terça-feira, 17 de abril de 2007

Não assuma o título de Doutor em vão


Por Feliciano J.R. Cangüe
Segunda versão (2008)

Hoje eu vou tentar desmistificar o título de “doutor”. As perguntas que procuraremos responder são as seguintes: que é, o que quer dizer afinal de contas esse bendito Doutorado (Brasil) ou Doutoramento (Portugal)? Como, quando e por que surgiu, quem por direito pode assim ser tratado? Por que muitos, quando passam a possuir o diploma universitário, se acham no direito de se auto-doutorar? Quando isso começou? É correto chamar de doutor a um professor universitário sem o Doutorado? Doutor é arrogante ou humilde?

Por que as secretárias de políticos, embaixadores ou empresários que não possuem formação superior os chamam de “doutores”? é certo? Por que os formados em Medicina e Direito podem antepor o Dr.? É ético? Que tipo de doutorado é esse? Afinal, doutor é título ou forma de tratamento ou as duas coisas? Por que no intimo de cada um, todos gostariam ser doutores?

Há poucos dias li um artigo de Reis Luís intitulado “Nós e a Doutormania”. Ele repudia veemente o uso indiscriminado do título doutoral: “Há muito me tem estado a enjoar a mania de chamar a tudo “sô Douitor”. O título de Doutor está a ser profusamente banalizado e profanado na nossa sociedade. É demais. Não resisto a esta doutormania, a essa forma indigesta de rotular o título de “Doutor” até os que nem sequer se matricularam alguma vez numa determinada Faculdade do mundo”.

É verdade que o título é muito profanado. Inclusive, já é utilizado como uma forma de segregar pessoas. Em muitos casos o seu uso denota, claramente, uma submissão social ou econômica de quem a utiliza. Esse é o caso, por exemplo, que uma secretária faz em relação ao político chefe, embaixador, hipócrita etc. A situação se agrava quando um (mesquinho e pobre) professor universitário, muitas vezes nem sequer possui o Mestrado, também exige que colegas ou alunos o chamem de doutor, em vez de nobre e honroso “Professor”.

Doutor, que vem de “doctor” que por sua vez procedente do vocábulo latino “docere” que quer dizer “ensinar”, é uma forma usual de tratamento que, supostamente, confere a seu portador maior distinção que um mero prenome de tratamento como Senhor. Identifica, mais particularmente, a posição profissional e social de seus portadores. Ainda da mesma família vem a palavra “douto” que quer dizer, sábio, instruído.

A palavra doutor, no sentido de sábio, culto é usada há muitos séculos. Na Bíblia Sagrada, por exemplo, encontramos o termo “doutores da lei” (os escribas e fariseus), referindo-se aos jurisconsultos que interpretavam a Lei de Moisés (Mateus 23: 1-7; 23-27). Um dos exemplos é encontrado no Livro de Lucas 2:46. Depois de ser procurado durante três dias, os pais de Jesus “o acharam no templo, sentado no meio dos “doutores”, ouvindo-o, e interrogando-o”.

Os primeiros doutores que se têm notícias foram, essencialmente, os padres da Igreja e algumas mulheres. Eles eram reverenciados pela importância de seus escritos. Esses escritos contribuíam para o entendimento das escrituras e, conseqüentemente, fortalecimento da fé. Assim, os primeiros títulos de doutor foram atribuídos aos filósofos (doctores sapientiae) entre os quais se destacam Santo Antônio, São Gerônimo, São João Crisóstomo, Santa Catarina de Sena, São Gerônimo, isso antes do surgimento da Universidade.

Surgimento da universidade
Historicamente, a Universidade surgiu na Idade Média, no final do século XI. Era uma instituição voltada para conservar e transmitir os ensinamentos, preparar Sacerdotes, profissionais de Direito e Medicina, áreas essas que a Igreja tinha especial interesse e responsabilidade.

A Universidade só surgiu porque, em certo período do século XI a Igreja romana percebeu focos universitários nascentes. Esses focos eram motivados pela crise de insatisfação de valorosos estudantes inconformados com a decadência de centros escolares e com o tipo de formação oferecido pelas escolas daquela época, em conseqüência do tipo de controle desempenhado pela cúria romana. Isso levou Frederico Barbaroxa garantir a Bolonha (em torno de 1190 -1200) vários privilégios, constituindo-se assim na primeira Universidade (como é atualmente concebida), embora o centro de estudos de Salerno remonte ao século XI. Assim, Universidade pressupõe um espaço físico, cultural, pedagógico e político, no qual, à luz de uma pluralidade de visões as catedrais do saber podem surgir, prosperar e confrontar-se livremente.

Nessa época, a palavra universidade era utilizada para designar qualquer assembléia corporativista, fosse ela de sapateiros, de carpinteiros, etc. Não existiam empresas, clubes e outras instituições variadas que fossem dotadas de personalidade jurídica como as que existem hoje. A maneira mais comum de pessoas que exerciam uma mesma atividade se agruparem era por meio dessas corporações. Assim, por exemplo, eram comuns as corporações de ofício, nas quais, em geral, tinha-se pelo menos duas categorias: a dos mestres e a dos aprendizes.

Dessa maneira, foi natural que a Universidade se organizasse como uma corporação (nação), ora de estudantes, como aconteceu na Universidade de Bolonha a “universitas scholarium” (grêmio de estudantes elegendo seu próprio reitor, definindo com os professores os ensinamentos de que tivessem necessidade etc.); ora de mestres, como aconteceu na Universidade de Paris “universitas magistrorum” (grêmio de professores licenciados), ou então de ambos, mestres e estudantes.

Desde a sua origem, acesso à universidade era restrito às pessoas economicamente bem situadas e para a formação do clero. Ela estava ligada à outorga de diploma aos filhos dos segmentos sociais abastados. Isso correspondia a um crescimento social do indivíduo, chegando mesmo a significar elevação do seu status social.

Na Universidade medieval, a legitimidade do poder de conceder títulos universitários, embora formalmente investido num representante como o Bispo ou o Príncipe, residia, em última análise, em congregações compostas pelos Mestres regentes. Este procedimento estava de acordo e era análogo ao que acontecia com os Bispos na Igreja Romana. Somente um Bispo tinha o poder de consagrar outro Bispo. Era a chamada sucessão apostólica. Da mesma maneira, os Mestres e Doutores na Universidade antiga compreendiam uma “sucessão apostólica” do saber, que é seguida, com modificações na Universidade moderna.

A rigor, o corpo docente da Universidade, constituído por seus Mestres ou Doutores, é que podia, em última análise, avaliar e legitimar a concessão de um grau universitário. Era uma tradição muito antiga, que remontava à época da criação da Universidade, que esta concessão fosse feita não pela Universidade, mas pelo poder religioso ou temporal que tivesse permitido o seu funcionamento.

A fundação das Universidades permitiu que a burguesia participasse de muitas das vantagens da nobreza e do clero, que até então lhe tinha sido negada. A conquista de um título universitário elevava o burguês praticamente ao nível da nobreza. Desde o momento em que ostentava orgulhosamente os signos da dignidade doutoral, ele já começava a ser considerado como um nobre. O doutorado se concedia com o capelo ou biretta sobre a cabeça do candidato, em ambiente solene e festivo.

Vale destacar que a Universidade medieval era formada por uma Faculdade Inferior (Artes), e por três Faculdades Superiores (Teologia, Medicina e Direito). Logo depois, acrescentou-se a Filosofia, que servia como curso básico da Medicina, do Direito e da Teologia, nesse caso, as “profissionalizantes”.

Dessa forma, os graus de doutor em Direito e doutor em Medicina são, portanto, graus propriamente universitários que se referem à profissões muito antigas com cerca de 900 anos de existência formal, que é a idade aproximada da Universidade. Por isso, por uma questão de tradição, os formados em Medicina e Direito podem antepor o “Dr” em seus nomes mesmo que não tenham defendido a tese Doutoral, principalmente por especial e espontânea deferência dos cidadãos.

Vale destacar que essa honraria não está no mesmo pé de igualdade ao doutorado acadêmico. No caso específico de Angola e dos demais países de expressão portuguesa, os advogados receberam mais uma ajuda, graças ao Alvará Régio, editado por D. Maria Pia (1825). Segundo esse Alvará os bacharéis em Direito passavam a ter o direito ao tratamento de “doutor”.

Os advogados mais fervorosos reivindicam que o “doutorado” em Direto está no mesmo pé de igualdade ao Doutorado acadêmico, uma vez que o indivíduo que exerce essa profissão, o bacharel em Direito, está constantemente defendendo teses perante juízes e tribunais. Dessa forma, se forem julgados procedentes suas razões, eles estão de um modo ou outro, aprovando suas teses, sobre os demais variados ramos do Direito. No entanto, acreditam que essa honraria só pode ser estendida aos demais possuidores de diploma superior, após a defesa da Tese Doutoral.

Em relação aos médicos, eles tiveram também um ajuda adicional do “doctor” (medical Doctor, em inglês, sinônimo de Médico). Assim, em muitos países se generalizou o tratamento de doutor ao médico, normalmente, por uma questão de respeito, entusiasmo e a própria prática de ofício.

Mestrado e doutorado
A educação medieval, baseou-se nas sete artes liberais: gramática, dialética (lógica) e retórica, formando a primeira parte ou “trϊvium”; música, aritmética, geometria e astronomia, formando a segunda parte ou “quadrϊvium”. O método de ensino empregado pelas universidades medievais era a “lectio” (preleção), a repetitio (aulas de revisão) e a “disputatio” (discussão ou exercício preparatório para a defesa pública de uma tese de doutoramento). O ensino era todo em latim.

Naquela época a única coisa de valor que a universidade dispunha para comercializar era o direito de ensinar. Nem todos podiam ensinar; apenas os membros plenos da Universidade tinham este direito. Para tornar-se um membro pleno, e, portanto, adquirir o direito de ensinar na Universidade ou em qualquer outro lugar, o indivíduo deveria receber o grau máximo da Universidade, que era o de MESTRE na Faculdade de Artes, ou o de DOUTOR nas Faculdades Profissionais (Teologia, Direito e Medicina).

Assim, ao receber o grau de Mestre ou Doutor, o indivíduo adquiria não só o direito, mas também a obrigação de ensinar, ainda que fosse apenas por um ano. Enquanto estivesse ensinando ele seria conhecido como mestre regente da Universidade. Caso parasse de ensinar, ainda continuava a ser membro da Universidade, contudo, passaria a categoria dos mestres não-regentes.

Para ser admitido na Universidade com o grau de Mestre ou de Doutor, o estudante tinha que realizar estudos aprofundados e submeter-se a muitas provas, primeiro na Faculdade de Artes e depois, se fosse o caso, numa das Faculdades Superiores. Para percorrer esse longo caminho, o candidato devia primeiro ser admitido na Universidade num grau inferior, chamado de bacharel. Foi dessa forma surgiu o uso de Doutor e Mestrado acadêmico, para designarem-se aqueles que tinham conquistado a licença para lecionar.

O primeiro título Doutoral outorgado por uma Universidade (a de Bolonha) foi concedido a um advogado "doctor legum" e depois a juristas (jus respondendi) ao lado dos “doctores es loix”, somente dado àqueles versados na ciência do Direito. Notem que eles tinham que defender a tese Doutoral. Os mestres de Bolonha eram chamados nos documentos de “nobiles viri et primarii cives” (homens nobres e cidadãos principais). Na vida corrente “domini legum”, (os senhores juristas). Os estudantes referiam-se ao mestre favorito como “dominus” meus, meu senhor, e esse título lembra os elos de vassalagem.

No século XIII, surgiram Doutorados em Medicina, Gramática, Lógica e Filosofia. Nos anos seguintes, depois do Doutorado em Direito (doctores canonum et decretalium), seguiu-se o Direito Canônico (doctores decretorum). Quando ocorreu a fusão dos dois passou-se a se chamar diplomados de “doctores utruisque júris”.

Ainda sobre os títulos, as Universidades modernas continuam a adotar substancialmente os graus da Universidade medieval (bacharel (Brasil), Licenciatura (Portugal), Mestre e Doutor). O bacharelado, no Brasil, é muitas vezes substituído pela licenciatura (licença para ensinar no ensino médio) ou por títulos profissionais como, por exemplo, Engenheiro, Administrador, Farmacêutico, etc.

Atualmente nos EUA em cursos como Engenharia, é atribuído o grau universitário de bacharel em engenharia e não o título de Engenheiro. Para se fazer um paralelo, temos uma situação idêntica no Brasil, em que as pessoas que cursam Direito recebem o grau de Bacharel em Direito e não o título de advogado.


Umas das formas para se diferenciar o doutorado acadêmico do “dr” dos usuários por posse violenta, Portugal, por exemplo, antepõe DOUTOR (com todas as letras). O países de fala inglesa, PhD ou D.Phil (Philosophy Doctor). O PhD (professor de Filosofia), normalmente é confundido com o Pós-doutorado, que é um estágio de luxo feito pelos professores ou pesquisadores em outras universidades. Os países de fala francesa (francófonos), adotam D.Sc (Docteur en Science) e o Docteurs de Letres. A Alemanha utiliza Dr. Philosophiae, o Dr. Rerum naturalium (Ciências naturais e exatas) e Dr. Rerum Politicarum (Ciências Sociais e Econômicas). O Brasil antepõe o Dr.

Nos países de fala inglesa, os médicos empregam o nome acompanhado da abreviatura M.D, isto é formado em medicina ou simplesmente médico.

Recentemente, para atender ao mercado, surgiu o tentador MBA (Master of Bussiness Administration), voltado para a preparação de executivos para capacitá-los nas habilidades gerenciais.

No meio acadêmico, só se chama Doutor, ao notável que defendeu sua Tese doutoral (não mestrado) diante de uma banca, numa cerimônia solene e pública. Os bons costumes recomendam ainda que, na oralidade, no meio acadêmico, se trate o professor com o título de Doutor de, simplesmente, PROFESSOR; mas quando o tratamento é por escrito deve ser "Professor Doutor".

Ainda no meio acadêmico, normalmente tem-se notado muita confusão quanto à utilização dos termos Tese, Dissertação e Monografia, talvez pelo fato de termos uma Universidade muito jovem.

Quem que faz o trabalho de conclusão do curso, normalmente diz que está escrevendo sua “tese”. Isso não está correto. É Tese quando se tratar de um trabalho de Doutorado. Isso envolve uma contribuição inovadora e original para o progresso do conhecimento numa determinada área do saber. Defender uma Tese pressupõe estar apto para realizar trabalho científico independente. Até hoje não se conhece nenhuma universidade que foi capaz de dar esse preparo a seus alunos, sejam eles formados em Medicina, Direito, Letras etc. Diz-se Dissertação para trabalhos de mestrado e, monografia para trabalho do final do curso ou outros.

Vale aqui registrar que, as universidades também concedem o título de Doutor "honoris causa". Este título é concedido por motivo honorífico a qualquer personalidade que tenha ou não formação acadêmica. Infelizmente em nosso tempo esse título, inexplicavelmente, é concedido, insistentemente, a políticos (!).

Recentemente, muitos países têm baixado decretos para doutorar piamente, certas categorias de profissionais. Este é o caso dos Enfermeiros que, nesses países, já é permitido que anteponham o “doutor”. É fundamental observar se o que a lei permite é ético ou não. (Muitas vezes me pergunto: para quem já foi capaz de fazer uma graduação, o que lhe custaria fazer Mestrado (2 anos) e Doutorado (4 anos) e depois nem faria questão de lhe chamem de doutor?).

Pessoalmente, eu não sei por que tanta obsessão pelo título de doutor, uma vez que “tudo que o doutor sabe é não sabe nada”, conforme disse Sócrates. Num bom português, Sócrates estava afirmando que quanto mais aprendemos, maior será a percepção daquilo que sabemos e daquilo que precisamos saber. Importante, Doutorado implica em erudição, sabedoria, humildade, profundo conhecedor de uma determinada área do saber.

Como considerações finais, devo dizer que hoje temos Doutores e doutores. O verdadeiro DOUTOR não exige, mas deposita sapiência, humildade e gostos refinados. O verdadeiro Doutor não faz muita, aliás, nenhuma questão que os outros assim o tratem. Só os amadores. Infelizmente, na nossa sociedade, parece que quanto mais o indivíduo está no amadorismo, mais quer mostrar superioridade. Isso tudo não passa de vaidade. Já dizia o sábio “Tudo é vaidade”. As pessoas devem se valorizar por tudo que são capazes de desenvolver e não por uma mera anteposição de doutor.

Ignorância não combina com pessoa graduada. O S.R Marks no livro “Ruptura da Mente” escreve: “A ignorância é, de todos os males, o mais fácil de ser superado, mas também o menos enfrentado”.

No seu livro “Janelas para a Vida” (2006) pág. 84, Alejandro Bullón dá um conselho muito sensato que se aplica ao tema aqui abordado: “mostre como (você) é. Seja você mesmo. Não aparência. É trágico andar pela vida mostrando ter ou saber muito, quando, deitado na cama, olhando para o teto, você sente a dor profunda de saber que é pobre e ignorante. Viver na vida de mentira não é viver. Seus pés pisam nas nuvens. Longe da realidade. Você sofre a irrealidade de uma história que inventou; alimenta-se em público, dos aplausos e da admiração que as pessoas oferecem ao personagem que você criou, mas que não existe. Quando se encontra só na recâmara de sua própria alma, de onde não pode fugir, olha-se no espelho da realidade e vê o quando grotesco de uma história em quadrinhos, sem vida e, paradoxalmente, com muita dor, vazio e desespero”.

Referências bibliográficas:
ASSAD, Elias Mattar. Advogado é doutor... Jornal Estado do Paraná, 13 de Abril de 2007.
CARNEIRO, David. Educação-Universidade: História da primeira universidade do Brasil. Curitiba: UFPR, 1972. 204p.
DAVIDOVICH, Luiz. Ensino superior no Brasil: desafio para o século 21. Ciência Hoje, v. 36, abr., p.23-27, 2005.
Gilberto Scarton. Todos Nós Somos Doutores. Disponível na internet. http://www.pucrs.br/manualred/textos/texto8.php Acesso 7 de maio 2007.
KHÔI, Lê Thành. A Indústria do ensino. Porto: Companhia Editora do Minho, 1970.
LUÍS, Reis. “Nós e a Doutormania”, Club-k.net, 08 de Maio de 2006. Disponível em: http://www.club-k.net. Acesso: 7 de maio de 2007.
SILVA NETO, P. P. Significado da cerimônia de colação de grau. Belo Horizonte: UFMG, Demet, 1999.
Primeira varsão:
Fonte: Club-k.net 07 de Maio de 2007
Feliciano J.R. Cangüe
“Por tradição, só tratamos de doutor aos formados em Direito e Medicina”

Hoje eu vou tentar desmistificar o título de “doutor”. O que é, o que quer dizer afinal de contas esse bendito Doutorado (Brasil) ou Doutoramento (Portugal)? Como, quando e por que surgiu, quem por direito pode assim ser tratado? Por que muitos, quando passam a possuir o diploma universitário, se acham no direito de se auto-doutorar? Quando isso começou?

(Essa é uma maneira que encontrei para não comentar nada sobre política, para a felicidade de muitos। Dá a sensação de que nós, os da diáspora, só sabemos criticar e não sabemos mais fazer outras coisas. Tudo porque é difícil encontrar algo para ser elogiado. No nosso país é assim: para cada um que acelera, aparece alguém que pisa nos freios. Para cada um que empurra tem sempre quem segura; para cada um busca o bom senso, há outro procurando atrito. Um vê solução outro vê problema. O Presidente da CNE já disse que as eleições serão mesmo em 2008, aparece alguém com medo das eleições. Chuva? Desde 2002 ninguém sabe que esse fenômeno sempre ocorre? Uns procuram uma equipe entrosada, com defesa, meio de campo que rola bem a bola e ataque eficiente, outros defendem uma equipe que entra em campo, faz aquecimento, jogadores dão voltas, se reúnem, conversam e se retiram do campo. Um jogo que nunca acontece. Ultimamente tem-me dado vontade de ficar debaixo de um limoeiro e derramar lágrimas bem azedas, aquele sumo de limão sem açúcar. A nossa política cheira muito mal. Um cheiro de vergonha que se aproveita da ignorância do povo para desfilar as vaidades, com a finalidade de esconder o absurdo da incompetência, lentidão administrativa, desrespeito e corrupção. O que salvou a minha segunda, dia 7 de maio, um dia depois de vitória de Sarkozy foi o artigo de Walter Pinto Leite “existem leis que para mim são um autêntico absurdo”. De resto é só lá, blá, blá. Vamos então para o que interessa).

Eu fiquei grilado em saber, da Diretoria Nacional do Ensino Geral, do Ministério da Educação de Angola de que temos, praticamente, num bom português, professores de “aluguel” (poucos leram essa notícia)। Professores sem a preparação pedagógica para o exercício dessa nobre profissão. Professores que não conhecem Jean Piaget, Lev Semionovitch Vygotsky, Paulo Freire, Emília Ferreira, Maria Montessori, Freud, Skinner, Pavlov, John Watson (Behaviorismo) e outros. Professores recrutados na Praça Roque Santeiro, às pressas. O país está caminhando para um abismo ou melhor já estamos caindo nas fossas cavadas por anos.

Um dos resultados práticos está ai। Muitos, quando possuem dinheiro ou um simples diploma universitário, se auto-doutoram (na terra de cegos, Camões é Rei). Outros adotam extremos: se vêm no direito de chamar de “burro” a qualquer um. Isso é um grande equívoco. A situação se torna insuportável quando, por exemplo, um indivíduo cursa apenas o terceiro ano de uma Faculdade, prepotentemente, empina o nariz e começa a exigir que lhe chamem de doutor. O que falar daqueles que falsificam o diploma?

Em seu artigo intitulado “Nós e a Doutormania”, Reis Luís também repudia veemente o uso indiscriminado do título doutoral: “Há muito me tem estado a enjoar a mania de chamar a tudo “sô Douitor”। O título de Doutor está a ser profusamente banalizado e profanado na nossa sociedade. É demais. Não resisto a esta doutormania, a essa forma indigesta de rotular o título de “Doutor” até os que nem sequer se matricularam alguma vez numa determinada Faculdade do mundo”.

É verdade que o título é muito profanado। Inclusive, hoje, já é utilizado como uma forma de segregar pessoas. Em muitos casos o seu uso denota, claramente, uma submissão social ou econômica de quem a utiliza. Esse é o caso, por exemplo, que uma secretária faz em relação ao político chefe, embaixador, hipócrita etc. A situação se agrava quando um (mesquinho e pobre) professor universitário, muitas vezes nem sequer possui o Mestrado, também exige que colegas ou alunos o chamem de doutor, em vez de nobre e honroso “Professor”.

Eu, particularmente, me sinto muito a vontade em abordar esse assunto, primeiro por não ser Doutor। Dessa maneira não irei “legislar” em causa própria, como fazem os políticos. No passado eu já abordei esse assunto, inclusive fragmentos desse trabalho circularam pela internet. O público da Internet se renova. Seja como for, nunca é demais voltar à mesma tecla porque senão tudo cai no esquecimento. Como já disse no passado, o esquecimento é a influência maligna causada pelo fator tempo. A durabilidade de uma religião está baseada na repetição dos seus ensinamentos. Se não houvesse essa repetição contínua, a fé iria desaparecer aos poucos.

Doutor é uma forma usual de tratamento que, supostamente, confere a seu portador maior distinção que um mero prenome de tratamento como Senhor। Identifica, mais particularmente, a posição profissional e social de seus portadores. No entanto ela vem de “doctor” que por sua vez procedente do vocábulo latino “docere” que quer dizer “ensinar”. Ainda da mesma família vem a palavra “douto” que quer dizer, sábio, instruído.

A palavra doutor, no sentido de sábio, culto é usada há muitos séculos। Na Bíblia Sagrada, por exemplo, encontramos o termo “doutores da lei” (os escribas e fariseus), referindo-se aos jurisconsultos que interpretavam a Lei de Moisés (Mateus 23: 1-7; 23-27). Um dos exemplos é encontrado no Livro de Lucas 2:46. Depois de ser procurado durante três dias, os pais de Jesus “o acharam no templo, sentado no meio dos “doutores”, ouvindo-o, e interrogando-o”. O sábio que transmitia conhecimento aos discípulos (alunos) era mestre. Nesse caso, os mestres eram homens especializados no estudo e na explicação da lei. Por isso que ninguém chamou de doutor a Jesus, mas Mestre. Em Mateus 19:16, o jovem rico disse: “Mestre, (referindo-se a Jesus e não doutor) que farei para conseguir a vida eterna?

Na nossa era, os primeiros doutores que se têm notícias foram, essencialmente, os padres da Igreja e algumas mulheres। Eles eram reverenciados pela importância de seus escritos. Esses escritos contribuíam para o entendimento das escrituras e, consequentemente, fortalecimento da fé. Assim, os primeiros títulos de doutor foram atribuídos aos filósofos (doctores sapientiae) entre os quais se destacam Santo Antônio, São Gerônimo, São João Crisóstomo, Santa Catarina de Sena, isso antes do surgimento da Universidade.

Historicamente, a Universidade surgiu na Idade Média, no final do século XI। Era uma instituição voltada para conservar e transmitir os ensinamentos, preparar Sacerdotes, profissionais de Direito e Medicina, áreas essas que a Igreja tinha especial interesse e responsabilidade.

A Universidade só surgiu porque, em certo período do século XI a Igreja romana percebeu focos universitários nascentes। Esses focos eram motivados pela crise de insatisfação de valorosos estudantes inconformados com a decadência de centros escolares e com o tipo de formação oferecido pelas escolas daquela época, em conseqüência do tipo de controle desempenhado pela cúria romana. Isso levou Frederico Barbaroxa garantir a Bolonha (em torno de 1190 -1200) vários privilégios, constituindo-se assim na primeira Universidade (como é atualmente concebida), embora o centro de estudos de Salermo remonte ao século XI. Assim, Universidade pressupõe um espaço físico, cultural, pedagógico e político, no qual, à luz de uma pluralidade de visões as catedrais do saber podem surgir, prosperar e confrontar-se livremente.

Nessa época, a palavra universidade era utilizada para designar qualquer assembléia corporativista, fosse ela de sapateiros, de carpinteiros, etc। Não existiam empresas, clubes e outras instituições variadas que fossem dotadas de personalidade jurídica como as que existem hoje. A maneira mais comum de pessoas que exerciam uma mesma atividade se agruparem era por meio dessas corporações. Assim, por exemplo, eram comuns as corporações de ofício, nas quais, em geral, tinha-se pelo menos duas categorias: a dos mestres e a dos aprendizes.

Dessa maneira, foi natural que a Universidade se organizasse como uma corporação (nação), ora de estudantes, como aconteceu na Universidade de Bolonha a “universitas scholarium” (grêmio de estudantes elegendo seu próprio reitor, definindo com os professores os ensinamentos de que tivessem necessidade etc।); ora de mestres, como aconteceu na Universidade de Paris “universitas magistrorum” (grêmio de professores licenciados), ou então de ambos, mestres e estudantes.

Desde a sua origem, acesso à universidade era restrito à pessoas economicamente bem situadas e para a formação do clero। Ela estava ligada à outorga de diploma aos filhos dos segmentos sociais abastados. Isso correspondia a um crescimento social do indivíduo, chegando mesmo a significar elevação do seu status social.

Na Universidade medieval, a legitimidade do poder de conceder títulos universitários, embora formalmente investido num representante como o Bispo ou o Príncipe, residia, em última análise, em congregações compostas pelos Mestres regentes। Este procedimento estava de acordo e era análogo ao que acontecia com os Bispos na Igreja Romana. Somente um Bispo tinha o poder de consagrar outro Bispo. Era a chamada sucessão apostólica. Da mesma maneira, os Mestres e Doutores na Universidade antiga compreendiam uma “sucessão apostólica” do saber, que é seguida, com modificações na Universidade moderna.

A rigor, o corpo docente da Universidade, constituído por seus Mestres ou Doutores, é que podia, em última análise, avaliar e legitimar a concessão de um grau universitário। Era uma tradição muito antiga, que remontava à época da criação da Universidade, que esta concessão fosse feita não pela Universidade, mas pelo poder religioso ou temporal que tivesse permitido o seu funcionamento.

A fundação das Universidades permitiu que a burguesia participasse de muitas das vantagens da nobreza e do clero, que até então lhe tinha sido negada। A conquista de um título universitário elevava o burguês praticamente ao nível da nobreza. Desde o momento em que ostentava orgulhosamente os signos da dignidade doutoral, ele já começava a ser considerado como um nobre. O doutorado se concedia com o capelo ou biretta sobre a cabeça do candidato, em ambiente solene e festivo.

Vale destacar que a Universidade medieval era formada por uma Faculdade Inferior (Artes), e por três Faculdades Superiores (Teologia, Medicina e Direito)। Logo depois, acrescentou-se a Filosofia, que servia como curso básico da Medicina, do Direito e da Teologia, nesse caso, as “profissionalizantes”.

Dessa forma, os graus de doutor em Direito e doutor em Medicina são, portanto, graus propriamente universitários que se referem à profissões muito antigas com cerca de 900 anos de existência formal, que é a idade aproximada da Universidade।

Assim, por uma questão de tradição, os formados em Medicina e Direito podem antepor o Dr em seus nomes mesmo que não tenham defendido a tese Doutoral, principalmente por especial e espontânea deferência dos cidadãos। Vale destacar que essa honraria não está no mesmo pé de igualdade ao doutorado acadêmico. No caso específico de Angola e dos demais países de expressão portuguesa, os advogados receberam mais uma ajuda, graças ao Alvará Régio, editado por D. Maria Pia (1825). Segundo esse Alvará os bacharéis em Direito passavam a ter o direito ao tratamento de “doutor”.

Os advogados mais fervorosos reivindicam que o “doutorado” em Direto está no mesmo pé de igualdade ao Doutorado acadêmico, uma vez que o indivíduo que exerce essa profissão, o bacharel em Direito, está constantemente defendendo teses perante juízes e tribunais। Dessa forma, se forem julgados procedentes suas razões, eles estão de um modo ou outro, aprovando suas teses, sobre os demais variados ramos do Direito.

No entanto, essa honraria só pode ser estendida aos demais possuidores de diploma superior, após a defesa da Tese Doutoral.

Em relação aos médicos, eles tiveram também um ajuda adicional do “doctor” (medical Doctor, em inglês, sinônimo de Médico)। Assim, em muitos países se generalizou o tratamento de doutor ao médico, normalmente, por uma questão de respeito, entusiasmo e a própria prática de ofício.

Mestrado e doutorado

A educação medieval, baseou-se nas sete artes liberais: gramática, dialética (lógica) e retórica, formando a primeira parte ou trϊvium; música, aritmética, geometria e astronomia, formando a segunda parte ou quadrϊvium॥ O método de ensino empregado pelas universidades medievais era a lectio (preleção), a repetitio (aulas de revisão) e a disputatio (discussão ou exercício preparatório para a defesa pública de uma tese de doutoramento)। O ensino era todo em latim.

Naquela época a única coisa de valor que a universidade dispunha para comercializar era o direito de ensinar. Nem todos podiam ensinar; apenas os membros plenos da Universidade tinham este direito. Para tornar-se um membro pleno, e, portanto, adquirir o direito de ensinar na Universidade ou em qualquer outro lugar, o indivíduo deveria receber o grau máximo da Universidade, que era o de MESTRE na Faculdade de Artes, ou o de DOUTOR nas Faculdades Profissionais (Teologia, Direito e Medicina).

Assim, ao receber o grau de Mestre ou Doutor, o indivíduo adquiria não só o direito, mas também a obrigação de ensinar, ainda que fosse apenas por um ano. Enquanto estivesse ensinando ele seria conhecido como mestre regente da Universidade. Caso parasse de ensinar, ainda continuava a ser membro da Universidade, contudo, passaria a categoria dos mestres não-regentes.

Para ser admitido na Universidade com o grau de Mestre ou de Doutor, o estudante tinha que realizar estudos aprofundados e submeter-se a muitas provas, primeiro na Faculdade de Artes e depois, se fosse o caso, numa das Faculdades Superiores. Para percorrer esse longo caminho, o candidato devia primeiro ser admitido na Universidade num grau inferior, chamado de bacharel. Foi dessa forma surgiu o uso de Doutor e Mestrado acadêmico, para designar-se aqueles que tinham conquistado a licença para lecionar.

O primeiro título Doutoral outorgado por uma Universidade (a de Bolonha) foi concedido a um advogado "doctor legum" e depois a juristas (jus respondendi) ao lado dos “doctores” es loix, somente dado àqueles versados na ciência do Direito। Notem que eles tinham que defender a tese Doutoral. Os mestres de Bolonha eram chamados nos documentos de nobiles viri et primarii cives (homens nobres e cidadãos principais). Na vida corrente domini legum, (os senhores juristas). Os estudantes referiam-se ao mestre favorito como dominus meus, meu senhor, e esse título lembra os elos de vassalagem.

No século XIII, surgiram Doutorados em Medicina, Gramática, Lógica e Filosofia. Nos anos seguintes, depois do Doutorado em Direito (doctores canonum et decretalium), seguiu-se o Direito Canônico (doctores decretorum). Quando ocorreu a fusão dos dois passou-se a se chamar diplomados de “doctores utruisque júris”.

Ainda sobre os títulos, as Universidades modernas continuam a adotar substancialmente os graus da Universidade medieval (bacharel (Brasil), Licenciatura (Portugal), Mestre e Doutor). O bacharelado, no Brasil, é muitas vezes substituído pela licenciatura (licença para ensinar no ensino médio) ou por títulos profissionais como, por exemplo, Engenheiro, Administrador, Farmacêutico, etc.

Atualmente nos EUA em cursos como Engenharia, é atribuído o grau universitário de bacharel em engenharia e não o título de Engenheiro. Para se fazer um paralelo, temos uma situação idêntica no Brasil, em que as pessoas que cursam Direito recebem o grau de Bacharel em Direito e não o título de advogado.

Umas das formas para se diferenciar o doutorado acadêmico do “dr” dos usuários por posse violenta, Portugal, por exemplo, antepõe DOUTOR (com todas as letras). O países de fala inglesa, PhD ou D.Phil (Philosophy Doctor). O PhD (professor de Filosofia), normalmente é confundido com o Pós-doutorado, que é um estágio de luxo feito pelos professores ou pesquisadores em outras universidades. Os países de fala francesa (francófonos), adotam D.Sc (Docteur en Science) e o Docteurs de Letres. A Alemanha utiliza Dr. Philosophiae, o Dr. Rerum naturalium (Ciências naturais e exatas) e Dr. Rerum Politicarum (Ciências Sociais e Econômicas). O Brasil antepõe o Dr.

Nos países de fala inglesa, os médicos empregam o nome acompanhado da abreviatura M.D (medical degree), isto é formado em medicina ou simplesmente médico.

Recentemente, para atender ao mercado, surgiu o tentador MBA (Master of Bussiness Administration), voltado para a preparação de executivos para capacitá-los nas habilidades gerenciais.

No meio acadêmico, só se chama Doutor, ao notável que defendeu sua Tese doutoral (não mestrado) diante de uma banca, numa cerimônia solene e pública. Os bons costumes recomendam ainda que, na oralidade, no meio acadêmico, se trate o professor com o título de Doutor de, simplesmente, PROFESSOR; mas quando o tratamento é por escrito deve ser "Professor Doutor".

Ainda sobre o meio acadêmico, normalmente tem-se notado muita confusão quanto à utilização dos termos Tese, Dissertação e Monografia, talvez pelo fato de termos uma Universidade muito jovem.

Quem que faz o trabalho de conclusão do curso, normalmente diz que está escrevendo sua “tese”. Isso não está correto. É Tese quando se tratar de um trabalho de Doutorado. Isso envolve uma contribuição inovadora e original para o progresso do conhecimento numa determinada área do saber. Defender uma Tese pressupõe estar apto para realizar trabalho científico independente. Até hoje não se conhece nenhuma universidade que foi capaz de dar esse preparo a seus alunos, sejam eles formados em Medicina, Direito, Letras etc. Diz-se Dissertação para trabalhos de mestrado e, monografia para trabalho do final do curso ou outros.

Vale aqui registrar que, as universidades também concedem o título de Doutor "honoris causa". Este título é concedido por motivo honorífico a qualquer personalidade que tenha ou não formação acadêmica. Infelizmente em nosso tempo esse título, inexplicavelmente, é concedido, insistentemente, a políticos (!).

Recentemente, muitos países têm baixado decretos para doutorar piamente, certas categorias de profissionais. Este é o caso dos Enfermeiros que, nesses países, já é permitido que anteponham o “doutor”. É fundamental observar se o que a lei permite é ético ou não. ( Muitas vezes me pergunto: para quem já foi capaz de fazer uma graduação, o que lhe custaria fazer Mestrado (2 anos) e Doutorado (4 anos) e depois nem faria questão de lhe chamem de doutor?).

Pessoalmente, eu não sei por que tanta obsessão pelo título de doutor, uma vez que “tudo que o doutor sabe é não sabe nada”, conforme disse Sócrates. Num bom português, Sócrates estava afirmando que quanto mais aprendemos, maior será a percepção daquilo que sabemos e daquilo que precisamos saber. Importante, Doutorado implica em erudição, sabedoria, humildade, profundo conhecedor de uma determinada área do saber.

Como considerações finais, devo dizer que hoje temos Doutores e doutores. O verdadeiro DOUTOR não exige, mas deposita sapiência, humildade e gostos refinados. O verdadeiro Doutor não faz muita, aliás, nenhuma questão que os outros assim o tratem. Só os amadores. Infelizmente, na nossa sociedade, parece que quanto mais o indivíduo está no amadorismo, mais quer mostrar superioridade. Isso tudo não passa de vaidade. Já dizia o sábio “Tudo é vaidade”. As pessoas devem se valorizar por tudo que são capazes de desenvolver e não por uma mera anteposição de doutor.

Ignorância não combina com pessoa graduada. O S.R Marks no livro “Ruptura da Mente” escreve: “A ignorância é, de todos os males, o mais fácil de ser superado, mas também o menos enfrentado”.

No seu livro “Janelas para a Vida” (2006) pág. 84, Alejandro Bullón dá um conselho muito sensato que se aplica ao tema aqui abordado:

“mostre como (você) é. Seja você mesmo. Não aparência. É trágico andar pela vida mostrando ter ou saber muito, quando, deitado na cama, olhando para o teto, você sente a dor profunda de saber que é pobre e ignorante. Viver na vida de mentira não é viver. Seus pés pisam nas nuvens. Longe da realidade. Você sofre a irrealidade de uma história que inventou; alimenta-se em público, dos aplausos e da admiração que as pessoas oferecem ao personagem que você criou, mas que não existe. Quando se encontra só na recâmara de sua própria alma, de onde não pode fugir, olha-se no espelho da realidade e vê o quando grotesco de uma história em quadrinhos, sem vida e, paradoxalmente, com muita dor, vazio e desespero”.

Notas:ASSAD, Elias Mattar। Advogado é doutor... Jornal Estado do Paraná, 13 de Abril de 2007.CARNEIRO, David. Educação-Universidade: História da primeira universidade do Brasil. Curitiba: UFPR, 1972. 204p.DAVIDOVICH, Luiz. Ensino superior no Brasil: desafio para o século 21. Ciência Hoje, v. 36, abr., p.23-27, 2005.Gilberto Scarton. Todos Nós Somos Doutores. Disponível na internet. http://www.pucrs.br/manualred/textos/texto8.php Acesso 7 de maio 2007.KHÔI, Lê Thành. A Indústria do ensino. Porto: Companhia Editora do Minho, 1970.LUÍS, Reis. “Nós e a Doutormania”, Club-k.net, 08 de Maio de 2006. Disponível em: http://www.club-k.net. Acesso: 7 de maio de 2007.SILVA NETO, P. P. Significado da cerimônia de colação de grau. Belo Horizonte: UFMG, Demet, 1999.


Publicado originalmente no portal Club-k.net em 7 de Maio de 2007
Publicado também na REVISTAKUIA.COM



.
Artigo relacionado:
Manifesto futurista da Universidade de Angola (I)
Postado por Feliciano J.R. Cangue
Terça-feira, Agosto 28, 2007


segunda-feira, 9 de abril de 2007

Havemos de votar




Depois de merecidas férias, voltei. Estou separando uma hora para elogiar. É isso mesmo. Elogiar! Num país onde muitos acham que a solução de todos os problemas é o controle do Estado, onde os comunas só pensam no poder pelo poder, sonham em ficar no poder durante os próximos sessenta anos e para tal fazem de tudo para manobrar a máquina, no país onde as forças do atraso se organizam para impedir o progresso de Angola, temos que elogiar todas as iniciativas que quebrem esses paradigmas.

Desculpem a ousadia, mas o meu elogio dirige-se ao Presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) que recentemente falou para a Voz da América, lá em Washington onde participou da Conferência Mundial das Organizações Eleitorais. Eu já falei tanto da CNE, Comissão Intersetorial, Comissão Interministerial para o processo eleitoral, etc. Eu não tenho nada contra eles. Não. O Juiz Caetano de Souza não leu nenhum discurso. Não. Ele simplesmente afirmou o óbvio. Ele disse a verdade: “Se tivéssemos uma data indicativa, teríamos que tirar a gente de Luanda para prestar serviço nas províncias onde tivemos dificuldades”. Ele vai mais além: “em 1992 tínhamos os prazos definidos, e por isso estávamos em posição de criarmos as condições”.

Há um ano eu escrevi isso. Quase fui imolado. Chamaram-me de Taliban cultural e muitos outros nomes feios. Releiam um dos trechos que escrevi inspirado em Max Gehringer: “...Os engenheiros e administradores conhecemos bem a lei do Engenheiro Cyril Northcote Parkinson (1909-1993) que afirma: “Todo trabalho se expande até preencher o tempo disponível para a sua realização”. A aplicação prática dessa lei pode ser vista todos os dias em todo lugar. Qualquer pessoa provavelmente já percebeu que caso tenha dez minutos para escrever um relatório, levará dez minutos para fazê-lo. E, se tiver uma semana, levará uma semana para fazer a mesma coisa.

Um outro exemplo que pode ser visto é quando damos uma tarefa simples a um funcionário com bastante tempo livre. O funcionário começará mandando e-mails, em seguida irá convocar reuniões e envolver outras áreas em seu trabalho. Depois começará a participar de cursos, e como terá que viajar e escrever o relatório irá requisitar um assistente, uma secretária, um revisor de textos e uma viatura para aumentar atrapalhar mais o trânsito (de Luanda). Se o processo não for interrompido em pouco tempo, uma tarefa simples pode se transformar em um departamento inteiro, cheio de gente querendo expandir o seu trabalho, delegando responsabilidades, até preencher o tempo disponível. No nosso caso de Angola se, por exemplo, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) não determinar um prazo para que os gabinetes provinciais, municipais e comunais sejam instalados, isso dificilmente irá ocorrer, congestionando assim todo processo eleitoral gerando assim ansiedade e tensões de natureza política em diversas partes do país...”, assim por diante.


Num bom português (o português popular), o presidente da Comissão Nacional Eleitoral e ao mesmo tempo Juiz do Supremo (!) disse que se dependesse deles e se alguma data fosse marcada, eles não teriam problemas em cumprir tais prazos. Isso é verdade. Dessa forma, nós podemos generalizar essa fala.


Assim, surgem as primeiras indagações: por que não marcar então a data das tais eleições? Por que de tanto suspense, se já sabemos que a copa do mundo de futebol de 2010 será na África do Sul? Por que angolanos na diáspora não poderão votar, nos nivelando assim com Timor Leste que se tornou independente ontem?


A banda podre do MPLA não tem interesse em marcar a data de eleições porque o partido está em crise. A crise de identidade. Ninguém deve se preocupar com isso. Qualquer empresa, casamento etc. passa por essa fase. Algumas empresas conseguem superar essa fase e conseguem seguir adiante ou surgem as rupturas. Para encobrir isso estão tentando provocar a todos e a tudo, principalmente o enfraquecimento de outros partidos.


É fácil constatar isso. O MPLA começou com 30 mil filiados, nos anos 70, e hoje, acreditam possuir 2 milhões (?). Só que esse crescimento não foi sustentável. O sistema que se criou é concentrador e não distribui renda. Quantos filhos desses 2 milhões podem ter os Jeeps de gama? O resultado está aí: muitas pessoas andam se prevenindo contra captura internacional. Além disso, os sinais de ruptura e insubordinação já são visíveis. Há poucos dias um deputado, do MPLA, do bem, daquele saudoso MPLA que pregava que a exploração do homem pelo homem acabaria em Angola, que combatia a pequena burguesia e a corrupção, lembram? Pois é. O deputado perdeu paciência e começou a cobrar eleições. É isso mesmo.


– Todos os países da nossa região realizam eleições periodicamente inclusive a RDC (República Democrática do Congo) e nós não...


Ele descobriu que o atual governo e os deputados estão na grande área em posição de impedimento, de “fora de jogo”. Todos sabem que fazer golo nessa posição é ilegal.


Além disso, só agora que descobriram que o povão angolano é áulico. Como ir para eleições com essa situação? Aliás, não somente esse povo sofrido. Os grandes quando não são delegados ou eleitos para alguns cargos renunciam a tudo. Recentemente, depois que se anunciou que angolanos na diáspora não mais votariam, foi noticiado que secretários passaram a se ajoelhar para que associados comparecessem às reuniões. Os mais criativos têm promovido almoços, lanches etc. Temos até uma cena patética em que um governador que não é recebido no palácio presidencial (como foi noticiado e não desmentido) e nem é demitido.


O MPLA se vangloria de ser o único partido que possui quadros preparados tanto em qualidade quanto em quantidade. Na conjuntura em que vivemos é provável que seja verdade. Mas afinal de contas onde andam esses quadros? O país precisa desses quadros.

Já dizia Marinetti , tudo que é sólido se desmancha no ar. Há trinta anos que o MPLA mantém no poder os comunas, que não gostam de estudar, que foram preparados para serem guerrilheiros ou revolucionários. Eles odeiam administrar bem. Nunca geriram um carrinho de cachorro quente. Temos estruturas administrativas desorganizadas. Ninguém combate a corrupção! Temos um grupo que não dialoga, não há sinergia, só intrigas. Eles estão mais preocupados com a neo-conferência de Berlim: a divisão de Angola em capitanias hereditárias. Por isso só gostam de reuniões.

O que seria de nós de se não houvesse antes o governo de Agostinho Neto que, com todas as dificuldades daquela época, foi capaz de montar uma equipe que ainda está ai? Infelizmente, os tempos mudam e os problemas surgem a cada dia. Na época do Neto não havia Internet, telefone celular, não havia FAX, não havia computador, era mesmo na máquina de datilografar. Os comunas ainda conseguiam dar conta. No entanto, eles não se atualizaram e agora o “xeque” foi dado.

O resultado concreto está ai: governo não consegue governar, frente às complexidades de nossos dias. Estão instalando o salazarismo disfarçado e a platéia de desinformados, a população de pobres ignorantes crê em tudo que a máquina produz e todos ficam repetindo fervorosamente: candidato natural. Ninguém ousa uma justificativa criativa, como: candidato experiente, mais velho, mais bonito, mais rico, etc. Depois de 30 anos nenhum comuna se apresenta como alternativa em substituir o Homem? Ninguém aprendeu nada? Como podem ocupar cargos importantes por tanto tempo? Nesse cenário, dá vontade de se jogar no buraco.


As consequências estão ai. Em qualquer jornal só lemos: Luanda controla excessivamente processo eleitoral, as armadilhas do nosso processo eleitoral (está tudo armadilhado), a democracia em Angola! mito ou realidade (é mito), Angola: o pecado da cumplicidade, por ser da UNITA despejaram-lhe petróleo, resenhas e mais resenhas sobre atos de intolerância política etc.


Por isso que hoje resolvi elogiar. O Juiz, por outras palavras, disse que ele não tem nada com isso. Se eles marcarem a bendita data, as comissões estão preparadas, nem que se faça das tripas o coração. (Eu concordo 100 por cento). Ele deixou-nos uma palavra de conforto: em 2008, haveremos de voltar, a votar, pelo menos os que estiverem em Angola. Até que enfim uma boa notícia.

(Ah, esqueci uma coisa: sempre que elogio alguém, não demora muito para ser demitido, mas tenho certeza que isso não acontecerá).

Publicado:
Portal de Informações " Club-k.net" em 10 de Abril de 2007 - 05:00