Por Miguel Gomes
A British Petroleum (BP), ou, mais concretamente, a sua subsidiária em Angola, a BP Angola, está a passar por uma reformulação interna. José Patrício, que até há bem pouco tempo assumia a direcção da empresa no país saiu da petrolífera, mas antes disso, alguns quadros angolanos já o tinham feito também.
Apesar de serem casos distintos, uma linha de força acompanhou o contexto: a forma como a BP olha para os trabalhadores angolanos.Na sequência destas movimentações,um dos descontentes entendeu que o seu caso deveria ser decidido pelo tribunal. O caso está agora em vias de ser julgado na 2ª secção do Tribunal Provincial de Luanda (TPL), na Sala do Trabalho. Houve pelo menos uma tentativa de conciliação, mas que não deu qualquer resultado prático. O julgamento deverá mesmo ser o próximo passo.
Mário Cumandala, natural de Longonjo, província do Humabo, viveu, ao todo, cerca de 20 anos fora do país. Primeiro em Londres, onde se formou em Economia e onde residiu cerca de 15 anos. Mais tarde decidiu fazer um mestrado em Administração de Empresas nos Estados Unidos da América, onde se estabeleceu por cinco anos.
Foi ali, nos EUA, que recebeu uma proposta da companhia petrolífera para se juntar aos projectos que estam a ser desenvolvidos no nosso país. A 1 de Fevereiro de 2004 entrou em vigor um contrato entre as partes (com um período de experiência de 6 meses), que o Novo Jornal consultou, e Cumandala passava a responder pelo cargo de Analista Comercial. O salário “bruto” era de 3500 dólares por mês.
No decurso do processo o trabalhador em causa abandonou a empresa onde exercia a sua actividade nos EUA, a Fannie Mae.
Ao contrário do que inicialmente previa, acabou por ser deslocado para Londres, em princípio por três anos, mas onde apenas ficou dois anos e meio. No final deste período foi então finalmente colocado em Luanda.
E foi aqui que começaram os problemas entre a entidade patronal e o trabalhador. Por não ter casa em Luanda, e como é normal nestes processos (sobretudo para os expatriados), foi-lhe permitido residir na casa de passagem da BP Angola. Cumandala tem mulher (de nacionalidade estrangeira) e filhos. Só que, apenas pelo facto de ali ter permanecido uma semana a mais do que os 30 dias inicialmente estabelecidos, foi-lhe enviada uma “carta de insubordinação”.
Entretanto e como é do conhecimento público, as empresas petrolíferas e outras que actuam noutros sectores da economia desenvolvem programas de avaliação dos seus trabalhadores. E esta avaliação serve, entre outras, para definir se determinada pessoa cumpriu os seus deveres, mas também para premiar (em termos de promoções e melhorias salariais ou outras) aqueles que melhor desempenho demonstraram.
Ao longo dos cinco anos que Cumandala trabalhou na BP (de 2004 a 2009), nunca recebeu nenhuma advertência ou sinal de que não estaria a cumprir com aquilo que teria ficado estabelecido no contrato de trabalho. O facto de ter passado o período experimental de 6 meses e de ter assinado um contrato sem termo definido atesta esta realidade. Cumandala era “efectivo” na BP, segundo a Lei Geral do Trabalho.
Porém, os relatórios de progresso (ou avaliação anual de desempenho) foram reiteradamente classificados como “abaixo da performance”. E era esta a justificação para não ser aumentado ou promovido dentro da hierarquia da BP Angola, quando alegadamente colegas seus tinham visto os salários duplicados.
Em 2008, outra situação estranha se passou. Ao cruzar-se com o antigo responsável pelos Recursos Humanos da empresa, Paulo Pizarro, num centro comercial de Luanda, este terá lhe confidenciado “enquanto amigo” que a chefia da BP não o queria na empresa e que o melhor seria aceitar uma indemnização.
Dias após o encontro fortuito, mais precisamente a 21 de Dezembro de 2008, Pizarro informou Mário Cumandala, de forma não oficial, que este seria colocado no Programa de Melhoramento Profissional (PIP, na sigla em inglês). Cumandala considerou esta situação como “um atestado de incompetência”. Para além deste facto, também não foi admitido no programa de compra de casa própria desenvolvido para BP Angola por a empresa não ter passado a “carta de garantia” exigida pelo banco.
Todos estes episódios levaram Mário Cumandala a sentir-se “injustiçado, discriminado e marginalizado” e agora exige uma indemnização por conflito individual de trabalho. Por não terem sido atendidas as suas expectativas, pede agora o pagamento de 20 mil dólares, o pagamento de todos os salários não auferidos até à data da futura sentença e uma indemnização de 270 mil dólares a título de danos materiais e danos morais. O TPL tem a palavra final.
O que diz a petrolífera
A empresa petrolífera de origem inglesa rejeita qualquer “conduta intencional no sentido de levar” Mário Cumandala a abandonar a companhia, segundo carta que o Novo Jornal teve acesso. Alegam ainda que todas as divergências foram causadas “pelo trabalhador em causa”, ao não atender à acções de formação que lhe foram proporcionadas e por ter desrespeitado ordens superiores.
Acusa ainda Cumandala de se ter reiteradamente ausentado do serviço (o visado alega que a sua situação de saúde era precária, na sequência dos acontecimentos citados) e que rejeitou por diversas vezes justificar a sua ausência e a realizar exames médicos. Consideram também que o trabalhador teve uma conduta “reiterada e intencional” no sentido de levar a BP a instruir o processo de abandono de trabalho. Por esta e outras razões descritas na referida missiva, a BP recusa qualquer “justa causa” para a rescisão de contrato
O Novo Jornal questionou ainda, de forma directa a actual direcção no que diz respeito a este caso. Quanto às acusações de descriminação, a empresa lembra que “qualquer forma de discriminação representa uma violação grave do seu Código de Conduta, e dos seus princípios fundamentais de diversidade e inclusão, aplicados em qualquer parte do mundo onde a BP está presente. A BP tem mecanismos internos e confidenciais para permitir aos seus trabalhadores denunciarem situações de discriminação ou exclusão, que são rigorosamente investigadas e tomadas as medidas necessárias”.
Relativamente à saída contínua de quadros angolanos, facto que se tem vindo a verificar recentemente, a BP assume que “é verdade que alguns quadros Angolanos preferem deixar a BP, em busca de outras oportunidades dentro ou fora da indústria petrolífera e é um processo que não afecta apenas a BP mas sim qualquer empregador em Angola”.
Fonte: Novo Jornal, 21 Maio 2010 p.05