Uma pergunta que não cala: há ou não há censura na Televisão Pública de Angola? Como em Angola tudo termina em novela, agora estamos presenciando a mais telenovela estrelada por Ernesto Bartolomeu, que trabalha há 20 na televisão e é apresentador titular do telejornal do principal canal.
A estréia deu-se no dia 5 de maio de 2008. Ernesto Bartolomeu, que participava do seminário da Cefojor (Centro de Formação de Jornalistas), na sessão enquadrada à celebração do dia mundial de imprensa, num dado momento afirmou: “de nada adianta falarmos dos cânones da cobertura jornalística, quando a realidade nas redações é bem diferente”. A direção da TV, imediatamente, o colocou fora do ar, entendendo que houve quebra do “sigilo profissional” e abriu um inquérito contra ela. Entre os sigilos, segundo muitos especialistas é a pressão que os jornalistas e editores sofrem para favorecerem o MPLA em detrimentos de outros partidos da oposição.
Ernesto Bartolomeu não é a primeira vez que é destaque de primeira página dos jornais. No artigo intitulado “Relações promíscuas de certos jornalistas com o General Miala” insinuou-se de que ele teria recebido recompensas pelos serviços prestados ao “Projeto criança esperança”, do qual ele é também fundador. Ele desmentiu veemente.
Quando os serviços secretos angolanos tentavam montar uma armadilha contra o empresário Valentim Amões, sobrinho do General Apolo, da UNITA, e que mais tarde, por questões de sobrevivência, teve que entrar no Comitê Central do MPLA, Ernesto Barolomeu o entrevistou para maiores esclarecimentos vindo a se tornar seu sócio, com a participação em torno de 2% . Ernesto , o porta-voz do grupo Valentim Amões, conseguiu comprar, por exemplo, o carro de marca Nissan em Dubai, que muitos acreditavam ser oferta do General Miala.
Ernesto Bartolomeu, que já concorreu a importantes prêmios de jornalismo concedeu a uma importantíssima entrevista ao "Semanário A capital", preambulada por ele, que, pela importância passamos a reproduzir na sua íntegra.
Introdução
Todas as declarações constantes desta entrevista vinculam apenas e unicamente o cidadão Ernesto Elias Bartolomeu, e não o jornalista editor e apresentador do Telejornal Ernesto Bartolomeu, nem tão pouco a empresa onde trabalha há mais de 20 anos. Após uma profunda reflexão e porque mereço dar uma explicação sobre o meu silêncio dos últimos dias, aceitei conceder esta entrevista porque não podia deixar de manifestar a minha profunda gratidão por todas as mensagens de solidariedade que me chegaram de todos os sectores da sociedade angolana que se mostrou perplexa com o motivo do meu temporário afastamento dos écrans de uma casa que faz parte da minha vida. Porque penso Angola, quero deixar claro que vivemos hoje um momento importante das nossas vidas, um momento em que nos devemos concentrar nos esforços que estão a ser empreendidos para a paz total e para a reconstrução do nosso país, uma vez que, como disse o Presidente da República, «hoje todos somos poucos para edificar a nossa pátria e transforma-la numa boa terra para se viver». Quero desde já pedir desculpas aos meus colegas que me tentaram, sem sucesso contactar. Enquanto decorria o processo, preferi manter-me em silêncio para facilitar o trabalho do Gabinete Jurídico da TPA. A todos, as minhas desculpas uma vez mais. Fico muito grato pela solidariedade demonstrada. Finalmente quero dizer que, porque a paz é o bem mais precioso, vou apenas responder a algumas perguntas sendo que a resposta a outras vou guardá-las comigo.
Por Ernesto Elias Bartolomeu
Para o seu «querido» Telejornal «Eu vou voltar»
Ernesto Bartolomeu, apresentador do Telejornal, o principal serviço noticioso da Televisão Pública de Angola (TPA), fala pela primeira vez do processo disciplinar a si instaurado depois de terem surgido informações públicas, atribuindo a si a autoria de uma afirmação sobre a existência de censura do único canal televisivo do país. É dele a assinatura do ponto prévio, na coluna que antecede essa entrevista, cuja publicação foi por ele apresentada como condicional para a realização da entrevista que se segue.
A CAPITAL - Qual vai ser o seu futuro na TPA na seqüência do inquérito que a si foi instaurado?
ERNESTO BARTOLOMEU (EB) - O meu futuro está plasmado nas vitrinas da TPA. Fui transferido da Direcção de Informação para a Direcção de Programas durante cinco meses. Até Outubro vou ficar à inteira disposição desta área.
A CAPITAL - Essa transferência, para si, equivale a alguma exoneração ou punição por determinação da comissão de inquérito ou trata-se de algo já previsto anteriormente?
EB - Não fui exonerado do cargo que ocupo. Continuo Editor e apresentador de Telejornal. Estou, penso, a cumprir uma transferência temporária. Cinco meses passam rápido, em breve estarei de regresso à Direcção de Informação. Quero dizer que estou a ler bastante, como estudante de Direito que fui, decidi agarrar na situação que hoje estou a viver e resolver este caso prático. Acho que os estudantes de Direito me vão compreender. Como finalista do curso superior de Comunicação Social, estou também a fazer uma análise imediata dos discursos visto que o meu professor pediu que analisássemos como a media angolana abordou a questão da intolerância política durante um certo período. Devo anunciar que vou estar ausente durante três semanas para uma visita de estudo ao exterior. Quando voltar vou apresentar-me, como sempre fiz há 23 anos, à Televisão, no caso vertente, à Direcção de Programas. Finalmente quero dizer que tenho rezado bastante e, peço, «ó Deus não se cale; sobre mim se desataram lábios maldosos e fraudulentos; com mentirosa língua falam contra mim; cercam-me com palavras odiosas e sem causas e por isso me fazem guerra; em paga do meu amor me hostilizam eu, porém, oro; pagaram-me o bem com o mal e o amor com o ódio». Citei estas passagens do Samos 109 por, em síntese, descrever o que que está a acontecer comigo.
A CAPITAL - De todo o modo, Ernesto, pensa que esta transferência não seria executada se não lhe tivesse sido movido o inquérito?
A CAPITAL - Antes de responder a esta pergunta deixa-me citar um extracto do Presidente do MPLA na abertura da terceira Conferência Nacional desse partido. Tem de ser «garantida a liberdade de imprensa e expressão e o bom sistema de funcionamento da Justiça, que são condições essenciais para o aprofundamento da Democracia». Quem disse, e cito, foi o Presidente de todos nós, o Presidente de Angola. Felizmente, me revejo neste discurso, mas há pessoas que não. O que se passou comigo foi, de facto, uma interpretação errada daquilo que disse no seu mais recente discurso o Presidente de Angola.
A CAPITAL - Diz-me, então, que lhe estão a violar um Direito?
EB - Sim, senhor.
A CAPITAL - Disse, de facto, aquilo que se escreveu, ou seja, que há censura na TPA?
EB - Apenas questionei o orador sobre como poderíamos adaptar à realidade angolana toda a experiência acumulada nas universidades, sobretudo ao nível do que respeita à cobertura eleitoral. Foi isso que perguntei. O jornalista, o Telmo, fez a sua interpretação, e é livre enquanto profissional de a fazer. Agora, os homens de Direito não podem fazer só uma interpretação vaga, têm que ter uma interpretação mais profunda. Posso dizer que não me considero vítima de perseguição profissional.
A CAPITAL - Acha, então, que foi algo mais pessoal?
EB - Sim, penso tratar-se de algo mais pessoal. Deixa-me lembrar-vos que leio telejornais há 19 anos. Na TPA, os telejornais são feitos em directo. Teria todas as possibilidades, nestes 19 anos, de dizer aquilo que me ia ou que me vai na alma. Porém, como profissional, porque estudei a deontologia e a ética, e ainda ando no banco da escola, conheço as regras e porque aceitei trabalhar na TPA cumpro única e exclusivamente a linha editorial do órgão no qual estou vinculado durante estes anos todos. Não consigo compreender como é que, 20 anos depois, sou questionado sobre se mereço ou não confiança de quem durante mais de 20 anos me deixou, em directo, fazer o Telejornal. Não é assim que se retribui o esforço de um homem que, tendo família, não olhava para sábados, domingos e feriados. Não falo apenas de mim, mas também dos meus colegas, porque, quero lembrar aqui, nunca vi tanta solidariedade de quase todos na TPA, e mesmo de fora. Penso que é uma demonstração de que a sociedade está a mudar, as pessoas têm uma visão diferente das coisas, é um pouco daquilo que se pretende para o nosso país, mentes evoluídas, pessoas a abordarem, sem armas, questões que têm a ver connosco. Não precisamos de armas para punirmos o outro, não precisamos de cenários de 1992 para resolvermos os nossos problemas de hoje, temos que conversar, temos que discutir os nossos problemas, temos que encontrar vias para solucioná-lo. Penso, como já disse, que não é assim que se paga todo o esforço que o Ernesto e outros colegas fizeram durante todo este tempo. Acho que quem assim o fez, deveria também ter pensado numa repercussão.
A CAPITAL - Disse que foi vítima de perseguição pessoal, da parte de quem, exactamente?
EB - Quero dizer que desde a direcção da empresa até ao trabalhador de limpeza, sou um menino tratado com muito carinho dentro televisão; sou acarinhado pelos colegas, por todos. Acho, porém, que terá acontecido algo, que eu também estou a investigar, que terá levado a que esta decisão tivesse sido tomada. Por isso, quero acautelar que, depois disso, comecei a investigar algumas coisas. Mas, como disse no ponto prévio, vou apenas responder a algumas perguntas, as outras ainda estou a investigar.
A CAPITAL - A opinião pública quer saber qual é, já agora, a sua opinião: existe ou não censura na TPA?
EB - Não vou responder. Como disse no princípio, vou responder só o que puder.
A CAPITAL - Então a punição foi, como diz, ordenada de fora da Televisão...
EB - Não sinto dentro da empresa em que trabalho, como disse, nenhuma animosidade. Sou uma pessoa que falo, comento, gosto de abordar abertamente as questões com os colegas. Cultivei isto na igreja, na vivência, na educação cívica e não vou parar de falar dos meus problemas, do meu próximo ou do meu grupo de trabalho. Quero simplesmente dizer que quem faz este tipo de coisas tem que começar a pensar que o país é diferente, o país está a caminhar para aquilo que se diz desenvolvimento não apenas das suas infra-estruturas. Nós, em 1992, tínhamos apenas uma televisão, uma rádio, um jornal. Hoje temos mais de oito jornais, temos várias rádios, estamos a caminhar para a criação de outros canais. Quero dizer, se alguém pensou que assim se apaga o Ernesto Bartolomeu, enganou-se. As coisas conquistam-se, as coisas não se esforçam. O meu público-alvo jamais se esquecerá de mim. Estamos a caminhar para um mundo em que vamos ter rádios, televisões, jornais. Estou disponível para dar todo o meu contributo na televisão e espero que a minha empresa, que também ajudei a construir, não me costas, como não me deu neste período, que não me parece difícil, é só uma fase da minha vida que vai passar. Dentro de cinco meses estará tudo bem. Os homens do bem vencerão.
A CAPITAL - Tudo que aprende na escola, no seu caso como jornalista, opõe-se à prática quotidiana na sua redacção?
EB - Somos trabalhadores de Comunicação Social. Isso quer dizer que quando abraçamos determinada linha editorial, estamos dispostos a aceitá-la e a partilhar o bom e o mau que esta linha editorial acarreta. Penso é que nunca falei existência de censura na TPA, aliás, se fizesse estaria a incorrer naquilo de que fui acusado. Apenas questionei algo, e foi em foro próprio. Nunca fui à rádio, à televisão ou ao jornal e dizer que havia censura na TPA. Não, eu cresci, sou editor, sou responsável na TPA. É o que acabei de dizer: as minhas palavras foram mal interpretadas por alguém que, eu acredito, terá utilizado a má interpretação para provocar todo este processo. Por isso considero isto tudo mais uma questão pessoal que propriamente profissional. Mas, estou aqui, disponível para os telespectadores, para a TPA, estarei sempre disponível para trabalhar lá onde eu concordar com a linha editorial. Agora, nunca vou admitir, jamais admitirei que me ameacem. Jamais porque a Constituição angolana permite que eu fale, que tenha a liberdade de exprimir aquilo que eu sinto, enquanto cidadão deste país. Digo mais, quem fez isto comigo verá que no fim de tudo vou sair a ganhar, porque as manifestações de solidariedade que tenho recebido de pessoas são um alento. Por outro lado, sou uma pessoa muito versátil, tenho conhecimento de colegas que quando lhes foi apresentado um projecto, eles não aceitaram muito bem, mas colocados lá tiveram sucesso. Se calhar estou a ser colocado perante uma prova destas. Digo que quem faz as audiências são os profissionais, não a cadeia. Quem chama o telespectador são os profissionais, a cadeia só nos dá esta possibilidade. Repito, estou disponível a trabalhar na área de Programas, mas a minha grande paixão mesmo é o Telejornal.
A CAPITAL - Uma vez transferido na Direcção de Programas, já sabe o que vai, exactamente, fazer?
EB - O veredicto saiu só no dia 17 de Maio. Vou estar ausente, autorizado superiormente, quando regressar vou apresentar-me à Direcção de Programas, mas não me foi apresentado projecto algum.
Há censura na TPA?
«Eu não disse isso»
A CAPITAL - Ao menos chegou a ser ouvido pela TPA?
EB - Sim, fui ouvido pelo Gabinete Jurídico e pelo instrutor do processo, o colega Isidro Sanhanga.
A CAPITAL - Teve, então, uma oportunidade de esclarecer o que disse ser um mal-entendido...
EB - Na verdade a minha punição tem como base um artigo de opinião do Reginaldo, no jornal Angolense, foi com base naquele texto que fui obrigado a esclarecer se o que estava ali escrito era verdade ou mentira. Respondi apenas que aquilo era a opinião do Reginaldo.
A CAPITAL - E como o autor do texto, já conversou?
EB - Ainda não tive a oportunidade de conversar com o Reginaldo, de qualquer forma acho que é a opinião do Reginaldo, que eu respeito, acho que todos temos que respeitar a opinião dos outros, o que não podemos é usar determinado tipo de prerrogativas para sancionar um cidadão que só quer trabalhar e sustentar a sua família. Olhe que a minha família está um pouco afectada por causa disto, os meus filhos questionam, mas eu estou bem. Penso que o objectivo que se pretendeu atingir não teve sucesso, estou bem, estou mais forte ainda, vou voltar ao Telejornal mais cedo do que muita gente pensa. Mais de 20 anos de serviço «É muito tempo para ser punido assim»
A CAPITAL - O que foi que pensou quando que lhe havia sido instaurado um processo?
EB - A primeira coisa que pensei foi: de nada vale às vezes o sacrifício que a gente faz de deixar a família, de não olhar para sábados e domingos, de estarmos prontos para tudo e para todos para informarmos as pessoas, foi a primeira coisa que me ocorreu. Se até nos períodos mais difíceis, deste processo que estamos a seguir, estive pronto, dei a minha cara, nunca em situação nenhuma vacilei, hoje as pessoas me sancionam por causa de algo que não fiz. Eu não me senti triste, depois de ter saído, quando fui informado sobre situação, fui à igreja e saí de lá mais forte. Disse que o caminho de um filho de Deus está cheio de encalços, perante estas provas se solidifica o filho de Deus. Não sou apenas filho de Deus, sou um cidadão que quer dar o seu contributo para a causa que defende a paz, a reconciliação, o desenvolvimento. Sou um dos milhares de angolanos que pensa e concorda com o que, a propósito, disse o Presidente José Eduardo dos Santos.
A CAPITAL -E agora que saiu o veredicto, o que diz?
EB - O objectivo de quem organizou isto não foi atingido porque esta pessoa terá pensado erradamente que quatro meses seria o suficiente para que as pessoas se esquecessem do Ernesto. Não é isso que vai acontecer, até porque, pelo bem que representa a paz no nosso país, penso que sito não deve vincular nem o Governo, nem o partido que está no poder. O MPLA é o partido de milhares de cidadãos por esta Angola e fora dela, o MPLA é um partido de massas, é um partido de cidadãos que não se revêem muitas vezes em atitudes de algumas pessoas. O MPLA não são só os militantes, são também os seus simpatizantes, os seus amigos, pessoas que mesmo não dando a cara simpatizam-se com o partido. Por causa do bem que preservo, que é a paz, não quero que se vincule isso nunca ao MPLA. O partido não tem culpa de erros que são cometidos por algumas pessoas. Não quero ser mal interpretado. Devo dizer que nos últimos tempos, tenho sentido, na TPA, uma cultura de amizade, de camaradagem, de troca de troca de experiências, de abertura. O Director Geral da TPA tem sido uma pessoa que muito se tem batido pela união, para que se mostre aos telespectadores aquilo que se aprende na Universidade, neste aspecto, ele tem sido uma pessoa que nos aconselha bastante para cumprir estes princípios. «Recuso a cultura de andar em botequins a dizer mal dos outros»
A CAPITAL - Sente-se, de alguma forma, vítima da sua postura eqüidistante, deveras longe dos interesses partidários?
EB - Me defino como um homem de equilíbrios, não sou nem de esquerda, nem de direita. Aqui no país tenho direito ao meu espaço, da mesma forma como respeito quem é do MPLA, da UNITA, do PRS, porque eles têm os seus direitos. Somos todos poucos para aquilo que é a dimensão do país e para aquilo que a gente precisa. Se eu olhar para si e concluir que pensa horizontal - mas eu penso vertical - e exigir que deves pensar vertical como eu, então será extremamente complicado. Se eu sou vítima disto, não sabia. Quero simplesmente dizer que não sou nem de direita nem de esquerda, sou pelo equilíbrio. No meu trabalho sigo as regras daquilo que o meu patrão manda. Fora do meu trabalho, posso ter as minhas opiniões, sou livre de as ter, vou continuar tê-las. Não é por causa disto que eu tenho que ser visto como uma pessoa que não é de confiança.
A CAPITAL - Recusa, portanto, a subserviência como meio de ascensão profissional?
EB - Não sei se existem pessoas que se engraxam, não sei se existem pessoas, como se diz, lambe-botas, não sei se os há, só sei que sou um trabalhador. Trabalho para a TPA há muitos anos, a minha relação com o patronato tem que ser também de equilíbrio, de toma lá dá cá, eu presto um serviço e a TPA paga por isso. O resto, eu não preciso, porque eu sou pago, o meu salário é pago todos os meses, o que eu faço depois de sair da TPA é a minha vida particular. Se eu estiver a errar, só devo satisfações ao meu patrão, em função da linha editorial que ele, em princípio, preconiza, fora disto sou um cidadão comum, posso fazer o mesmo que fazem os outros, desde que esteja dentro daquelas regras socialmente aceites. Durante os 23 anos de trabalho penso que nunca tenha colocado em risco nem a pátria, nem a própria Televisão. Faço apenas o meu trabalho, não ando em botequins, não vou dizer mal do fulano, não tenho essa cultura. Se ela existe ou não posso confirmar, agora que eu não me revejo nisto de ir dizer mal dos outros, não. Acho que existem formas muito mais honestas de se ganhar a vida.
«Quero ser director da TPA»
A CAPITAL - Ao longo de 23 anos de experiência, o que mais lhe terá marcado, ao nível de telejornais, de entrevista ou mesmo de reportagens que fez?
EB - Tenho momentos inesquecíveis na minha vida profissional. É capaz de não acreditarem, mas olhem que já li durante oito meses telejornais todos os dias, sem Sábado, Domingo ou feriados. Este foi um destes momentos inesquecíveis da minha vida. A idéia que se tem lá fora é a de que o apresentador de telejornais só lê os textos que lhe dão. É uma idéia que também é levada por pessoas pouco esclarecidas. Hoje, a maior parte dos apresentadores do Telejornal são também os editores destes serviços. Portanto, a nossa actividade começa de manhã, às 08 horas e termina às 21h30 minutos. É muito cansativo Quando chegamos às 20h30 minutos, parte do trabalho que se faz é também da pessoa que está a apresentar.
A CAPITAL - Que reportagens guarda, afinal, na memória?
EB - Reportagens, fiz agora uma que deve concorrer agora ao prémio CNN África, estou a espera da classificação, que tem a ver com a batalha do Cuito Cuanavale. A televisão pediu-me para fazer a parte externa então fui à África do Sul, à Namíbia ver qual é a importância que dão a esta batalha, entreguei também este documentário ao prémio Maboque de Jornalismo, eu dificilmente faço reportagens, uma das reportagens mais recentes na qual trabalhei com muito afinco e dedicação foi precisamente esta do Cuito Cuanavale. Há também uma que me marcou muito e também fui sancionado por isso; tínhamos aqui em Angola uma empresa que tratava da vida dos cooperantes que tinha um balcão com frigoríficos ali no José Pirão, uma vez, na altura, o Director Francisco Simons mandou fazer esta reportagem. Fiz, denunciando a existência de muitos electrodomésticos numa altura em que o país vivia a escassez deste produto e isso valeu-me uma sanção. Mas naquela altura contra todas as expectativas o falecido Director assumiu qualquer tipo de erro na reportagem como sendo um erro da estação. Eu fui punido, mas na hora da defesa ele apareceu para me defender, dizendo que se eu cometi algum erro a estação também cometeu, senti-me reconfortante. A direcção assumiu como seu, o erro da reportagem.
A CAPITAL - Como vê a evolução do jornalismo angolano, olhando, com particular atenção, para a vertente televisiva?
EB - Já há muitos futuros ernestos bartolomeus por aí, por acaso tenho dois jovens que enviei para o CEFOJOR, um deles uma vez apareceu na TPA imitando o Ernesto, por acaso é um miúdo que vive atrás da casa da minha mãe. Não vale só ter boa voz, imitar bem o Ernesto, tem que aprender, conhecer as regras de como se faz televisão, como é que se chega ao nível que o Ernesto chegou. Hoje já, é verdade, e como disse no princípio, é um processo longo porque o Ernesto de hoje não é o de ontem, sou uma pessoa mais madura, encaro a Televisão de uma forma bem diferente que antes. Os resultados estão aí, fico muito feliz porque finalmente o mercado vai se abrir, quem não conseguir singrar na Televisão, vai fazê-lo na rádio, no jornal. O jornalismo angolano evolui bastante e está, digamos assim, a participar do processo de reconstrução nacional. O jornalismo angolano, sem excepção, está a participar do desenvolvimento da nação, e esta é a nossa função enquanto jornalistas. Também, e disséssemos só o bem estaríamos também a prestar um mau serviço, quando, às vezes, o jornal, a rádio assumem ou levantam determinada questão, o órgão de tutela, alvo de uma crítica, preocupa-se em saber o que se passou. É este pequeno pedaço que o jornalismo angolano está a colocar para a reconstrução desta nação que é de todos nós. Eu digo que estamos num bom caminho, precisamos ainda tecnicamente de continuar a estudar, estar a aprimorar os nossos conhecimentos, precisamos de saber cada vez mais aproximarmo-nos do nosso consumidor, mas penso que neste aspecto nós vamos dando passos positivos.
A CAPITAL - Aceitaria abraçar, se fosse convidado para isso, uma iniciativa privada no domínio da Televisão?
EB - Tenho pensado muito nisto, já apareceram muitas propostas, não as quero revelar, mas digo, para quem pensa que vou ficar, sem emprego que está enganado. Estou a estudar as propostas, mas digo-vos sinceramente, morro de amores pela TPA, amo o Telejornal. Gostaria de continuar na Televisão até atingir um dos objectivos que eu preconizo.
A CAPITAL - E qual é o objectivo?
EB - Um dia também ser Director da TPA. Por isso não quero deixar a TPA, embora existam algumas propostas. Desde que comecei a atender o telefone, até de rádio, não tenho experiência de jornal, acho que se um dia tivesse que trabalhar em jornal teria que reaprender tudo, mas estou preparado para aprender, só não erra quem não trabalha, se erro é porque trabalho. Espero que todos os erros que cometi sejam perdoados, tenho feito todos os possíveis para não errar, mesmo assim, errar é humano.
A CAPITAL - Algum dia, quem sabe, Ernesto Bartolomeu aceitaria emprestar o seu rosto a alguma campanha política?
EB - Nunca. Nunca, nunca, nunca. Há coisas que se conquistam, eu não devo misturar a televisão que me deu emprego, com política. Já disse, não me ligo em partido político nenhum, mas o que eu sinto pelo meu país é mais importante do que a política. Primeiro penso Angola, segundo penso Angola e em quinto penso 1º de Agosto, mas nunca fui sondado para fazer isto, para fazer política. Se alguém pensou nisto saiba que eu não aceito. O que construí durante este tempo é um patrimônio que quero passar para os jovens, quando terminar a minha licenciatura, quero dar aulas de televisão.
A estréia deu-se no dia 5 de maio de 2008. Ernesto Bartolomeu, que participava do seminário da Cefojor (Centro de Formação de Jornalistas), na sessão enquadrada à celebração do dia mundial de imprensa, num dado momento afirmou: “de nada adianta falarmos dos cânones da cobertura jornalística, quando a realidade nas redações é bem diferente”. A direção da TV, imediatamente, o colocou fora do ar, entendendo que houve quebra do “sigilo profissional” e abriu um inquérito contra ela. Entre os sigilos, segundo muitos especialistas é a pressão que os jornalistas e editores sofrem para favorecerem o MPLA em detrimentos de outros partidos da oposição.
Ernesto Bartolomeu não é a primeira vez que é destaque de primeira página dos jornais. No artigo intitulado “Relações promíscuas de certos jornalistas com o General Miala” insinuou-se de que ele teria recebido recompensas pelos serviços prestados ao “Projeto criança esperança”, do qual ele é também fundador. Ele desmentiu veemente.
Quando os serviços secretos angolanos tentavam montar uma armadilha contra o empresário Valentim Amões, sobrinho do General Apolo, da UNITA, e que mais tarde, por questões de sobrevivência, teve que entrar no Comitê Central do MPLA, Ernesto Barolomeu o entrevistou para maiores esclarecimentos vindo a se tornar seu sócio, com a participação em torno de 2% . Ernesto , o porta-voz do grupo Valentim Amões, conseguiu comprar, por exemplo, o carro de marca Nissan em Dubai, que muitos acreditavam ser oferta do General Miala.
Ernesto Bartolomeu, que já concorreu a importantes prêmios de jornalismo concedeu a uma importantíssima entrevista ao "Semanário A capital", preambulada por ele, que, pela importância passamos a reproduzir na sua íntegra.
Introdução
Todas as declarações constantes desta entrevista vinculam apenas e unicamente o cidadão Ernesto Elias Bartolomeu, e não o jornalista editor e apresentador do Telejornal Ernesto Bartolomeu, nem tão pouco a empresa onde trabalha há mais de 20 anos. Após uma profunda reflexão e porque mereço dar uma explicação sobre o meu silêncio dos últimos dias, aceitei conceder esta entrevista porque não podia deixar de manifestar a minha profunda gratidão por todas as mensagens de solidariedade que me chegaram de todos os sectores da sociedade angolana que se mostrou perplexa com o motivo do meu temporário afastamento dos écrans de uma casa que faz parte da minha vida. Porque penso Angola, quero deixar claro que vivemos hoje um momento importante das nossas vidas, um momento em que nos devemos concentrar nos esforços que estão a ser empreendidos para a paz total e para a reconstrução do nosso país, uma vez que, como disse o Presidente da República, «hoje todos somos poucos para edificar a nossa pátria e transforma-la numa boa terra para se viver». Quero desde já pedir desculpas aos meus colegas que me tentaram, sem sucesso contactar. Enquanto decorria o processo, preferi manter-me em silêncio para facilitar o trabalho do Gabinete Jurídico da TPA. A todos, as minhas desculpas uma vez mais. Fico muito grato pela solidariedade demonstrada. Finalmente quero dizer que, porque a paz é o bem mais precioso, vou apenas responder a algumas perguntas sendo que a resposta a outras vou guardá-las comigo.
Por Ernesto Elias Bartolomeu
Para o seu «querido» Telejornal «Eu vou voltar»
Ernesto Bartolomeu, apresentador do Telejornal, o principal serviço noticioso da Televisão Pública de Angola (TPA), fala pela primeira vez do processo disciplinar a si instaurado depois de terem surgido informações públicas, atribuindo a si a autoria de uma afirmação sobre a existência de censura do único canal televisivo do país. É dele a assinatura do ponto prévio, na coluna que antecede essa entrevista, cuja publicação foi por ele apresentada como condicional para a realização da entrevista que se segue.
A CAPITAL - Qual vai ser o seu futuro na TPA na seqüência do inquérito que a si foi instaurado?
ERNESTO BARTOLOMEU (EB) - O meu futuro está plasmado nas vitrinas da TPA. Fui transferido da Direcção de Informação para a Direcção de Programas durante cinco meses. Até Outubro vou ficar à inteira disposição desta área.
A CAPITAL - Essa transferência, para si, equivale a alguma exoneração ou punição por determinação da comissão de inquérito ou trata-se de algo já previsto anteriormente?
EB - Não fui exonerado do cargo que ocupo. Continuo Editor e apresentador de Telejornal. Estou, penso, a cumprir uma transferência temporária. Cinco meses passam rápido, em breve estarei de regresso à Direcção de Informação. Quero dizer que estou a ler bastante, como estudante de Direito que fui, decidi agarrar na situação que hoje estou a viver e resolver este caso prático. Acho que os estudantes de Direito me vão compreender. Como finalista do curso superior de Comunicação Social, estou também a fazer uma análise imediata dos discursos visto que o meu professor pediu que analisássemos como a media angolana abordou a questão da intolerância política durante um certo período. Devo anunciar que vou estar ausente durante três semanas para uma visita de estudo ao exterior. Quando voltar vou apresentar-me, como sempre fiz há 23 anos, à Televisão, no caso vertente, à Direcção de Programas. Finalmente quero dizer que tenho rezado bastante e, peço, «ó Deus não se cale; sobre mim se desataram lábios maldosos e fraudulentos; com mentirosa língua falam contra mim; cercam-me com palavras odiosas e sem causas e por isso me fazem guerra; em paga do meu amor me hostilizam eu, porém, oro; pagaram-me o bem com o mal e o amor com o ódio». Citei estas passagens do Samos 109 por, em síntese, descrever o que que está a acontecer comigo.
A CAPITAL - De todo o modo, Ernesto, pensa que esta transferência não seria executada se não lhe tivesse sido movido o inquérito?
A CAPITAL - Antes de responder a esta pergunta deixa-me citar um extracto do Presidente do MPLA na abertura da terceira Conferência Nacional desse partido. Tem de ser «garantida a liberdade de imprensa e expressão e o bom sistema de funcionamento da Justiça, que são condições essenciais para o aprofundamento da Democracia». Quem disse, e cito, foi o Presidente de todos nós, o Presidente de Angola. Felizmente, me revejo neste discurso, mas há pessoas que não. O que se passou comigo foi, de facto, uma interpretação errada daquilo que disse no seu mais recente discurso o Presidente de Angola.
A CAPITAL - Diz-me, então, que lhe estão a violar um Direito?
EB - Sim, senhor.
A CAPITAL - Disse, de facto, aquilo que se escreveu, ou seja, que há censura na TPA?
EB - Apenas questionei o orador sobre como poderíamos adaptar à realidade angolana toda a experiência acumulada nas universidades, sobretudo ao nível do que respeita à cobertura eleitoral. Foi isso que perguntei. O jornalista, o Telmo, fez a sua interpretação, e é livre enquanto profissional de a fazer. Agora, os homens de Direito não podem fazer só uma interpretação vaga, têm que ter uma interpretação mais profunda. Posso dizer que não me considero vítima de perseguição profissional.
A CAPITAL - Acha, então, que foi algo mais pessoal?
EB - Sim, penso tratar-se de algo mais pessoal. Deixa-me lembrar-vos que leio telejornais há 19 anos. Na TPA, os telejornais são feitos em directo. Teria todas as possibilidades, nestes 19 anos, de dizer aquilo que me ia ou que me vai na alma. Porém, como profissional, porque estudei a deontologia e a ética, e ainda ando no banco da escola, conheço as regras e porque aceitei trabalhar na TPA cumpro única e exclusivamente a linha editorial do órgão no qual estou vinculado durante estes anos todos. Não consigo compreender como é que, 20 anos depois, sou questionado sobre se mereço ou não confiança de quem durante mais de 20 anos me deixou, em directo, fazer o Telejornal. Não é assim que se retribui o esforço de um homem que, tendo família, não olhava para sábados, domingos e feriados. Não falo apenas de mim, mas também dos meus colegas, porque, quero lembrar aqui, nunca vi tanta solidariedade de quase todos na TPA, e mesmo de fora. Penso que é uma demonstração de que a sociedade está a mudar, as pessoas têm uma visão diferente das coisas, é um pouco daquilo que se pretende para o nosso país, mentes evoluídas, pessoas a abordarem, sem armas, questões que têm a ver connosco. Não precisamos de armas para punirmos o outro, não precisamos de cenários de 1992 para resolvermos os nossos problemas de hoje, temos que conversar, temos que discutir os nossos problemas, temos que encontrar vias para solucioná-lo. Penso, como já disse, que não é assim que se paga todo o esforço que o Ernesto e outros colegas fizeram durante todo este tempo. Acho que quem assim o fez, deveria também ter pensado numa repercussão.
A CAPITAL - Disse que foi vítima de perseguição pessoal, da parte de quem, exactamente?
EB - Quero dizer que desde a direcção da empresa até ao trabalhador de limpeza, sou um menino tratado com muito carinho dentro televisão; sou acarinhado pelos colegas, por todos. Acho, porém, que terá acontecido algo, que eu também estou a investigar, que terá levado a que esta decisão tivesse sido tomada. Por isso, quero acautelar que, depois disso, comecei a investigar algumas coisas. Mas, como disse no ponto prévio, vou apenas responder a algumas perguntas, as outras ainda estou a investigar.
A CAPITAL - A opinião pública quer saber qual é, já agora, a sua opinião: existe ou não censura na TPA?
EB - Não vou responder. Como disse no princípio, vou responder só o que puder.
A CAPITAL - Então a punição foi, como diz, ordenada de fora da Televisão...
EB - Não sinto dentro da empresa em que trabalho, como disse, nenhuma animosidade. Sou uma pessoa que falo, comento, gosto de abordar abertamente as questões com os colegas. Cultivei isto na igreja, na vivência, na educação cívica e não vou parar de falar dos meus problemas, do meu próximo ou do meu grupo de trabalho. Quero simplesmente dizer que quem faz este tipo de coisas tem que começar a pensar que o país é diferente, o país está a caminhar para aquilo que se diz desenvolvimento não apenas das suas infra-estruturas. Nós, em 1992, tínhamos apenas uma televisão, uma rádio, um jornal. Hoje temos mais de oito jornais, temos várias rádios, estamos a caminhar para a criação de outros canais. Quero dizer, se alguém pensou que assim se apaga o Ernesto Bartolomeu, enganou-se. As coisas conquistam-se, as coisas não se esforçam. O meu público-alvo jamais se esquecerá de mim. Estamos a caminhar para um mundo em que vamos ter rádios, televisões, jornais. Estou disponível para dar todo o meu contributo na televisão e espero que a minha empresa, que também ajudei a construir, não me costas, como não me deu neste período, que não me parece difícil, é só uma fase da minha vida que vai passar. Dentro de cinco meses estará tudo bem. Os homens do bem vencerão.
A CAPITAL - Tudo que aprende na escola, no seu caso como jornalista, opõe-se à prática quotidiana na sua redacção?
EB - Somos trabalhadores de Comunicação Social. Isso quer dizer que quando abraçamos determinada linha editorial, estamos dispostos a aceitá-la e a partilhar o bom e o mau que esta linha editorial acarreta. Penso é que nunca falei existência de censura na TPA, aliás, se fizesse estaria a incorrer naquilo de que fui acusado. Apenas questionei algo, e foi em foro próprio. Nunca fui à rádio, à televisão ou ao jornal e dizer que havia censura na TPA. Não, eu cresci, sou editor, sou responsável na TPA. É o que acabei de dizer: as minhas palavras foram mal interpretadas por alguém que, eu acredito, terá utilizado a má interpretação para provocar todo este processo. Por isso considero isto tudo mais uma questão pessoal que propriamente profissional. Mas, estou aqui, disponível para os telespectadores, para a TPA, estarei sempre disponível para trabalhar lá onde eu concordar com a linha editorial. Agora, nunca vou admitir, jamais admitirei que me ameacem. Jamais porque a Constituição angolana permite que eu fale, que tenha a liberdade de exprimir aquilo que eu sinto, enquanto cidadão deste país. Digo mais, quem fez isto comigo verá que no fim de tudo vou sair a ganhar, porque as manifestações de solidariedade que tenho recebido de pessoas são um alento. Por outro lado, sou uma pessoa muito versátil, tenho conhecimento de colegas que quando lhes foi apresentado um projecto, eles não aceitaram muito bem, mas colocados lá tiveram sucesso. Se calhar estou a ser colocado perante uma prova destas. Digo que quem faz as audiências são os profissionais, não a cadeia. Quem chama o telespectador são os profissionais, a cadeia só nos dá esta possibilidade. Repito, estou disponível a trabalhar na área de Programas, mas a minha grande paixão mesmo é o Telejornal.
A CAPITAL - Uma vez transferido na Direcção de Programas, já sabe o que vai, exactamente, fazer?
EB - O veredicto saiu só no dia 17 de Maio. Vou estar ausente, autorizado superiormente, quando regressar vou apresentar-me à Direcção de Programas, mas não me foi apresentado projecto algum.
Há censura na TPA?
«Eu não disse isso»
A CAPITAL - Ao menos chegou a ser ouvido pela TPA?
EB - Sim, fui ouvido pelo Gabinete Jurídico e pelo instrutor do processo, o colega Isidro Sanhanga.
A CAPITAL - Teve, então, uma oportunidade de esclarecer o que disse ser um mal-entendido...
EB - Na verdade a minha punição tem como base um artigo de opinião do Reginaldo, no jornal Angolense, foi com base naquele texto que fui obrigado a esclarecer se o que estava ali escrito era verdade ou mentira. Respondi apenas que aquilo era a opinião do Reginaldo.
A CAPITAL - E como o autor do texto, já conversou?
EB - Ainda não tive a oportunidade de conversar com o Reginaldo, de qualquer forma acho que é a opinião do Reginaldo, que eu respeito, acho que todos temos que respeitar a opinião dos outros, o que não podemos é usar determinado tipo de prerrogativas para sancionar um cidadão que só quer trabalhar e sustentar a sua família. Olhe que a minha família está um pouco afectada por causa disto, os meus filhos questionam, mas eu estou bem. Penso que o objectivo que se pretendeu atingir não teve sucesso, estou bem, estou mais forte ainda, vou voltar ao Telejornal mais cedo do que muita gente pensa. Mais de 20 anos de serviço «É muito tempo para ser punido assim»
A CAPITAL - O que foi que pensou quando que lhe havia sido instaurado um processo?
EB - A primeira coisa que pensei foi: de nada vale às vezes o sacrifício que a gente faz de deixar a família, de não olhar para sábados e domingos, de estarmos prontos para tudo e para todos para informarmos as pessoas, foi a primeira coisa que me ocorreu. Se até nos períodos mais difíceis, deste processo que estamos a seguir, estive pronto, dei a minha cara, nunca em situação nenhuma vacilei, hoje as pessoas me sancionam por causa de algo que não fiz. Eu não me senti triste, depois de ter saído, quando fui informado sobre situação, fui à igreja e saí de lá mais forte. Disse que o caminho de um filho de Deus está cheio de encalços, perante estas provas se solidifica o filho de Deus. Não sou apenas filho de Deus, sou um cidadão que quer dar o seu contributo para a causa que defende a paz, a reconciliação, o desenvolvimento. Sou um dos milhares de angolanos que pensa e concorda com o que, a propósito, disse o Presidente José Eduardo dos Santos.
A CAPITAL -E agora que saiu o veredicto, o que diz?
EB - O objectivo de quem organizou isto não foi atingido porque esta pessoa terá pensado erradamente que quatro meses seria o suficiente para que as pessoas se esquecessem do Ernesto. Não é isso que vai acontecer, até porque, pelo bem que representa a paz no nosso país, penso que sito não deve vincular nem o Governo, nem o partido que está no poder. O MPLA é o partido de milhares de cidadãos por esta Angola e fora dela, o MPLA é um partido de massas, é um partido de cidadãos que não se revêem muitas vezes em atitudes de algumas pessoas. O MPLA não são só os militantes, são também os seus simpatizantes, os seus amigos, pessoas que mesmo não dando a cara simpatizam-se com o partido. Por causa do bem que preservo, que é a paz, não quero que se vincule isso nunca ao MPLA. O partido não tem culpa de erros que são cometidos por algumas pessoas. Não quero ser mal interpretado. Devo dizer que nos últimos tempos, tenho sentido, na TPA, uma cultura de amizade, de camaradagem, de troca de troca de experiências, de abertura. O Director Geral da TPA tem sido uma pessoa que muito se tem batido pela união, para que se mostre aos telespectadores aquilo que se aprende na Universidade, neste aspecto, ele tem sido uma pessoa que nos aconselha bastante para cumprir estes princípios. «Recuso a cultura de andar em botequins a dizer mal dos outros»
A CAPITAL - Sente-se, de alguma forma, vítima da sua postura eqüidistante, deveras longe dos interesses partidários?
EB - Me defino como um homem de equilíbrios, não sou nem de esquerda, nem de direita. Aqui no país tenho direito ao meu espaço, da mesma forma como respeito quem é do MPLA, da UNITA, do PRS, porque eles têm os seus direitos. Somos todos poucos para aquilo que é a dimensão do país e para aquilo que a gente precisa. Se eu olhar para si e concluir que pensa horizontal - mas eu penso vertical - e exigir que deves pensar vertical como eu, então será extremamente complicado. Se eu sou vítima disto, não sabia. Quero simplesmente dizer que não sou nem de direita nem de esquerda, sou pelo equilíbrio. No meu trabalho sigo as regras daquilo que o meu patrão manda. Fora do meu trabalho, posso ter as minhas opiniões, sou livre de as ter, vou continuar tê-las. Não é por causa disto que eu tenho que ser visto como uma pessoa que não é de confiança.
A CAPITAL - Recusa, portanto, a subserviência como meio de ascensão profissional?
EB - Não sei se existem pessoas que se engraxam, não sei se existem pessoas, como se diz, lambe-botas, não sei se os há, só sei que sou um trabalhador. Trabalho para a TPA há muitos anos, a minha relação com o patronato tem que ser também de equilíbrio, de toma lá dá cá, eu presto um serviço e a TPA paga por isso. O resto, eu não preciso, porque eu sou pago, o meu salário é pago todos os meses, o que eu faço depois de sair da TPA é a minha vida particular. Se eu estiver a errar, só devo satisfações ao meu patrão, em função da linha editorial que ele, em princípio, preconiza, fora disto sou um cidadão comum, posso fazer o mesmo que fazem os outros, desde que esteja dentro daquelas regras socialmente aceites. Durante os 23 anos de trabalho penso que nunca tenha colocado em risco nem a pátria, nem a própria Televisão. Faço apenas o meu trabalho, não ando em botequins, não vou dizer mal do fulano, não tenho essa cultura. Se ela existe ou não posso confirmar, agora que eu não me revejo nisto de ir dizer mal dos outros, não. Acho que existem formas muito mais honestas de se ganhar a vida.
«Quero ser director da TPA»
A CAPITAL - Ao longo de 23 anos de experiência, o que mais lhe terá marcado, ao nível de telejornais, de entrevista ou mesmo de reportagens que fez?
EB - Tenho momentos inesquecíveis na minha vida profissional. É capaz de não acreditarem, mas olhem que já li durante oito meses telejornais todos os dias, sem Sábado, Domingo ou feriados. Este foi um destes momentos inesquecíveis da minha vida. A idéia que se tem lá fora é a de que o apresentador de telejornais só lê os textos que lhe dão. É uma idéia que também é levada por pessoas pouco esclarecidas. Hoje, a maior parte dos apresentadores do Telejornal são também os editores destes serviços. Portanto, a nossa actividade começa de manhã, às 08 horas e termina às 21h30 minutos. É muito cansativo Quando chegamos às 20h30 minutos, parte do trabalho que se faz é também da pessoa que está a apresentar.
A CAPITAL - Que reportagens guarda, afinal, na memória?
EB - Reportagens, fiz agora uma que deve concorrer agora ao prémio CNN África, estou a espera da classificação, que tem a ver com a batalha do Cuito Cuanavale. A televisão pediu-me para fazer a parte externa então fui à África do Sul, à Namíbia ver qual é a importância que dão a esta batalha, entreguei também este documentário ao prémio Maboque de Jornalismo, eu dificilmente faço reportagens, uma das reportagens mais recentes na qual trabalhei com muito afinco e dedicação foi precisamente esta do Cuito Cuanavale. Há também uma que me marcou muito e também fui sancionado por isso; tínhamos aqui em Angola uma empresa que tratava da vida dos cooperantes que tinha um balcão com frigoríficos ali no José Pirão, uma vez, na altura, o Director Francisco Simons mandou fazer esta reportagem. Fiz, denunciando a existência de muitos electrodomésticos numa altura em que o país vivia a escassez deste produto e isso valeu-me uma sanção. Mas naquela altura contra todas as expectativas o falecido Director assumiu qualquer tipo de erro na reportagem como sendo um erro da estação. Eu fui punido, mas na hora da defesa ele apareceu para me defender, dizendo que se eu cometi algum erro a estação também cometeu, senti-me reconfortante. A direcção assumiu como seu, o erro da reportagem.
A CAPITAL - Como vê a evolução do jornalismo angolano, olhando, com particular atenção, para a vertente televisiva?
EB - Já há muitos futuros ernestos bartolomeus por aí, por acaso tenho dois jovens que enviei para o CEFOJOR, um deles uma vez apareceu na TPA imitando o Ernesto, por acaso é um miúdo que vive atrás da casa da minha mãe. Não vale só ter boa voz, imitar bem o Ernesto, tem que aprender, conhecer as regras de como se faz televisão, como é que se chega ao nível que o Ernesto chegou. Hoje já, é verdade, e como disse no princípio, é um processo longo porque o Ernesto de hoje não é o de ontem, sou uma pessoa mais madura, encaro a Televisão de uma forma bem diferente que antes. Os resultados estão aí, fico muito feliz porque finalmente o mercado vai se abrir, quem não conseguir singrar na Televisão, vai fazê-lo na rádio, no jornal. O jornalismo angolano evolui bastante e está, digamos assim, a participar do processo de reconstrução nacional. O jornalismo angolano, sem excepção, está a participar do desenvolvimento da nação, e esta é a nossa função enquanto jornalistas. Também, e disséssemos só o bem estaríamos também a prestar um mau serviço, quando, às vezes, o jornal, a rádio assumem ou levantam determinada questão, o órgão de tutela, alvo de uma crítica, preocupa-se em saber o que se passou. É este pequeno pedaço que o jornalismo angolano está a colocar para a reconstrução desta nação que é de todos nós. Eu digo que estamos num bom caminho, precisamos ainda tecnicamente de continuar a estudar, estar a aprimorar os nossos conhecimentos, precisamos de saber cada vez mais aproximarmo-nos do nosso consumidor, mas penso que neste aspecto nós vamos dando passos positivos.
A CAPITAL - Aceitaria abraçar, se fosse convidado para isso, uma iniciativa privada no domínio da Televisão?
EB - Tenho pensado muito nisto, já apareceram muitas propostas, não as quero revelar, mas digo, para quem pensa que vou ficar, sem emprego que está enganado. Estou a estudar as propostas, mas digo-vos sinceramente, morro de amores pela TPA, amo o Telejornal. Gostaria de continuar na Televisão até atingir um dos objectivos que eu preconizo.
A CAPITAL - E qual é o objectivo?
EB - Um dia também ser Director da TPA. Por isso não quero deixar a TPA, embora existam algumas propostas. Desde que comecei a atender o telefone, até de rádio, não tenho experiência de jornal, acho que se um dia tivesse que trabalhar em jornal teria que reaprender tudo, mas estou preparado para aprender, só não erra quem não trabalha, se erro é porque trabalho. Espero que todos os erros que cometi sejam perdoados, tenho feito todos os possíveis para não errar, mesmo assim, errar é humano.
A CAPITAL - Algum dia, quem sabe, Ernesto Bartolomeu aceitaria emprestar o seu rosto a alguma campanha política?
EB - Nunca. Nunca, nunca, nunca. Há coisas que se conquistam, eu não devo misturar a televisão que me deu emprego, com política. Já disse, não me ligo em partido político nenhum, mas o que eu sinto pelo meu país é mais importante do que a política. Primeiro penso Angola, segundo penso Angola e em quinto penso 1º de Agosto, mas nunca fui sondado para fazer isto, para fazer política. Se alguém pensou nisto saiba que eu não aceito. O que construí durante este tempo é um patrimônio que quero passar para os jovens, quando terminar a minha licenciatura, quero dar aulas de televisão.
Em tempos deixou uma msg aqui http://aoescorrerdapena.blogspot.com/2008/02/do-lobito-ao-huambo-nova-lisboa.html
ResponderExcluire encontra lá a resposta. Ia fazer-lhe um convite,mas desisti perante tanta barreira para lhe escrever um mail.
Agradeço a sua visita e bom trabalho.
Victor Nogueira
Agradeço também ao seu comentário e à visita. Sucessos
ResponderExcluir