Por Justino Pinto de Andrade
1. Ultimamente, o Secretário geral da UNITA, Abílio Kamalata Numa, tornou-se o centro privilegiado das atenções políticas no nosso país, pelo seu activismo, mas, também, pelas bombásticas declarações que, volta e meia, vem pronunciando. Depois da famosa greve de fome de há uns meses atrás – em protesto contra a detenção na Província do Huambo de um seu correligionário – coube-lhe agora a vez de fustigar o MPLA pelo modo como pretende organizar o processo eleitoral, de certa forma em desconformidade com o que rege a própria Constituição que se apressou a elaborar e aprovar após as eleições legislativas de 2008.
2. Em substância, na última semana, Abílio Kamalata Numa afirmou que, sem um consenso político alargado, a aprovação do Pacote Eleitoral poderia desencadear reacções inesperadas e mesmo incontroláveis. Fez questão de estabelecer um paralelo entre o que poderá acontecer em Angola e o clima de instabilidade social e política que vivem hoje alguns países do norte de África e do Médio Oriente.
3. Foi em especial esse paralelismo que gerou algum mal-estar em determinados segmentos da nossa população, para quem estão ainda muito presentes as marcas da guerra fratricida que terminou há poucos anos. Diz-se que Abílio Kamalata Numa terá pouco cuidado nas palavras que pronuncia, e que poderá vir mesmo a funcionar como o rastilho de um qualquer incêndio político…
4. Devido à sensibilidade do momento que se aproxima, faz sentido, sim, termos cuidado com as «frases políticas» que pronunciamos, já porque elas podem estimular comportamentos menos correctos. Mas, também é bom que se diga que os momentos de alguma exaltação criados pelas palavras desse destacado membro da UNITA são consequência de repetidas práticas incorrectas por parte de quem deve partilhar a obrigação de contribuir para que o processo não descarrile. Há, pois, se quisermos, culpas que devem ser devidamente repartidas.
5. O que levou a mais uma exaltação do Secretário-Geral da UNITA foi a perspectiva de aprovação do Pacote Eleitoral nos moldes que tem sido abordado, uma vez que ele enferma de um grande desequilíbrio entre as forças políticas em confronto.
6. Um Pacote Eleitoral desequilibrado de modo algum garante confiança ao processo político e pode transformar-se num factor de instabilidade, independentemente daquilo que sair da boca desse dirigente partidário. A eventual perda de controlo da situação pode até mesmo resultar de uma qualquer situação aparentemente não relacionada com o próprio processo político.
7. Ficou visível que as eleições de 2008 não foram justas. É indisfarçável também que elas redundaram num claro e evidente prejuízo para os partidos políticos da oposição, relegados para uma representação parlamentar insignificante e que permite ao MPLA fazer o que bem entender. O MPLA diz que é mérito seu. A Oposição tem bastantes razões para afirmar que foi ludibriada.
8. Quase já ninguém tem dúvidas sobre o modo fraudulento como as eleições de 2008 decorreram. A cada dia que passa isso fica demasiado evidente. E as consequências estão hoje bem visíveis. Aproveitando-se do “score” eleitoral, o MPLA deu então uma torcidinha no processo político e instituiu um regime presidencialista no seu interesse imediato e, sobretudo, numa medida ajustada ao “corpo político” do seu presidente.
9. O Pacote Eleitoral em discussão no Parlamento é hoje contestado por vários partidos políticos. O seu questionamento vem logo a partir do mecanismo do registo eleitoral, um mecanismo que viola flagrantemente os princípios estabelecidos pela SADC, a organização regional de que o nosso país faz parte e que, pelo que vemos,o MPLA não cuida em valorizar, pelo menos na sua essência. Com esse Pacote Eleitoral, há um claro e deliberado afastamento dos partidos políticos do mecanismo do registo, escapando intencional e deliberadamente ao seu controlo.
10. Estamos de novo perante a exclusão dos angolanos que vivem na diáspora, o que configura uma discriminação inaceitável. Já não colhe mais a anterior alegação de que não haveria tempo suficiente para o seu recenseamento, e até de que seria muito difícil o seu controlo. Coloco, então, a questão nos seguintes termos: Como é que os outros países, alguns mesmo com menos recursos que nós, conseguem recensear e fazer participar com regularidade os seus concidadãos na diáspora? Seremos nós os menos capazes, ou há por detrás disso alguma intenção escondida?
11. A Constituição da República, feita aprovar com o voto esmagador do MPLA, consagra no seu artigo 107.º o princípio da organização do processo eleitoral por um órgão independente. Quer isso dizer que é à Comissão Nacional Eleitoral Independente que compete a organização do processo eleitoral e não a outros organismos estatais, como agora se impõe.
12. A independência da Comissão Eleitoral deverá começar na sua própria composição. Pelo que se vê, neste processo vai ainda prevalecer o princípio da sua partidarização, a reflectir os resultados eleitorais de 2008 e a composição actual do Parlamento.
13. Caminhamos, pois, assim, para deitar para o caixote do lixo um dos requisitos essenciais definidos pela SADC para o asseguramento de eleições livres e justas. Dessa forma, viola-se o princípio da igualdade dos concorrentes, pois um dos concorrentes irá dominar claramente todo o aparato eleitoral. Este é o ponto de partida para tornarmos a ver o mesmo “filme” do passado…
14. Um processo eleitoral equilibrado tem que o ser em todas as suas fases: registo, logística, campanha, votação, contagem dos votos, informatização dos resultados, etc. Isso não sucedeu no passado. Estou seguro que o mesmo também não sucederá no próximo acto eleitoral. Estamos a cair nos mesmos erros do passado.
15. Todos os partidos políticos na oposição têm, sim, legitimidade para pôr em causa a imparcialidade dos organismos do Estado durante o processo eleitoral. O partido no poder tem sido useiro e vezeiro no uso indevido, e em seu proveito próprio, dos bens do Estado.
16. Também não acredito que haja alguém em Angola que acredite na isenção, na lisura, na imparcialidade dos órgãos de comunicação social do Estado, antes, durante e depois do processo eleitoral. Nem me parece que se pretenda alterar o actual estado de coisas, mesmo que se mude o nome dos ministros. Afinal, o problema não é de nomes mas, sim, de essência, de cultura política. Apenas mudam as moscas…
17. Abílio Kamalata Numa tem se mostrado exímio em discursos incendiários, é verdade. Mas, para a floresta incendiar não basta haver um palito aceso, é necessário que o capim esteja seco… E quem está a secar o capim de modo algum é a oposição… ■
Semanário Angolense, EDIÇÃO 429 · ANO VII, Sábado, 13 de Agosto de 2011, pg. 12.
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