quinta-feira, 4 de abril de 2013

Discurso do Presidente da UNITA pela passagem do dia da Paz e reconciliação Nacional


Povo angolano:

Ao longo da história do nosso país, o conceito de paz esteve sempre associado à ausência de guerra. O calendário nacional consagrou como “Dia da Paz”, o dia em que os militares assinalaram o calar das armas por via de um Acordo de papel.
Assim, quando se fala de paz, muitos pensam apenas na dimensão militar da última fase do conflito socio-político que assolou Angola por décadas.

Todavia, esta não é paz que a humanidade almeja e os angolanos merecem. A Organização das Nacões Unidas Para a Educação, Ciência e Cultura, inseriu no preâmbulo do seu Acto Constitutivo, as seguintes palavras sobre a paz:
"Uma vez que as guerras começam na mente dos homens, é na mente dos homens que as defesas da paz devem ser construídas".

De facto, se não são as armas que causam as guerras, mas sim a mente dos homens, suas ambições, orgulhos e paixões, também a paz não se defende calando as armas nem assinando acordos de papel para se calarem as armas.
A paz, tal como a democracia, é uma cultura, é um modo de estar. A paz é fruto da democracia, e a democracia é o regime político da paz.

A Cultura da Paz, consagrada após a II Segunda Guerra Mundial, está intrinsecamente ligada ao respeito pelos direitos universais do homem e à defesa da dignidade humana. É uma cultura baseada na tolerância, na igualdade e na solidariedade.
É uma Cultura que se empenha em prevenir conflitos resolvendo-os em suas fontes. Estes conflitos incluem as novas ameaças não-militares para a paz e para a segurança, como a exclusão, a pobreza extrema, a corrupção institucional e a degradação ambiental.

A Cultura de Paz procura resolver estes novos conflitos logo que eles se manifestam, por meio do diálogo, da negociação e da mediação, de forma a tornar a violência desnecessária e inviável.
Em matéria de cultura da paz, conforme ela é entendida pela UNESCO, onze anos depois das armas se terem calado em Angola, onde estamos? O que é que temos?

Construímos estradas, prédios e centralidades, mas não construímos, nas mentes e nos espíritos das pessoas, as defesas da paz!
Temos leis no papel, que consagram os valores e a cultura da paz. Ouvimos nas televisões e na Rádio, um discurso oficial aparentemente moralizador, apelando ao diálogo. Mas na prática, temos a intolerância, a exclusão, as gritantes desigualdades, a impunidade e as constantes agressões à Constituição e à Lei.

O diálogo que constrói a paz, é o diálogo entre pessoas que pensam de maneira diferente, é o diálogo entre governo e oposição, ricos e pobres, diálogo entre adversários. Os amigos não estão em conflito.

      Se a televisão e a Rádio, ao convidar analistas para comentar acontecimentos políticos ou sociais, convidar pessoas de um só Partido ou que pensam todos da mesma maneira, não está a promover o diálogo que produz a paz, porque entre estes não há diferenças, não há ideias conflituantes.
      Se temos medo de dialogar com quem pensa diferente de nós, então não estamos em paz e temos medo da paz!

      Se temos medo de explicar ao nosso compatriota como obtivemos as riquezas que exibimos de dia para noite, então, não estamos em paz e temos medo da paz!

      Se temos medo que o nosso irmão tenha acesso livre e igual à Rádio Nacional de Angola, para dizer livremente o que lhe vai na alma ou para criticar, então não estamos em paz e temos medo da paz!

      Se pregamos a justiça e a solidariedade e vemos o nosso irmão ir levar água, mantimentos e conforto a quem perdeu seus haveres, lá no Cacuaco ou no Lubango, e mandamos lá a Polícia para o impedir, porque temos medo que ele fale com o povo sobre os seus problemas, então não estamos em paz e temos medo da paz!

      Se pregamos que ninguém está acima da lei e ouvimos acusações graves de violação da lei, mas temos medo de as investigar, mesmo sabendo que a Constituição nos manda investigar, e arquivamos a queixa, porque nos sentimos pequenos demais, então não estamos em paz e temos medo da paz!

Não estamos em paz, porque a paz é obra da justiça, obra da tolerância e do respeito mútuo. E nós, detentores do poder, praticamos a injustiça, a intolerância e desreipeitamos o próximo!
Respeitar o próximo como queremos que nos respeitem, sobretudo aqueles dos quais discordamos, expressa o sentimento de tolerância, indispensável para a harmonia social.

Temos medo da paz, porque a paz é obra da liberdade. E nós, detentores do poder, infringimos os direitos e as liberdades das maiorias.
Só a liberdade, protegida pelas leis e garantida nos direitos individuais inscritos na Constituição, afasta o medo, desfaz as desconfianças, elimina os ressentimentos e estimula a cooperação, a solidariedade e o apoio mútuo.

Quem defrauda a lei e apropria-se do património público sem pudor nem temor, não vive em liberdade, vive com medo, até dos seus próprios guardas!
A cultura da paz, tal como definida pela UNESCO, também foi consagrada na  Constituição Angolana. O artigo 11.º da CRA, dispõe que “a paz tem como base o primado do direito e da lei...”  “ A segurança nacional é baseada no primado do direito e da lei...”

Isto significa que a paz constitucional não é a paz de Abril. A paz constitucional é a paz resultante do cumprimento da Lei por todos. É a paz do respeito pelos direitos humanos; é a paz da verdade eleitoral e do respeito pela probidade pública.
Não há paz, lá onde a corrupção e a impunidade estão ancoradas nas instituições do Estado. Não há paz lá onde o Estado agride o cidadão, não explica o desaparecimento de cidadãos; não investiga indícios de crimes; e transmite a ideia de que existem pessoas acima da Lei.

Não há paz, lá onde as pessoas vivem permanentemente a pensar na guerra do passado. Confundem o exercício legítimo do direito democrático de oposição com o espectro da guerra e utilizam o espectro da guerra para violar a lei e estabelecer, de facto, o Estado de não-Direito!
Onze anos depois de assinada a paz militar, o que vemos relativamente à paz constitucional, que é a paz que se baseia no primado do direito e da lei?

      Vemos titulares de cargos públicos a transformarem as instituições públicas em verdadeiras coutadas particulares, sem pudor nem temor.

      Vemos o Poder Judicial transformado num mero apêndice do poder político, salvo as devidas e honrosas excepções.

      Vemos, ao nível da sociedade, em particular no seio da juventude, a propagação do discurso obsceno e violento e a promoção de falsos valores como o poder a qualquer custo, o prazer a qualquer momento e a ostentação, sintomas evidentes da ausência da cultura de paz.

      Vemos, acima de tudo, a violação sistemática da lei por quem a devia proteger e a promoção institucional da injustiça social, da exclusão, da acumulação ilegal de riqueza e da corrupção, por quem as devia repudiar, combater e punir.

Minhas senhoras e meus senhores:

 As armas calaram-se há onze anos, mas ainda convivem connosco muitos sentimentos de hostilidade, amargura, desconfiança, ressentimento e até de ódio.

 Isto significa que ainda não construímos nos nossos corações, a verdadeira paz, a paz das Escrituras Sagradas, a paz definida pela UNESCO, fundada no Direito e consagrada na Constituição da República de Angola.

 Agora incumbe-nos estabelecer os fundamentos para vivermos a paz. E estes fundamentos são: 

        a verdadeira democracia representativa,
       o Estado de direito,
       a garantia dos direitos e liberdades individuais; e
       a soberania popular. 

 Os líderes políticos, os estadistas, assinam acordos de paz, mas ela só se realizará na sua plenitude, na hora em que cada angolano assinar em baixo, comprometendo-se autenticamente, a trazer a paz para o seu coração. Porque a paz não se resume a uma peça de papel, nem ao aperto de mão ou abraços entre adversários. A paz é uma condição social. 

Povo angolano,

 A trajectória em busca da paz, que vimos percorrendo nos últimos 37 anos, evidenciou que  a democracia, a mais autêntica que pudermos construir, é o regime político da paz.

 Por isso, no dia consagrado à paz, a UNITA reafirma que:
 
  • Não há saída para os impasses de Angola, não há solução para os seus graves problemas sociais, não há futuro digno para os seus filhos, a não ser na democracia.
  • O sucesso de Angola como nação, depende de nossa coragem e patriotismo para nos reencontrarmos como irmãos, na construção de uma autêntica democracia, de uma sociedade aberta e pluralista e de um desenvolvimento descentralizado a partir do Poder Local.
  •  O reencontro da família angolana exige um diálogo estruturado e abrangente, sem pré-condições, entre os adversários de ontem.
      A UNITA está preparada e disponível para iniciar esse diálogo.
     Somente a experiência de uma prática política democrática, terá o poder de completar a obra inconclusa da construção da nação, da constituição de uma sociedade civil forte e autónoma e da própria consolidação da democracia.

 Neste dia dedicado à paz e à reconciliação nacional,
 
      A UNITA reafirma, por meu intermédio, para todo o povo angolano, o seu compromisso irreversível e incondicional com a paz, a sua rejeição absoluta à luta armada e à violência política como formas de competir pelo poder, e a sua igualmente absoluta fidelidade às regras democráticas universalmente aceites e praticadas.
 

      A UNITA reafirma, igualmente, o seu compromisso irreversível e incondicional para com a causa do povo e a sua determinação de congregar os angolanos para a mudança, visando a construção da paz, da democracia e da prosperidade para todos.        
   

      Nesta data histórica, A UNITA rende homenagem aos obreiros da independência nacional, aos obreiros da Liberdade e da Democracia em Angola; louva a contribuição das Igrejas e de todas as organizações da sociedade civil que têm desempenhado um papel fundamental através das suas homilias e acções cívicas de solidariedade e de encorajamento para se prosseguir com o processo de aprofundamento da democracia e consolidação da Paz.

 Luanda, 3 de Abril de 2013.