sábado, 17 de outubro de 2009

Porquê os generais não escrevem?


Enquanto sul-africanos, portugueses, cubanos e norte-americanos se dedicam a escrever sobre o mais recente período da história do nosso país, entre as nossas quatro paredes o deserto é assustador neste capítulo.

Ou seja não há quase nada escrito por parte daqueles que conduziram as operações à testa tropas governamentais. Numa só palavra: não há uma visão do «lado de cá» sobre a longa guerra civil iniciada em 1975.

Não se sabe se por alguma «ordem superior» ou se por incapacidade intrínseca dos próprios, o facto é que nenhum oficial subalterno ou superior das antigas FAPLA tomou algum do seu tempo para registar em memórias um período tão intenso e importante tanto para eles quanto para o país. Em boa verdade, de tão ocupados com os seus negócios privados, a nata do generalato das antigas FAPLA hoje parece ter-se esquecido completamente do passado. Negócios de diamantes, construção civil, petróleo, pescas, segurança privada, aviação civil, banca, etc., etc., hoje não permitem que os antigos cabos de guerra das FAPLA libertem algum do seu tempo para dar a sua versão ou partilhar com outros angolanos as suas perspectivas sobre os últimos 30 anos do país, marcados por uma guerra de que eles não foram meros testemunhas.

Não se devendo perder de vista que a esperança de vida dos angolanos do sexo masculino é actualmente de 42 anos, barreira que muitos dos generais que estiveram na guerra já ultrapassaram faz tempo, estando agora a viver praticamente de «borla», pode ser que não haja tempo para eles dizerem de sua justiça e verdade sobre o que efectivamente viveram e sabem.

Há quem sustente que a pouca qualificação académica de alguns dos generais que lideraram as épicas batalhas contra o exército sul-africano seria um intransponível obstáculo para registar em livro as suas experiências. Não é de menosprezar de todo essa possibilidade. Afinal, são do conhecimento público episódios de que em plena frente de combate não puderam, por exemplo, localizar com certeza a posição do inimigo no mapa porque não sabiam fazer a conversão da escala de 1 para 1,5 milhões.

Mas país que se preze não pode perder a sua memória por tão pouco. Historiadores, sociólogos e até mesmo jornalistas, por exemplo, podem perfeitamente cobrir a falta de luz. Bastaria que tais generais e outros intervenientes nas guerras se predispusessem a dar os seus honestos depoimentos. É assim que se faz em todo o mundo e mesmo em Angola tal prática não seria inédita, sendo exemplo disso mesmo o livro lançado o ano passado pelo general reformado da UNITA Samuel Tchiwale, com assinalável sucesso.

Ao centrarem as suas preocupações mais nos negócios relegando para último plano uma tarefa tão ingente como é a de contar aos angolanos a sua verdade sobre a história recente do país, os oficiais generais e superiores que serviram as tropas governamentais estão a prestar um péssimo serviço à pátria e principalmente às gerações vindouras.

Da forma célere como a carruagem do tempo anda, daqui a 30 anos, quando os generais das FAPLA e das FAA estiverem sete palmos abaixo da terra (afinal, são comuns mortais), a história recente de Angola poderá ter apenas uma versão, a dos generais sul-africanos, que proclamam esmagadoras vitórias sobre as forças governamentais angolanas. Como é óbvio, isto pode apagar todos os triunfos reclamados pelo governo de Angola, o que é uma pena, porque não poucas as pessoas que sabem que em muitos casos as versões sul- africanas são fantasiosas.

Por isso mesmo aos oficiais generais do «lado de cá» impõe-se a obrigação moral de fazerem a sua parte. Nada os substituirá. Por mais melhores esforços que façam os historiadores e pesquisadores.

Numa empreitada como esta, o próprio MPLA não pode colocar-se acima de muro.

Reclamando ser «dono» de mais de 4 milhões de militantes, muitos deles participantes directos das mais emblemáticas batalhas travadas neste país, ao MPLA também impõe-se a obrigação de pedir à legião dos seus seguidores um contributo activo para que a história recente de Angola seja escrita de acordo com a visão daqueles que a fizeram. ■


Fonte: SA, EDIÇÃO 338, 17 de OutubrO de 2009

2 comentários:

  1. Acredito que a ausência de iniciativas deste género por parte dos generais em causa, seja pela falta de luz verde do "clarividente" Comandante em Chefe, ninguém quer afrontá-lo.
    Espero entretanto que Jaime azulay(Jornalista) consiga patrocínios para editar o seu livro, pois se ouve aval para também ser galardoado no Prémio Nacional de Jornalismo, daí a edição do livro o passo sera bem mais curto(espero eu). Se a memória não me atraiçoa, também já se falou em livro do General João de Matos, não sei se não passou só de projecto.

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