem maioria no Parlamento, e ele é o presidente do MPLA. O partido tem uma disciplina muito rígida e controla seus deputados.

Segundo ONG, um dos países mais corruptos do mundo Segundo Santos, as medidas visam a criar condições para uma eleição geral em 2012. Uma promessa de eleição presidencial fora feita para 2009, mas o pleito foi adiado para janeiro deste ano. Agora, as regras mudam e o principal partido de oposição, a União Nacional para a Independência de Angola (Unita), acredita que seja mais um instrumento para que ele continue na Presidência. O MPLA já anunciou que Santos é o seu candidato, e o presidente poderia obter pelo menos mais um mandato de cinco anos.

— Pela nova Constituição, a figura do presidente é semi-endeusada.

Tem poder para ficar o tempo que desejar — afirma o analista político Rafael Marques.

— Não tem que ser eleito pelos deputados e nomeia juízes, mesmo os da Corte Constitucional.

Na segunda-feira, Santos nomeou o primeiro vice-presidente e os novos ministros de Finanças, Mineração e Serviços Públicos.

Na cerimônia, anunciou ainda a Lei de Probidade Administrativa, para moralizar o serviço público e garantir que funcionários do governo desempenhem a função com honestidade. A empresa Ernst & Young foi contratada pelo governo para assessorar uma revisão de como o dinheiro público é administrado.

De acordo com a organização Transparência Internacional, Angola é um dos 18 países mais corruptos do mundo. Apesar da riqueza do petróleo e dos diamantes, dois terços da população vivem com menos de US$ 2 ao dia. O país também já foi exportador de alimentos, mas a guerra civil após a independência de Portugal, em 1975, fez com que muitos agricultores partissem. Hoje, a expectativa de vida é de menos de 50 anos.

— A corrupção está presente de alto a baixo — diz Michaela.

— Os salários não são compatíveis com o custo de vida, o que permite que a corrupção se instale em toda a sociedade.

Para alguns analistas, as novas medidas de combate à corrupção têm como objetivo aplacar os públicos interno e externo e desviar a atenção da crise econômica que o país vive.

— É complicado porque quem permite a corrupção é quem está no poder — afirma Justino Pinto de Andrade.

Analista político, Andrade é parente do primeiro presidente do MPLA, mas acabou se afastando da legenda dizendo não aceitar que “Angola seja usada como campo de caça”.

— O presidente subiu ao poder num quadro de governo comunista. Hoje, os capitalistas são eles. Aproveitaram-se de suas posições.

Para reforçar suas críticas, a oposição cita uma reportagem de um jornal local incluindo o presidente, ministros e membros do partido na lista dos mais ricos do país.

— Um dos mais ricos do Brasil. Dizem que sua fortuna está lá — conta um opositor.

Ministério das Finanças passa por investigação Marques, por sua vez, ressalta que o país já passou por outras campanhas anticorrupção, como em 1981 e 1996. Como parte da nova campanha, o governo prendeu semana passada dez pessoas acusadas do desvio de US$ 100 milhões do Banco Central.

Opositores, no entanto, afirmam que eram funcionários de terceiro escalão e que estariam servindo de bode expiatório.

Na reformulação do Gabinete, Santos substituiu o ministro das Finanças, Eduardo Severim de Morais, pelo vice-ministro do Planejamento, Carlos Alberto Lopes. A medida veio quando o Ministério da Fazenda era investigado pela transferência de dólares para o exterior. Já o primeiroministro Paulo Kassoma, cujo cargo foi extinto, torna-se o novo presidente do Congresso.


O Globo

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