De facto, esta postura do jornal de Angola, a que nos habituou ao longo dos últimos anos, de intimidar sistematicamente a sociedade global, sempre que o sistema se depara com dificuldades, e incutir o medo na consciência dos que não comungam dos ideais do partido da situação, reflecte, efectivamente, a natureza pouco democrática, policial e autoritária do sistema político vigente em Angola, de que esse órgão é porta-voz.
Com este tom de diabolização, a III Republica nasceu, de facto, estropiada. Essa atitude suscita, na verdade, preocupações. Pode levar o país a um clima de tensão social desnecessário. Com efeito, o processo de reconciliação nacional tem conhecido recuos significativos. Enquanto isso, sobe o tom do discurso diabolizante, conforme esses artigos do jornal de Angola, produzidos à boa maneira dos velhos tempos da guerra civil.
A TPA continua a dar pouco espaço aos partidos na oposição. Ignora-os pura e simplesmente. A corrupção continua endémica, sistémica e institucionalizada, conforme relatórios de organizações nacionais e internacionais. Aumentam os níveis de pobreza e de miséria nos centros urbanos e no país profundo, perante o olhar indiferente das elites dominantes. Aprofunda-se o fosso entre ricos e pobres, um factor potenciador de conflituosidade. As condições a serem impostas pelo FMI, irão, certamente, agravar a situação social, a exemplo de alguns países africanos que viveram experiencias idênticas.
A problemática da desmobilização e da reinserção social dos ex-militares continua em “banho-maria”, com milhares de ex-militares a aguardarem pelas suas pensões de reforma a que têm direito por força dos vários acordos de Paz, assinados há 8 anos, entre a UNITA e o governo de Angola. Outros, entre chefes de família, têm as suas pensões de reforma congeladas há já alguns meses sem qualquer explicação. A existência de prisioneiros políticos em Cabinda é outra manifestação de falta de liberdade política, a que se juntam actos de intolerância política contra a UNITA no interior do país, perpetrados por alegados elementos filiados no partido no poder. As bandeiras da UNITA continuam a ser rasgadas. As suas instalações destruídas e vandalizadas. Os seus quadros, dirigentes e militantes, são, não poucas vezes, maltratados e em algumas vezes, assassinados, como tem ocorrido em certas regiões do país e muito recentemente com o assassinato da Presidente da LIMA do Município de Ukuma, na província do Huambo.
Como se pode deduzir, vivemos, de facto, numa sociedade com elites dominantes que procuram consolidar uma democracia musculada, mesmo se nascente, própria de países africanos, dirigidos por etnias dominantes, incapazes de construir uma nação na real acepção da palavra. Coabitamos uma sociedade com elites dominantes incapazes de equacionar com realismo, o problema nacional, na sua dimensão multiétnica, multirracial e multicultural, inábeis em interpretar a história, com sentido de Estado, ignorando, deliberadamente, a experiência política de outros povos e líderes, como Nelson Mandela. Oito anos depois do fim da guerra civil parte dessa elite dominante, e parece ser essa a vontade do jornal de Angola, continua a ver nos parceiros sociais, nos parceiros da paz e nos políticos, que não sejam do sistema, inimigos permanentes. Essa mesma elite continua incapaz de criar um fundo de apoio ao processo de reconciliação nacional, de ler e entender as mudanças dos tempos e delas tirar as devidas lições; procuram ignorar a dimensão humana da solidariedade, da fraternidade e da igualdade e, como se não bastasse, esquecem-se da importância do conhecimento teórico, acumulado durante séculos pela consciência da humanidade, útil para a construção de sociedades mais justas e mais equilibradas socialmente. Útil para a construção de sociedades pós-conflito, enquanto estratégia de prevenção de novos conflitos.
De facto, Emanuel Kant, nas suas reflexões sobre a guerra e a paz e sobre a paz perpétua, entendia que as guerras nunca eram “inúteis”. Permitem, de facto, quando terminadas, repensar o futuro em moldes diferentes para a construção de uma paz sustentável, no nosso caso, uma paz que permita eliminar gradualmente os factores de conflituosidade, tão dinâmicos que foram no passado. Kant analisou a história europeia de séculos de conflitos, de rivalidades, de conflituosidade e tensões sociais. Propôs soluções racionais com ideias concretas. Hoje a Europa rende-lhe homenagem. Dá-lhe razão corporizada na iniciativa que levou a construção da União Europeia, um processo iniciado há mais de 50 anos. Winston Churchill, disse, por sua vez, isso em 1945, que a Europa tinha de se reconciliar com os “seus inimigos de ontem” e construir os Estados Unidos da Europa. Robert Schuman, há 50 anos, teorizador da construção da Europa dos povos, entendia que a Europa tinha de se construir na base do “consenso e no interesse comum dos povos europeus.” Os Estados Unidos da América conceberam, para o processo de reconciliação e reconstrução da Europa, um fundo especial, conhecido por plano Marshall para a reconstrução da Europa.
Logo, temos de construir em Angola a paz social; a paz da justiça; a paz da distribuição justa da riqueza; a paz da concórdia e da tolerância e não a paz que o jornal de Angola defende, sem pernas para andar; a paz suicidaria. Essa paz do jornal de Angola não será sólida nem inclusiva, construída com alicerces de barro, a exemplo de muitos processos de paz falhados em África. Por conseguinte, não precisamos de uma paz potenciadora de novos conflitos políticos e sociais, como parece ser vontade do Director do Jornal de Angola, que publica editoriais incendiários, belicistas, e retrógrados, como o editorial de 4 de Agosto de 2010, que a UNITA não subscreve, apostada que está no aprofundamento da democracia em Angola, de que é arauto para as gerações vindouras. Os que pensam com o editorialista do Jornal de Angola, ficarão sós, gritando no deserto do Namibe, enquanto a caravana da democracia passa e faz o seu caminho tranquilamente em direcção a consolidação da paz e aprofundamento da democracia.
Para que seja durável, no tempo e no espaço, a nossa paz, conquistada com muitos sacrifícios, tem de ser construída e consolidada na base de compromissos assumidos e de consensos permanentes, no interesse dos povos de Angola, ou seja, do povo kimbundu, do povo ovimbundu, bakongo, chokwe e ovambo, citando apenas estes, e de outras etnias e minorias que habitam o espaço nacional que se chama Angola. São todos povos de Angola. Devem ser tratados por igual e com respeito, contrariamente a visão colonial, que parece ainda animar alguns, felizmente muito poucos, que havia estatuído uma classe de angolanos de primeira, de segunda e de terceira.
Com o fim da guerra, já não existem inimigos de quem quer que seja, salvo para os que insistem em pensar assim, como parece ser vontade do Jornal de Angola, que vê “teses golpistas” na sua própria sombra e em tudo o que é canto e sítio. A reconciliação faz-se entre irmãos desavindos, entre inimigos de ontem, adversários políticos hoje, e não entre amigos. Logo, enganam-se aqueles que querem criar, de facto, inimigos no seio da sociedade global angolana, ressuscitando fantasmas do passado, acirrando ódios e acicatando espíritos de vingança e não incentivando o diálogo permanente, estruturante e inclusivo.
Vítimas da guerra encontram-se em todo o lado no espaço nacional, lá onde se sentiu a violência dos combates e a da guerra que semeou a morte, a destruição e o abandono. Temos de aprender a sarar as feridas do passado. Pretender acusar uns de crimes de guerra e absolver outros, sem falar dos autores morais dos que “mataram” angolanos inocentes na sequência da tentativa golpista de Nito Alves, um problema ainda não resolvido no seio dos “ camaradas”; acusar uns sem falar dos mandantes dos mortos do Pica Pau, em Luanda, e de centenas no Dondo em 1975, e de outros em Cassamba no mesmo ano, quando o país era então dirigido pelo Presidente Agostinho Neto, como rezam os anais da história de Angola, e dos milhares de “bailundos” decapitados em 1961, no norte de Angola, nas fazendas de café, é escamotear a história. Ainda é muito mais grave falar de uns e não dos que mandaram “matar” em 1992 e 1993, em Luanda, centenas de angolanos, só por pertencerem a determinados grupos étnicos. Pensamos, assim, que não vale a pena e em nome da paz levantar este debate, que divide a sociedade, cria tensão desnecessária, no momento em que os angolanos na generalidade, cônscios dos desafios do terceiro milénio, se preparam para sarar as feridas do passado e criar um espaço novo de convívio nacional.
Logo, esta cruzada do Director do Jornal de Angola é suicidária e solitária. Devemos evitar as tristes experiencias de outros povos de África, que caíram no ciclo da vingança, instigados pelos jornais. Talvez o editorialista do Jornal de Angola não tenha vivido os horrores da guerra. Não tenha nunca visto angolanos agonizantes. Angolanos moribundos, vitimas da guerra de ambos os lados, enterrados como animais, ou a fez, a sua “guerra”, como as “guerrinhas” que faz, sempre escrevendo, num escritório com ar condicionado, longe dos tiros, longe da morte, dos feridos, longe dos decapitados das bombas de morteiros e dos mortos perfurados pelas bombas lançadas indiscriminadamente por aviões de combate “sukoy”. Ou longe dos mortos carbonizados pelas bombas de “napalma” lançadas sobre aldeias indefesas.
Aprendamos, assim, a perdoar. Mas nunca a esquecer o passado para que não se repita mais. Nunca mais o holocausto africano em Angola. Que os “ excrementos”, usando a expressão infeliz, mas muito infeliz, do Director do Jornal de Angola, conforme seu editorial, uma expressão anti-africana, antipatriótica e anti-história, que introduziu inoportunamente no léxico da politica de Angola, oito anos depois do calar das armas, não perturbem a inteligência das novas gerações de patriotas que querem construir um país novo, diferente do que defende, com perfumes de paz e aromas de tolerância, com bálsamos de inclusão, de desenvolvimento e de respeito entre angolanos das diversas étnicas de Angola.
Esta nova sociedade está, de facto, a ser construída com as elites patriotas no seio do partido da situação. E para simbolizar esse espírito de convergência nacional, um monumento, em Luanda e nas capitais províncias do país, deverá ser erguido, num futuro próximo, para personificar a reconciliação nacional, enquanto vontade das etnias de Angola, com vista ao aprofundamento da reconciliação entre angolanos desavindos. Com este significado político e cultural, deverá assim ser construído, com Holden Roberto, enquanto pai do nacionalismo angolano, com Agostinho Neto, pai da independência Nacional e com Jonas Savimbi, enquanto pai da democracia angolana. Assim, a historia registou. Estes três líderes do movimento nacionalista angolano despenharam o seu papel, no seu tempo e com sentido de história, enquanto seres humanos propensos a cometer erros. Lutaram contra o colonialismo português. Com o esforço de cada um conquistou-se a liberdade, a autodeterminação dos povos, a independência nacional, a paz e a democracia.
Falemos, sim, da democracia, enquanto factor estruturante que aproxima os povos de Angola. Logo, evitemos falar do que nos divide, que levou este país a guerra e potenciemos o que nos aproxima, sempre fomentada por poucos. O que nos aproxima é o que é de facto permanente na história. Aprendamos com a sabedoria de outros povos e líderes. Com efeito, a dimensão cultural pan-africana, a dimensão crioula e luso tropical da sociedade angolana contém elementos ricos, estruturantes, sedimentados durante séculos de convivência, que permite a aproximação das várias culturas de Angola. Que se saiba potenciar esses factores estruturantes para o bem comum das nação em construção.
Luanda - À luz dos artigos publicados no jornal de Angola, nas edições de 28 e 29 de Julho de 2010, e 4 de Agosto de 2010, que procuram, deliberadamente, desvirtuar e esvaziar as conquistas democráticas do II Congresso da JURA, realizado em Luanda, de 17 a 19 de Julho de 2010, importa revelar que em momento algum, foram distribuídos, durante os trabalhos do conclave, documentos subversivos e muito menos produzidas “teses” golpistas que atentam contra a soberania e a segurança do Estado angolano, nem saíram resoluções que defendessem a insurreição nacional.
Logo, o Congresso da JURA, que o Jornal de Angola procura vilipendiar, foi um acto de civismo e de patriotismo. Foi uma grande contribuição para o processo de aprofundamento da democracia em Angola e no seio do partido. Representa o firme engajamento da UNITA no processo de socialização democrática da juventude angolana, enquanto garante da continuação da Revolução democrática em Angola para a construção de uma sociedade multicultural, multiétnica e multirracial.
Alcides Sakala
Docente Universitário
Fonte: http://club-k-angola.com/index.php/opiniao/17-opiniao/5773-a-logica-suicidaria-do-jornal-de-angola-alcides-sakala
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