Os presos políticos sempre fizeram parte como protagonistas silenciosos da história mais recente de Angola, tendo como referência inicial na década de 50, o período da eclosão do nacionalismo anti-colonial até aos dias de hoje, 40 anos depois da independência ter sido proclamada.
Com alguns intervalos pelo meio, Angola sempre teve nas suas cadeias, mais ou menos cheias, gente que pensava diferente do “proprietário” das mesmas, tendo por essa razão passado alguns anos da sua vida encarcerada, com ou sem julgamento.
Legalmente, como sabemos, o “proprietário” das cadeias só pode ser uma pessoa de bem, chamada Estado, a não ser que estejamos diante de uma situação de cárcere privado.
Trata-se de uma realidade que acontece agora com muita frequência face ao florescimento da tão famosa quanto famigerada “indústria mundial do sequestro”, que já foi “homenageada” por Hollywood em “Capitão Philips” com a atribuição em 2013 do Óscar de melhor actor secundário ao “pirata” Barkhad Abdi.
Na estatísticas da especialidade, o México e o Brasil são consideradas as duas bases mais fortes desta actividade, que pode ter diferentes motivações, sendo as mais comuns as que estão relacionadas com a extorsão de fundos, sem ignorar, contudo, as mais políticas.
Em Angola apesar de não termos ainda a necessária informação para se poder aquilatar a incidência deste tipo de violência, já temos efectivamente alguns gangsters envolvidos na exploração de cárceres privados no quadro da “indústria do sequestro”.
Em nosso entender, uma matéria que deveria merecer um maior interesse por parte dos nossos “adormecidos” repórteres, até para efeitos de prevenção desta criminalidade mais especializada.
Quando se fala de presos políticos, que é agora pelas piores razões, o tema mais palpitante da actualidade nacional, quer se queira quer não, com todo o impacto que o mesmo já está a ter além fronteiras, temos naturalmente de começar pelo principio.
E no principio vamos encontrar Agostinho Neto encarcerado em 1960 pela PIDE em terras portuguesas, na altura com cerca de 40 anos, por pensar diferente do Estado português que então impunha a lei da dominação colonial no nosso país.
Ao que pude apurar, foi exactamente graças a ele, mas não só, que a famosa Amnistia Internacional, que então o adoptou como preso político do ano, definiu a pessoa nesta condição como sendo “qualquer indivíduo fisicamente impedido de expressar qualquer opinião que honestamente tenha e não advogue a violência pessoal. Excluíam-se aquelas pessoas que haviam conspirado com um governo estrangeiro para derrubar o seu”.
A Amnistia Internacional (AI) desencadeou então uma campanha internacional visando a libertação daquele que viria a ser o primeiro Presidente da República Popular de Angola, 14 anos depois.
Nesse lapso de tempo, enquanto Agostinho Neto já libertado conduzia no estrangeiro a luta contra o colonialismo português à frente do MPLA, as cadeias em Angola encheram-se de presos políticos.
Eram maioritariamente angolanos muito jovens que também pensavam de forma diferente do “proprietário” dos estabelecimentos prisionais da época, onde se incluíam alguns campos de concentração dentro e fora de Angola, o que deu direito a umas “graciosas” no Tarrafal para alguns deles.
Proclamada a Independência e depois de todos os presos políticos da “outra senhora” terem sido libertados, as cadeias praticamente não descansaram e muito menos tiveram tempo de virar museus, como se chegou a alvitrar.
Muito mais rapidamente do que se imaginava, as cadeias angolanas que eram as mesmas, mas que já tinham mudado de “proprietário”, voltaram a encher-se de presos políticos que eram considerados de uma forma geral como sendo “contra-revolucionários” ou “agentes do imperialismo”, para ficarmos apenas por estes dois “mimos”.
Foram assim contrariadas todas as expectativas iniciais em relação à bondade do novo regime, que em principio não tinha no seu programa nenhuma referência mais explícita a este tipo de encarceramento.
No caso em apreço, praticamente todos os novos detidos, que se contavam na casa das dezenas de milhares, foram atirados para as cadeias e lá permaneceram entre três a quatro anos sem culpa formada/julgamento, tendo depois da sua soltura sido desterrados para outras partes do território nacional para evitar que eles se concentrassem em Luanda.
Todo este “filme” desenrolou-se no período que decorreu entre 1975 e a a primeira metade da década de 80, que foram os nossos “anos de chumbo”.
O balanço das vítimas desta intensa fase da repressão política que se seguiu à proclamação da Independência ainda está por se fazer, se é que algum dia será feito.
Durante este período do pós-independência em que o carcereiro se chamava ” camarada conduz”, os presos políticos angolanos não tiveram qualquer campanha solidária, nem do interior nem do exterior do país, visando a sua libertação imediata.
Alguns ainda tentaram fazer greve de fome, mas como não havia qualquer cobertura mediática que desse visibilidade no exterior ao seu protesto, acabaram por ser desaconselhados pelos próprios companheiros de reclusão e familiares a prosseguirem a sua acção.
Em matéria de presos políticos, este período foi ainda marcado pelo encarceramento de um conhecido escritor e jornalista afecto ao partido dirigente, entretanto já falecido, no âmbito de uma purga interna que ficou conhecida como o “processo do quadro”.
Na altura, ao que consta, alguém ainda tentou timidamente, no seio da própria União dos Escritores Angolanos promover um abaixo-assinado em solidariedade com o conhecido prisioneiro, uma iniciativa que acabou por morrer à nascença.
Do outro lado da barricada alguém fez questão de recordar que ninguém se havia lembrado de fazer o mesmo alguns anos atrás, quando um outro membro da agremiação também tinha ido parar aos calabouços do regime por razões políticas.
Com a chegada no inicio da década de 90 ao país dos ventos do multipartidarismo e das liberdades fundamentais a conta-gotas, deixou de se ouvir falar, com algumas excepções pontuais, onde se inclui a situação em Cabinda, o Rafael Marques e alguns deputados da UNITA, da presença de presos políticos nas cadeias governamentais.
O tema dos presos políticos voltou agora com toda a força na sequência da recente detenção dos 15 jovens afectos ao denominado “Movimento Revolucionário”.
Desde logo, é dado adquirido que em matéria de solidariedade, os actuais jovens têm muito mais “sorte” do que todos seus anteriores companheiros de infortúnio que ao longo destes 40 anos de dipanda já passaram pelas mesmas circunstâncias.
Diríamos, se nos permitirem algum espaço de manobra mais para o lado da “standu-up comedy”, que neste segmento da nossa vida política estamos claramente a subir e a melhorar as nossas performances públicas na área da solidariedade e da denúncia do autoritarismo em prol de um país mais igual, mais livre, menos crispado e mais sorridente mesmo quando não gostamos uns dos outros.
O tal país bom para se viver.
Neste domínio da coabitação na diferença/divergência ainda não somos especiais, conforme acontece noutros “palcos”, onde o número de protagonistas já é muito mais expressivo e ruidoso na hora de desfilarem com as suas manifestações a favor ou contra, incluindo as de exaltação e de xinguilamento.
Seja como for, também acreditamos que é assim que se começam e se vencem as grandes apostas, sendo esta de reconhecido interesse público e político, por mais que os “vigilantes da banda” as tentem conotar como fazendo parte de estratégias mais “suaves” produzidas em conhecidos laboratórios internacionais supostamente especializados em vender ao terceiro mundo “esquemas de desestabilização por quilómetro quadrado”.
Na sua essência, a argumentação não tem qualquer novidade pois ao longo de toda a saga que tem sido a vida dos presos políticos em Angola, sempre fomos confrontados com mãos/braços invisíveis do exterior como estando na origem das manifestações internas de discordância com o poder estabelecido.
Nesta altura, reconheço que já é difícil mudar a agulha do antigo toca-discos e muito menos comprar outros discos menos riscados, mesmo que ao longo do período em análise tenhamos sido também vítimas da mesma lógica reducionista, apesar de se ter tido a sorte de não se ter ido parar a uma cadeia de presos políticos, exactamente por causa de uma mão solidária que veio ao nosso socorro.
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