Segundo eles, as novas normas devem aumentar o intercâmbio editorial entre países que falam a língua
Por Antonio Gonçalves Filho, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - De modo geral, os autores africanos de países lusófonos consideram o acordo ortográfico benéfico não só para a língua como para o intercâmbio editorial, que tende a crescer, segundo eles. Recentemente, na última Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas (Fliporto), o escritor e editor angolano José Eduardo Agualusa defendeu o acordo, argumentando que o português "é uma construção conjunta dos países lusófonos, e não propriedade de Portugal", cuja resistência ao mesmo foi, segundo ele, uma "reação conservadora".
Agualusa participou de uma mesa de discussões sobre o assunto com o acadêmico Domício Proença Filho e a professora da Universidade Federal de Pernambuco, Maria José de Matos Luna, e, depois, com os patrícios angolanos Pepetela e Ondjaki, igualmente favoráveis ao acordo. Numa outra mesa, que reuniu autores moçambicanos como Paulina Chiziane, a reação ao acordo foi semelhante, sendo o acordo visto como sinônimo de expansão do mercado editorial, o que justificaria o interesse do maior grupo português do setor, o Leya, em fazer propostas milionárias a editoras brasileiras como a Companhia das Letras e o grupo Record, até o momento rejeitadas. O grupo Leya vende anualmente 10 milhões de livros didáticos para Angola, o que explica essa pressa na aquisição de um grande grupo editorial brasileiro.
Agualusa sempre foi um defensor do acordo. Em Angola, assim como em Moçambique, há poucas editoras. A maioria das edições é importada e ter duas ortografias num mesmo território era um problema e tanto até agora. Sócio da editora Língua Geral, Agualusa não podia, por exemplo vender seus livros infantis em Moçambique por serem editados segundo a ortografia adotada no Brasil. A partir deste ano, o problema, espera, estará definitivamente resolvido. "Portugal acha que a língua é dos portugueses, isso quando eles foram colonizados pelos árabes, esquecendo ainda que o centro, hoje, é o Brasil, com 95% dos falantes". Agualusa admitiu que a sua é uma defesa política do acordo.
Domício Proença Filho, autor de 50 livros e membro da Academia Brasileira de Livros, defendeu o acordo no encontro de Porto de Galinhas, lembrando justamente o caráter político que dificultou até bem pouco tempo a reforma. "Há um século tentamos uma regulação ortográfica, sendo a primeira tentativa dos filólogos datada de 1911", disse, lembrando que a pioneira proposta concreta de acordo, em 1931, não "pegou", em parte porque os modernistas queriam deixar claro sua independência de Portugal. Em 1938, uma nova tentativa foi feita, mas as duas ortografias, a portuguesa e a brasileira, seguiram caminhos diferentes, provocando ônus adicional na emissão de documentos. Em 1971, caíram finalmente os acentos diferenciais e o trema esteve por um fio. Quatro anos depois, problemas políticos na África portuguesa impediram a assinatura do acordo e, finalmente, em 1989, o filólogo Antonio Houaiss e a Academia de Ciências de Lisboa chegaram a um texto novo, aprovado em 1990, em Lisboa. O acordo deveria ter entrado em vigor em 1994, mas questões de identidade nacional e hegemonia política entraram em jogo. Finalmente, em 29 de setembro do ano passado, por decreto, está em vigor desde o começo do ano.
Ele é bom? Para Domício Proença Filho, as regras não são difíceis, mas o texto do acordo está longe do ideal. "O critério é mais fonético que etimológico". O grande nó, segundo ele ainda é o hífen. "Deveria ter sido eliminado, simplesmente", defendeu o acadêmico na Fliporto, classificando o acordo de "tímido". A vantagem principal, segundo o escritor, é que o novo acordo ajuda no processo de alfabetização. Os portugueses discordam. O acadêmico Vasco Graça Moura, primeiro signatário da Petição em Defesa da Língua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico, que desde maio do ano passado recolheu mais de 90 mil assinaturas, considera que ele serve aos interesses políticos e econômicos do Brasil. Os números não são, de fato, desprezíveis. Há 10 milhões de portugueses e 14 milhões de angolanos falando a língua e potenciais compradores de livros brasileiros. Domício Proença acha, porém, que não há razões que justifiquem a desconfiança no "imperialismo lingüístico" do Brasil, como a de Graça Moura, que acusa o País de "abrasileirar" o português europeu.
A escritora moçambicana Paulina Chiziane, primeira mulher a escrever um romance em se país, acha que essa resistência ao acordo reside numa tentativa inútil de preservar a hegemonia que os portugueses já perderam com o advento de uma literatura africana independente da sintaxe da colônia. Ela sempre defendeu a primazia da oralidade sobre a palavra escrita - e essa também é uma atitude tão política como a de Pepetela, que escreveu uma história de Angola contada segundo o ponto de vista do colonizado.
Para o multipremiado escritor brasileiro Cristóvão Tezza, que ganhou todos os principais prêmios literários do Brasil em 2008, trata-se, sim, de um problema político esse da reforma ortográfica. "A questão central é a utopia de se criar uma comunidade portuguesa mundial, como se isso fosse possível", diz, esclarecendo, no entanto, que não pertence à turma da resistência ao acordo. "O único que teve a coragem de desafiar a ortografia foi Monteiro Lobato", brinca. "De resto, a seguimos todos como bons cordeiros".
Fonte: Estadão.com.br
Por Antonio Gonçalves Filho, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - De modo geral, os autores africanos de países lusófonos consideram o acordo ortográfico benéfico não só para a língua como para o intercâmbio editorial, que tende a crescer, segundo eles. Recentemente, na última Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas (Fliporto), o escritor e editor angolano José Eduardo Agualusa defendeu o acordo, argumentando que o português "é uma construção conjunta dos países lusófonos, e não propriedade de Portugal", cuja resistência ao mesmo foi, segundo ele, uma "reação conservadora".
Agualusa participou de uma mesa de discussões sobre o assunto com o acadêmico Domício Proença Filho e a professora da Universidade Federal de Pernambuco, Maria José de Matos Luna, e, depois, com os patrícios angolanos Pepetela e Ondjaki, igualmente favoráveis ao acordo. Numa outra mesa, que reuniu autores moçambicanos como Paulina Chiziane, a reação ao acordo foi semelhante, sendo o acordo visto como sinônimo de expansão do mercado editorial, o que justificaria o interesse do maior grupo português do setor, o Leya, em fazer propostas milionárias a editoras brasileiras como a Companhia das Letras e o grupo Record, até o momento rejeitadas. O grupo Leya vende anualmente 10 milhões de livros didáticos para Angola, o que explica essa pressa na aquisição de um grande grupo editorial brasileiro.
Agualusa sempre foi um defensor do acordo. Em Angola, assim como em Moçambique, há poucas editoras. A maioria das edições é importada e ter duas ortografias num mesmo território era um problema e tanto até agora. Sócio da editora Língua Geral, Agualusa não podia, por exemplo vender seus livros infantis em Moçambique por serem editados segundo a ortografia adotada no Brasil. A partir deste ano, o problema, espera, estará definitivamente resolvido. "Portugal acha que a língua é dos portugueses, isso quando eles foram colonizados pelos árabes, esquecendo ainda que o centro, hoje, é o Brasil, com 95% dos falantes". Agualusa admitiu que a sua é uma defesa política do acordo.
Domício Proença Filho, autor de 50 livros e membro da Academia Brasileira de Livros, defendeu o acordo no encontro de Porto de Galinhas, lembrando justamente o caráter político que dificultou até bem pouco tempo a reforma. "Há um século tentamos uma regulação ortográfica, sendo a primeira tentativa dos filólogos datada de 1911", disse, lembrando que a pioneira proposta concreta de acordo, em 1931, não "pegou", em parte porque os modernistas queriam deixar claro sua independência de Portugal. Em 1938, uma nova tentativa foi feita, mas as duas ortografias, a portuguesa e a brasileira, seguiram caminhos diferentes, provocando ônus adicional na emissão de documentos. Em 1971, caíram finalmente os acentos diferenciais e o trema esteve por um fio. Quatro anos depois, problemas políticos na África portuguesa impediram a assinatura do acordo e, finalmente, em 1989, o filólogo Antonio Houaiss e a Academia de Ciências de Lisboa chegaram a um texto novo, aprovado em 1990, em Lisboa. O acordo deveria ter entrado em vigor em 1994, mas questões de identidade nacional e hegemonia política entraram em jogo. Finalmente, em 29 de setembro do ano passado, por decreto, está em vigor desde o começo do ano.
Ele é bom? Para Domício Proença Filho, as regras não são difíceis, mas o texto do acordo está longe do ideal. "O critério é mais fonético que etimológico". O grande nó, segundo ele ainda é o hífen. "Deveria ter sido eliminado, simplesmente", defendeu o acadêmico na Fliporto, classificando o acordo de "tímido". A vantagem principal, segundo o escritor, é que o novo acordo ajuda no processo de alfabetização. Os portugueses discordam. O acadêmico Vasco Graça Moura, primeiro signatário da Petição em Defesa da Língua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico, que desde maio do ano passado recolheu mais de 90 mil assinaturas, considera que ele serve aos interesses políticos e econômicos do Brasil. Os números não são, de fato, desprezíveis. Há 10 milhões de portugueses e 14 milhões de angolanos falando a língua e potenciais compradores de livros brasileiros. Domício Proença acha, porém, que não há razões que justifiquem a desconfiança no "imperialismo lingüístico" do Brasil, como a de Graça Moura, que acusa o País de "abrasileirar" o português europeu.
A escritora moçambicana Paulina Chiziane, primeira mulher a escrever um romance em se país, acha que essa resistência ao acordo reside numa tentativa inútil de preservar a hegemonia que os portugueses já perderam com o advento de uma literatura africana independente da sintaxe da colônia. Ela sempre defendeu a primazia da oralidade sobre a palavra escrita - e essa também é uma atitude tão política como a de Pepetela, que escreveu uma história de Angola contada segundo o ponto de vista do colonizado.
Para o multipremiado escritor brasileiro Cristóvão Tezza, que ganhou todos os principais prêmios literários do Brasil em 2008, trata-se, sim, de um problema político esse da reforma ortográfica. "A questão central é a utopia de se criar uma comunidade portuguesa mundial, como se isso fosse possível", diz, esclarecendo, no entanto, que não pertence à turma da resistência ao acordo. "O único que teve a coragem de desafiar a ortografia foi Monteiro Lobato", brinca. "De resto, a seguimos todos como bons cordeiros".
Fonte: Estadão.com.br
Concordo com Agualusa e com todos os que defendem a harmonização da língua portuguesa, tal como já escrevi, nomeadamente, no Portugal em Linha.
ResponderExcluirSó não entendo porque o nosso País continua, tal como Moçambique, a protelar a ratificação do Acordo.
Na prática constatamos que muitos dos nossos compatriotas, e vê-mo-lo nos comentários já adoptaram muitos dos termos e da grafia brasileira.
por isso.
Tal como também não entendo porque Portugal ainda não se dicidiu quando entra em vigor apesar de já ter definido a data limite para a entrada definitiva do Acordo, ou seja, 2013.
Abraços e continuação de Bom Ano
Eugénio Almeida
O Brasil já saiu na dianteira. Livros publicados nos últimos meses já estão de acordo com as novas normas ortográficas; os Jornais, na sua maioria, também já as adotaram. Isso é uma realidade. Os outros países precisam estar preparados para o novo. Devemos aceitar mudanças. Precisamos deixar de ser uma unidade estática num universo mutante e em permanente transformações.
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