terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Literatura angolana e nacionalismo moderno

Por Norberto Costa

Grosso modo, a emergência da fase moderna das Literatura Africanas de Língua Portuguesa, ocorre no pós-guerra, em 1945. Conforme reza a história prodigiosa em lições, a literatura angolana não foge ao jogo dessa regra, que como sempre não exclui as devidas excepções. Nos casos caboverdeano e guineense quererá significar o surgimento da revista de artes e letras “Claridade”, em 1936, no arquipélago, e o surto literário tardio deste último país no pós-independência, com a geração do falecido músico e poeta José Carlos Shwartz (com a publicação das antologias literárias “Mantenhas para quem luta”-1977 e “Momentos primeiros de construção”- 1978), respectivamente.

Com efeito, a geração que atinge a maturidade psíquica e literária por essa altura, na década de 1940/50, em Angola, entra em fase de ruptura estético-ideológica com o “stablishement”, designadamente, om os cultores o exótico, tais como omás Vieira da Cruz e Geraldo Bessa Victor e outros coriféus da propaganda lusotropicalista, substracto básico da literatura colonial havia feito o seu aprendizado básico na escola oficial. Daí à ruptura foi um passo de cobra quando da conscientização e assumpção do rico imaginário local africano, vertido, basicamente, nas suas desprezadas línguas mãe, por via das fogueiras da argumentação filosófica da oralidade que lhe serve de escopo criativo.

Essa geração nativista, inserida num espaço de modernização literária, lança apelo ao movimento “Vamos (re)descobrir Angola”, despoletado, conforme é geralmente aceite, em 1948, sob o impulso decisivo da formulação estética e teórica do poeta e pineiro do nacionalismo moderno angolano, Viriato da Cruz. Alguns anos antes, em 1945, o poeta da “Sagrada Esperança”, Agostinho Neto, chama a atenção para a necesidade da valorização e da arte angolanas, instando os jovens para o sentido da causa comum que mobilizasse os interesses (culturais) nacionais, através de uma propaganda bem dirigida a favor de uma descoberta de Angola aos mais novos, por forma a despertar neles o orgulho pelas coisas da terra, nomeadamente das suas manifestações do espírito, traduzidas na arte e literatura endógenas. Data dessa altura também, a criação em Luanda do agrupamento musical “Ngola Ritmos”, fundado pelo maestro e nacionalista Anicento Viera Dias, numa perspectiva do renascimento cultural e do despertar do sonho libertário, apelando ao rompimento da cortina do silêncio e do analfabetismo; apregoando o sonho libertário, ainda que subrepticiamente expresso nas suas letras, brandido a guitarra contra as grilhetas da censura e do colonialismo atroz.

Entre os poetas da “Mensagem”, geração literária da época, temos Viriato da Cruz, António Jacinto, Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade, entre outros, cuja mensagem protestaária à ordem (cultural) dominante é saliente. Eles propõem um discurso cultural de ruptura. Os poetas e ensaístas dessa geração cônscia da engrenagem corrosiva da máquina colonial alienante, vão em busca das suas raízes populares; vão à procura das condições históricas, sociolícas e culturais que mais se adequam à legitimação do seu discurso literário e de crítica social, isto é; do seu canto poético e de afirmação da sua expressão identitária,- a identidade africana. É dizer, eles mergulham o tinteiro da sua acção artística, cultural e cívica, em prol da (re)afirmação de uma identidade cultural distinta do copante colonial. Denunciam a engrenagem infra-humana do contrato, reedição da escravatura em pleno séc.XX, evocando não só a dolência do contratado, como o pregão da quitandeira; procuram de forma permonitória invocar o grito de evasão e o sonho da pátria liberta em gestação dolorida, silenciosa, mas rapidamente tumultuosa.

As matrizes temáticas do seu discurso literário, predominantemente poético, falam por si, sem prejuízo doutros géneros e sub-generos literários (o conto e o ensaio). Insista-se: mergulham fundo as raízes da sua inspiração criativa no húmus da dura realidade que os rodeia. Como sugeriria Amilcar Cabral em 1952, referindo- se ao contexto claridoso: “ os poetas ao invés de olharem para as núvens devem buscar o sentido da sua poesia na realidade que os cerca.”

Em 1951 é publicada em Luanda a “Mensagem”, revista de artes e letras, denominação pela qual seria conhecida essa geração, no quadro do “Movimento dos Novos Intelectuais”. Essa geração marca o seu timbre na tonalidade de vozes e géneros da literatura-pátria, basicamente através da poesia, sem desprimor pelos ensaístas, tal como ocorrera noutros espaços com a mesma língua de poder. O principal ensaísta dessa geração mensageira é Mário Pinto de Andrade, então estudante de filologia clássica na faculdade de letras da Universidade Lisboa, entre finais dos anos 40 e princípios de 50, sendo colega de turma de Eduardo Mondlane, o futuro líder nacionalista de Moçambique.

Em 1954, Mário, o “Bibi” como era tratado entre os seus, salta para Paris, indo trabalhar como secretário de redacção e depois redactor- principal da prestigiada revista “Presence Africaine” , escrevendo vários estudos e ensaios sobre a estrutura cultural e comportamental em que assentam os aparelhos(ideológicos) coloniais. Voltando à dinâmica interna desta movimentação artística e cultural, no dealbar da década de 50, vale sublinhar que, localmente, em Angola, Viriato e Jacinto animam a cena literária burilando os seus versos com a visível força telúrica e riqueza plástica do quotidiano, pintando o quadro do real vivido com imagens e metáforas encantatórias do homem angolano ofendido no seu “ego” de ser social. Noutro plano da luta espiritual em que estão empenhados promovem o debate cultural, no quadro da associação “Anangola”(os filhos da terra, em kimbundu), bem como um vasto programa de elevação educacional dos nativos, através de “campanhas” de alfabetização para os iletrados explorados.

Um outro ensaísta a reter em atenção na diáspora nessa geração e de reconhecido prestígio intelectual, em Lisboa, será Mário António, o poeta da “Rua da Maianga”, rastreando a posterior o processo de “Formação da literatura angolana” e não só. Basta lembrar que, a primeira antologia publicada pela Casa dos Estudantes do Império, em 1959, sobre a poesia angolana, conta com um seu estudo introdutório, enquanto a ilustração este a cargo do poeta e artista plástico Costa Andrade, um dos principais impulsionadores da actividade editorial da CEI, a par de Carlos Ervedosa, o conhecido historiador da nossa literatura. Neste mesmo ano, em Novembro de 1958, Neto profere um colóquio sobre a poesia angolana, invocando, igaulmente, a necessidade da identidade entre o poeta e o povo que lhe serve de tema. Ao desafio do “discurso dominante”, a geração da “Mensagem” opõe um discurso de ruptura”,- marca registada dessa geração e subsequentes, pois assumindose como vanguarda artística procuram assumir-se como vanguarda política. A ruptura geracional é extensiva à diaspora. O discurso de contestação e agitação é exercido, igualmente, pelos jovens e estudantes e intelectuais evoluindo nas universidades de Coimbra e Lisboa, em plena cidadela do império. Esse grupo literário vai operar a “démarche” emocional do “retorno às orgigens”, questionando também, numa fase mais avançadae elaboração do seu pensamento estético e ideológico os teóricos da negritude, tais como Aimé Cesaire e Leopold Sédar Senghor. Enfim, o discurso literário e/ou libertário ganha relevância em pleno fragor das batalhas, pintadas de sangue e suor na imortalização dos heróis vivos, evocados nas memórias presentes, registadas de formas apóstumas, ou seja, lexemas e grafemas gravados nas rochas do “crivo do impacto de uma vida dura”, impregnada na epopeia da longa luta de libertação nacional.

Fonte: Jornal angolense: cultura, n 520, 21 a 28 de Fevereiro 2009, p. 25

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