quarta-feira, 23 de abril de 2008

A arca pode afundar


Presenciamos o exagerado surgimento e proliferação de igrejas no nosso país. Esse é um assunto melindroso para ser abordado. Diz o pensamento brasileiro: “religião, futebol e samba” não se discute, mas eu vou dar meu palpite.

Todos nós temos direito a uma crença. Religiões é que não faltam. Temos algumas grandes religiões no mundo. Se o indivíduo resolve seguir o cristianismo, budismo, judaísmo, hinduísmo, xintoísmo, taoísmo, confucionismo ou ateísmo, o faz pelo livre arbítrio e deve merecer respeito de cada um. Inclusive isso é contemplado pela declaração universal dos direitos do homem, no seu artigo 18: “Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.

Porém (há sempre um porém), no cristianismo, e é um fenômeno que só ocorre de forma exagerada no cristianismo, estamos presenciando ao surgimento de muitas igrejas, algumas boas e outras picaretas, que fazem parte do “mercado da fé”, e algumas são verdadeiras “multinacionais de fé”. Pior, todas baseadas na Bíblia sagrada. Será que entender a bíblia é tão difícil assim?

O prezado leitor sabe qual o procedimento para se abrir e legalizar uma igreja, em Angola? Não? Então preste atenção. É simples! Os dirigentes da igreja, ora formada, encaminham uma petição ao Ministério da Justiça. O processo recebe pareceres técnicos do Instituto Nacional para Assuntos Religiosos (INAR), órgão do Ministério da Cultura. É necessário que essa petição seja subscrita por, no mínimo, 100.000 fiéis da referida denominação religiosa. As assinaturas devem ser recolhidas, pelos menos, em 12 das 18 províncias. (Se o ritual não é mais esse, que alguém me corrija, mas não foge muito disso). É assim começam os problemas gravíssimos.

Primeiro. A Igreja precisa trabalhar na ilegalidade até conseguir um número tão elevado seguidores. Se a igreja for mal intencionada, imaginem o estrago que terá feito até atingir nesse número? Por que o reconhecimento não ocorre antes do seu funcionamento? Ou seja, cinco malucos resolvem fundar uma igreja, apresentam suas doutrinas fundamentais e os rituais e o INAR dá logo um parecer favorável ou desfavorável e pronto! Aí já corta o mal pela raiz. Acabou e fim de papo.

Segundo. Cem mil, não é um número fácil para ser atingido. Uma igreja honesta leva décadas para conseguir esse número. O que estamos vendo é exatamente o contrário. Os homens conseguem esse número nos estalar de dedos. Isso está a gerar quadrilhas de anomalias. Está-se a produzir desonestidade crescente. Dizia o ex-presidente brasileiro Itamar Franco: “os números não mentem, mas os mentirosos fabricam os números”. Matematicamente, os números não fecham. Vamos botar a bola no chão.

Entrei no “google” procurei e encontrei alguns números que nos dão uma idéia bem aproximada da realidade. Olhem só o que encontrei. Em julho de 2007, o INAR estava analisando 885 pedidos para o funcionamento de novas igrejas. Nessa época o país possuía 85 igrejas já legalizadas. Assim, entre as legais e as em via de legalização, totalizavam 970 igrejas diferentes em Angola, todas, essencialmente cristãs. Fiz aqui alguns cálculos e descobri que, para que uma dessas igrejas tivesse, pelo menos, cem mil seguidores, teríamos que ter uma população de 97 milhões de angolanos.

Analise comigo como as coisas são loucas. A população angolana é estimada em 14 milhões. Dessa população 55% é composta de pessoas que afirmam ser católicas. Ainda, 600 mil são da antiga igreja Maná, que no passado dia 25 de Janeiro deste ano foi teve suas atividades suspensas no país. Dessa forma, só sobraram 5,7 milhões para as 968 denominações, ou seja, cada uma delas, deveria ter 5.900 membros. A realidade mostra que as igrejas tradicionais possuem muito mais que esse número. Ainda, não contabilizei os ateus e os de crenças tradicionais. Como entender uma complexidade dessas? É difícil!

Algumas hipóteses podem ser levantadas: os angolanos estão aderindo a várias igrejas ao mesmo tempo ou as assinaturas andam sendo emprestadas ou então falsificadas, ou, ainda, essas igrejas fazem verdadeiros milagres de multiplicação de números. O que mais incomoda é saber que o número de pedidos solicitando o reconhecimento não pára. Afirma-se que, em média, a cada semana, três pedidos são protocolados.

Outro assunto que gostaria de levantar aqui. Por ventura, ao estabelecer esse número, o governo queria colocar obstáculos para desestimular o surgimento de novas igrejas? Olhem só o que acontece: depois que a igreja consegue esse número de adepto e, conseqüentemente de assinaturas, como negar o pedido do seu funcionamento? É possível? Em que situação? Quais os argumentos para negar a legalização da mesma? Como deixar 100 mil desamparados? Ai já é tarde. Isso é um pepino quente. E o governo está com um desse nas mãos.

No início do ano, o governo ilegalizou a Igreja Maná porque o seu líder faltou respeito a muitos angolanos e governantes usando palavras de baixo calão, lembram? Agora um verdadeiro malabarismo está sendo feito para se reconhecer uma outra igreja pegando o “joio” da Maná. A nova igreja deve se chamar “Igreja Cristã Arca de Noé” ou melhor: “igreja Maná renovada”.

Nós estamos numa arca onde não entendemos bem como as coisas funcionam. A Igreja Maná ou fecha ou não fecha? Essas manobras são repugnantes. As outras igrejas ou são legalizadas ou não são legalizadas o que não pode acontecer é cozinhar o galo. Ou o governo estimula o surgimento de novas igrejas ou não. O que me impressiona é o prestígio que a diretoria dessa nova denominação goza no meio político. Há poucos dias a diretoria da igreja “Maná renovada” foi recebida pelo Ministro da justiça. Manuel Aragão recebeu o pedido de legalização da congregação. Parece que já vi este filme.

Uma contribuição que o INAR poderia dar é comprar as crenças fundamentais das igrejas. Facilmente, poderia perceber que há duplicidade das mesmas ou plágios. Igrejas com mesma crença, não teriam dificuldades de fusão. Aliás, unidas podem realizar proezas. Talvez muitas não tenham lido crenças de outras. Em suma, a questão religiosa precisa ser vista com um carinho muito especial, porque conforme as coisas andam, esta arca vai afundar já, já, que nem o titanic.

Saiba tudo sobre a Igreja Maná em Angola. Clique em: http://cangue.blogspot.com/2008/02/cartao-vermelho-para-igreja-mana-em.html

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