segunda-feira, 9 de março de 2009

Quando a substituição se torna inevitável!

Quando a substituição se torna inevitável!

Por Maurílio Luiele

«Não é uma substituição fácil, nem tão pouco uma substituição possível. É apenas uma substituição necessária» (José Eduardo dos Santos, Setembro, 1979)

Recentemente, Steve Jobs, o super-patrão da Apple, anunciou o seu afastamento temporário como CEO da empresa por razões de saúde, abrindo entre investidores e clientes apreensões quanto ao futuro deste gigante do Vale do Silício. Com Jobs no leme a Apple tornou-se numa das empresas mais inovadoras e competitivas no ramo da tecnologia surpreendendo clientes e investidores com produtos que viraram verdadeira febre, mormente no segmento da música digital e dos telefones celulares que a Apple converteu em divertidos computadores de mão.

A apreensão com a saída de campo de Steve Jobs é entendida como justifi cada por diversos analistas que argumentam que o patrão da Apple não foi capaz de preparar um substituto à altura como o fez, por exemplo, Bill Gates com relação à Microsoft. Analistas referem mesmo que Jobs não permitiu que pessoas talentosas crescessem na empresa. Com efeito, o seu estilo autocrático de gestão e a permanente ruptura com o senso comum empresarial são apontados ao mesmo tempo como chaves para o sucesso da empresa mas que, diante da sua saída, podem vir a ensombrar largamente o seu futuro. Jobs tornou-se verdadeira lenda empresarial, inspirando a Apple no seu sucesso mas, na eminência da sua saída, os analistas questionam-se até que ponto esta relação simbiótica entre executivo e empresa é efectivamente saudável. Os analistas consideram que qualidades e factores como gestão profissional, elevada facturação e nome consolidado no mercado perdem valor na avaliação dos investidores quando figuras emblemáticas nas empresas se retiram sem antes haver um processo claro e público de formação do sucessor. O Chefe vai e leva consigo o sucesso da empresa semeando por entre clientes e investidores pânico e desolação.

Sempre considerei que no mundo corporativo, aspectos como gestão autocrática, consulados longevos fossem de menosprezar desde que os lucros estivessem garantidos. De resto, abundam no mundo corporativo exemplos de empresas dirigidas com sucesso pelo mesmo executivo durante longos anos. A análise acima, em torno da saída de Jobs do comando da Apple, sustenta, todavia, o contrário, o que é compreensível já que a gestão das grandes corporações, abertas a capital cada vez mais global e com as paixões que os seus produtos, eventualmente, despertam a nível global, deixou de interessar apenas a pequenos núcleos familiares passando a despertar um generalizado (ou globalizado) interesse público.

Porém, é no mundo político, sem dúvida, onde estes aspectos se configuram acintosos já que, por política entende-se a arte e ciência de gerir o bem comum. A política lida com os assuntos de Estado, isto é, assuntos que a todos nos dizem respeito enquanto cidadãos e por isso mesmo a escolha das lideranças políticas, os modelos de liderança, a forma como os líderes políticos assumem os negócios de Estado são assuntos que se devem colocar permanentemente sob o crivo dos cidadãos.

Em Angola temos um Chefe de Estado cujo consulado apresta-se a completar trinta longos anos. Compreendemos todos as circunstâncias particulares que determinaram este longevo consulado de José Eduardo dos Santos e por isso mesmo também entendemos todos que o quadro que se vai desenhando projecta para um cenário mais próximo o momento em que se tornará inevitável a sua substituição. Os consulados longevos tendem a automatizar atitudes autocráticas de liderança incompatíveis com o processo de democratização que almejamos que vingue no nosso país.

No caso de JES são várias as manifestações deste processo de automatização autocrática. A imagem mais emblemática é talvez aquela que o Jornal de Angola traz frequentemente à estampa ilustrando as reuniões do Conselho de Ministros em que o Chefe ocupa sozinho uma extensa mesa transversal que lhe permite ver bem do alto todos os demais ministros incluindo o PREMIERE! Pretende-se criar em torno de JES uma mística e mesmo um culto de personalidade que propicia atitudes autocráticas e por isso mesmo indesejáveis em democracia.

Os enormes outdoors espalhados por Luanda fora indiciam isso mesmo. Autocracia é incompatível com democracia! Os processos de substituição de líderes que permanecem por muito tempo no poder podem acarretar alguma instabilidade, a menos que o processo se faça num quadro de completa transparência e plena democracia.

A África, infelizmente, está repleta de exemplos desta natureza. O Zimbabwe é o exemplo mais recente de quanto pode ser traumática e conturbada a sucessão de um líder que permanece indefinidamente no poder. De JES, apesar de numa ocasião se ter referido explicitamente à inevitabilidade da sua sucessão, não se vislumbram sinais insinuantes de construção estratégica desta sucessão. Muito pelo contrário, a mensagem que se procura transmitir é que se trata de uma fi gura insubstituível, o que não corresponde à verdade. Mal de nós, angolanos, se não tivéssemos entre nós mais pessoas capazes de assumir com competência o cargo de Chefe de Estado! Mal do MPLA se não fosse capaz de gerar novas lideranças! Contudo, ao repetir até à exaustão a história do «candidato natural» o MPLA recusa-se a encarar frontalmente o facto de que se aproxima o momento em que se tornará inevitável a substituição de JES. Deste modo procura-se lançar nuvens negras no inevitável processo de sucessão.

Em suma, devemos todos estar conscientes de que está mais próximo o momento em que se tornará inevitável a substituição de José Eduardo dos Santos que há cerca de trinta anos assume o cargo de Chefe de Estado de Angola. Para que a sua sucessão se faça sem sobressaltos é fundamental que ela decorra em condições de plena democracia e transparência devendo ele próprio e o MPLA desempenhar um papel relevante na sua concepção. Esperamos que num futuro mais breve ou menos breve e em quaisquer circunstâncias não precisemos de repetir as palavras lidas em 1979 por Lúcio Lara: «...que ingenuidade a nossa... » pois estamos trinta anos mais maduros.

Fonte: Semanárioo angolense, 306, p.18, 7-14 março de 2009

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