Um curioso acidente de viação, que serviria de estopim a um sério caso de intolerância, manchou neste último fim-de-semana o nosso panorama político, tendo como palco a província de Benguela, onde o sangue voltou a jorrar de forma gratuita, havendo a lamentar a morte de um cidadão, ferimentos de outros e prejuízos materiais nada desprezíveis.
A fazer fé em distintos relatos da comunicação social, o incidente teve lugar no troço Lobito- Bocoio, depois de uma viatura pertencente à empresa de telefonia móvel UNITEL ter colidido mortalmente com um motociclista que participava numa marcha política de apoio ao partido do Galo Negro.
Indignados, ao que consta, alguns militantes do maior partido da oposição decidiram, em jeito de retaliação, fazer justiça pelas próprias mãos, incendiando o veículo envolvido no sinistro e agredido o condutor do referido meio rolante, assim como a sua esposa.
Há relatos de que dois padres que passavam pelo e que nada tinham a ver com o assunto acabaram também por ser alvos de agressão por parte dos irados manifestantes.
Correram também notícias tristes de um recontro entre os manifestantes e dois agentes da polícia que se deslocaram ao local do sinistro, tendo disso resultado o ferimento destes, assim como a detenção de populares e responsáveis do partido liderado por Isaías Samakuva.
À primeira vista, pareceu tratar-se de um mero acidente rodoviário, mais um dos muitos que acontecem um pouco por todo país. Mas, no fundo, o contexto em que ele ocorreu, embora não envolvesse directamentemilitantes ou apoiantes das duas principais formações políticas do país, força-nos a concluir que foi a latente rivalidade entre uns e outros que acabou por induzir à violência que se seguiu, com laivos de intolerância política, se bem que por culpas dos apoiantes do Galo Negro, agora não mais na pele de vítimas, como gostam de se apresentar, mas sim como os iniciadores.
Uma análise aos acontecimentos permite-nos afirmar que os militantes do Galo Negro tiveram uma reacção a quente, sem medirem bem as consequências das suas acções, numa altura em que deviam primar pela ponderação e pelo pragmatismo, porque, em socorro da verdade, nenhum direito lhes assistia para fazerem justiça pelas próprias mãos, mesmo partindo do hipotético pressuposto de que o motorista envolvido no acidente fosse militante de uma outra formação política que não a UNITA. Ninguém, seja ele quem for, está autorizado a ser juiz em causa própria, salvo nos casos tipificados por lei, como sendo os de legítima defesa e do estado de necessidade.
Se a reacção dos militantes do Galo Negro é condenável, não menos condenável é a postura de alguns órgãos de comunicação social, sobretudo públicos, que, ao reportarem os acontecimentos, focalizaram as suas atenções sobre a viatura queimada, ignorando pura e simplesmente a existência de um morto que, afinal, esteve na origem dos tristes acontecimentos.
Daí a necessidade dos actores políticos, militantes e simpatizantes dos partidos políticos, órgãos de comunicação social, quer públicos quer privados, privilegiarem, em vésperas de mais um pleito eleitoral, a cultura da tolerância, do respeito mútuo e da convivência na diferença.
A não ser assim, corre-se o risco de se assistir a uma espiral de violência, quando a campanha eleitoral atingir o rubro, da qual se pode esperar consequências trágicas para todos, o que é, desde já, indesejável por todas as pessoas de bem, que, acreditamos, serão a maioria deste povo. Por isso, há que se conter os ânimos mais exacerbados, não importa de que partido venha.
Fonte: SA, EDIÇÃO 465 · ANO VII, Sábado, 05 de Maio de 2012. (Carta ao leitor)
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