terça-feira, 23 de outubro de 2007

Por que meus artigos são extensos




"Mais velho, estes teus artigos "breves" fatigam e não têm piada nenhuma". "Texto bem grande...dá preguiça de ler. Serei sincero: não li até ao fim". "O professor Cangue pensa que este espaço é para dar aula de latim às pessoas". Essas foram algumas reações de leitores do club-k.net, sobre um de meus artigos.
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Tudo na vida tem um porquê. Os artigos assinados por Feliciano J.R. Cangüe são escritos por mim, o engenheiro, mas narrados por Feliciano J.R.Cangüe, um cidadão angolano, entre 22 a 25 anos, que está cursando o curso superior. Ele confabula com seu amigo da juventude, o Francisco Kuata Reis, da mesma idade, hoje de paradeiro incerto.
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Reis e Cangüe foram amigos por muito tempo. Foram grandes sonhadores. Na década de 80, para escaparem do serviço militar obrigatório, os dois ingressaram na Educação para lecionar. O Kuata Reis nomeado para cidade da Conda e o Cangüe para a cidade da Gabela (Amboim), cidade dos abacates, no Kuanza Sul.
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Todas as sextas-feiras, o Reis deslocava-se até Gabela. Lá os dois trocavam idéias sobre a vida. Analisavam as notícias veiculadas pelo jornal de Angola. Discutiam os Editoriais lidos por Francisco Simons no noticiário das 13 horas da Rádio Nacional, principalmente sobre os ataques da aviação sul-africana nas localidades de Ondjiva, Kahama, Xangongo etc. Discutiam também as veiculadas pela Rádio da África do Sul, que ia ao ar às 19h:30, pela Voz da América para África, rádio Alemanhã e, principalmente, a VORGAN.

Muitas vezes para a distração deles, liam matérias desportivas do JDM. Foi nessa época que conheceram grandes comunicadores como Graça Campos (isso ele mesmo). Uma das notícias mais comentaram foi a vitória do Desportivo da TAAG sobre D´Agosto, por dois a um, com golaços de Rola, em plena cidadela desportiva. O desporto local também entrava na ordem do dia: O Ara e Juventude da Gabela, Futebol Clube de Porto Amboim, e por que não falar do clássico entre as equipes dos Andorinhas e do Agro-Kilambas. O assunto que mais comentaram foi, sem dúvida, uma cena que ocorreu no jogo entre os Andorinhas e o Progresso de Sambizanga, no Sumbe, a contar para taça de Angola. Um dos jogadores do Progresso, era baixinho, ao marcar um gol, imprudentemente, ajoelhou-se bem em frente do jogador Salvador, vulgo Kakuti, dos Andorinhas. Este desferiu bem junto da região do olho esquerdo um pontapé que por um pouco não rachou a cabeça do Sambila ao meio. A política local também não fugia da agenda. Armando Dembo, comissário provincial, em visita a Quibala.

O sonho dos dois era sair de Angola, preferencialmente ir ao Brasil, para continuar seus estudos. Os encaminhamentos estavam difíceis. Nessa época, eles já tinham concluído a oitava classe. Não eram todas as sextas que o Reis conseguia viajar a Gabela, ou por falta de transporte ou para não chamar muito a atenção dos serviços de segurança. Nesses casos, a comunicação era feita através de cartas. Como as cartas eram enviadas ao portador e dizem os bons costumes que não se deve colar uma nessa situação, o recurso que utilizavam era fazer cartas extensas. Assim, se o tio, normalmente com segunda ou terceira classe resolvesse lê-la desistiria logo ao abri-la ou então se cansaria logo nos primeiros parágrafos. Normalmente é isso mesmo que acontece com pessoas que não têm muito costume de leitura.

Essa também era a maneira para neutralizar aqueles paramilitares da ODP (organização da defesa popular), que normalmente ficavam nos postos de controle, nas saídas e entradas das cidades. Eles adoravam pedir a "papel com foto". Procuravam ler tudo vissem: guia de marcha, mesmo de patas para o ar, B.I. (bilhete de identidade) que não era racista naquela época, até cartas de amor, isso caso não caísse nas mãos dos agentes da DISA (KGB angolana da época). A linguagem utilizada nas comunicações era coloquial, sem muito fomalismo: "eu me lembrei-me", mas com excesso de expressões no imperativo. Aquela linguagem de bons amigos. - "não acredite nisso". Passado algum tempo, entretanto, o jovem Cangüe foi transferido para o Sumbe, ficando mais próximo do CRM (Centro de recrutamento e mobilização) e afastando-se, naturalmente de seu amigo.

Mesmo com certas dificuldades, os encontros continuram a ocorrer. Houve uma semana em que o Reis deslocou-se até Sumbe. Foram dias de intensas discussões sobre Aristóteles e outros clássicos. Nos intervalos escutavam programas do emissor regional do Kuanza Sul, que por sinal eram bons programas. Pela manhã, o programa dirigido pelo mais velho Malaquias Chitunda. Voz que impunha respeito. Por volta das 12h:30 o noticiário local, dirigido por Neto Makandumba. Grande comunicador. Tinha também o programa do Nuno Leiria. Ainda do Sumbe, era possível acompanhar a programação do emissor regional do Lobito. Joaquim Viola ou o programa "Lobito cidade em marcha".

Num desses sábados ocorreu um jogo que ficou para a história dos dois. A vitória do Petro de Luanda sobre o Primeiro de Maio de Benguela por sete a seis, num sábado à noite. Aquilo mais parecia um jogo de Handebol. Aos domingos, se ligavam no programa "pio pió", até divertido e mais tarde surgiu os Kassulinhas da bola. Mas o melhor estava por vir: tarde desportiva. Acompanhar os jogos através das ondas do rádio, é muito sofrimento. Era golo de um lado golo do outro lado. De Benguela, Adão Gabriel; do Sumbe, Neto Makandumba; de Luanda Manuel Rabelais, Joaquim Gonçalves, Francisco Simons ou Mateus Gonçalves, o locutor preferido dos dois. Depois que os jogos terminavam, começava a angustiante resenha, ao som da música de Jean-Michel Jarret, um dos "fields". Era o domingão do rádio.

A primeira divisão, nessas épocas era animada pelas equipes como: Sassamba da lunda Sul, Welwitschia, Diabos Verdes, Sagrada Esperança, Desportivo da Chela, Ferroviário da Huila, Mambrôa, MCH do Uige, Acadêmica do Lobito, enfim.

Não demorou muito o Cangüe conseguiu a autorização para se ausentar do país para gozo de férias.(?!). A viagem às terras de José Sarney acabou separando os dois grandes amigos, embora por algum tempo mantivessem troca regular de correspondência.

Nessa época, o Brasil passava pelo processo de redemocratização. Foi curioso descobrir que uma das armas que os intelectuais brasileiros utilizaram para combater a ditadura militar é fazer textos extensos para cansar os "censores". Eles faziam censura prévia dos textos. Cansá-los mesmo. Dessa forma, ocorria caso interessantes. O livro era retirado de circulação depois de estar na segunda edição. É nesse momento que alguém se dava conta de um inconveniente contra o regime. Assim, escrever para um amigo desses não é possível ser preciso e lacônico.
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Artigo publicado no portal Club-k.net
Reproduzido pelo blog Muestrarios

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